sábado, 30 de novembro de 2019

Leis Divinas - Leis Morais - 76a. Edição Do 1.271° ao 1.320° milheiro Título do original francês: LE LIVRE DES ESPRITS (Paris, 18/4/1857) Tradução de GUILLON RIBEIRO


OBJETIVO DO BLOG


Este blog tem por objetivo o estudo das Leis de Deus extraído diretamente do Livro  dos Espíritos de Allan Kardec trazida pelos emissários do Cristo de Deus e recebida pelos médiuns que auxiliavam Kardec e naquele momento,  Ele achou por bem nos enviar, visto que  muitas criaturas já encontram capacitadas a entender, através de estudo e experiências, o bê a bá de sua Infinita Criação.
Convido às criaturas humildes, sem preconceito, isentas de personalismo, ávidas por compreender o mecanismo da Criação Divina, cientes que só "Ele tem o farol do Infinito".


Sugiro que estejamos sempre abertos ao: 
1 - dialogo em uma discussão, 
2 - madura, 
3 - respeitosa, 
4 - ecumênica no mais extenso da acepção dessa palavra, 
5 - sem extremismo ou 
6 - partidarismo religioso, político, científico ou mais lá que o seja, 
7 - dispostas a analisar as postagens aqui colocadas, 
8 - trazendo assuntos de interesse comum e específicos sobre as
9 - áreas do saber humano, 
10 - tendo  sempre como objeto a elevação moral Crística, como fundamento da evolução espiritual das criaturas humanas e espirituais.

Das leis morais

CAPÍTULO I

DA LEI DIVINA OU NATURAL

  1. Caracteres da lei natural. - 2. Origem e conhecimento da lei natural. - 3. O bem e o mal - 4. Divisão da lei natural.
Caracteres da lei natural

614. Que se deve entender por lei natural?

A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem.

Indica-lhe o que deve fazer ou deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta.”

615. É eterna a lei de Deus?

Eterna e imutável como o próprio Deus.”

616. Será possível que Deus em certa época haja prescrito aos homens o que noutra época lhes proibiu?

Deus não se engana. Os homens é que são obrigados a modificar suas leis, por imperfeitas. As de Deus, essas são perfeitas. A harmonia que reina no universo material, como no universo moral, se funda em leis estabelecidas por Deus desde toda a eternidade.”

617. As leis divinas, que é o que compreendem no seu âmbito? Concernem a alguma outra coisa, que não somente ao procedimento moral?

Todas as da Natureza são leis divinas, pois que Deus é o autor de tudo. O sábio
estuda as leis da matéria, o homem de bem estuda e pratica as da alma.”
a) - Dado é ao homem aprofundar umas e outras?

É, mas em uma única existência não lhe basta para isso.”

Efetivamente, que são alguns anos para a aquisição de tudo o de que precisa o ser, a fim de se considerar perfeito, embora apenas se tenha em conta a distância que vai do selvagem ao homem civilizado? Insuficiente seria, para tanto, a existência mais longa que se possa imaginar. Ainda com mais forte razão o será quando curta, como é para a maior parte dos homens.
Entre as leis divinas, umas regulam o movimento e as relações da matéria bruta: as leis físicas, cujo estudo pertence ao domínio da Ciência.
As outras dizem respeito especialmente ao homem considerado em si mesmo e nas suas relações com Deus e com seus semelhantes. Contém as regras da vida do corpo, bem como as da vida da alma: são as leis morais.

618. São as mesmas, para todos os mundos, as leis divinas?

A razão está a dizer que devem ser apropriadas à natureza de cada mundo e adequadas ao grau de progresso dos seres que os habitam.”


2. Origem e Conhecimento da lei natural

619. A todos os homens facultou Deus os meios de conhecerem Sua lei?

Todos podem conhecê-la, mas nem todos a compreendem. Os homens de bem e os que se decidem a investigá-la são os que melhor a compreendem. Todos, entretanto, a compreenderão um dia, porquanto forçoso é que o progresso se efetue.”
A justiça das diversas encarnações do homem é uma conseqüência deste princípio, pois que, em cada nova existência, sua inteligência se acha mais desenvolvida e ele compreende melhor o que é bem e o que é mal. Se numa só existência tudo lhe devesse ficar ultimado, qual seria a sorte de tantos milhões de seres que morrem todos os dias no embrutecimento da selvageria, ou nas trevas da ignorância, sem que deles tenha dependido
o se instruírem?

620. Antes de se unir ao corpo, a alma compreende melhor a lei de Deus do que depois de encarnada?

Compreende-a de acordo com o grau de perfeição que tenha atingido e dela guarda a intuição quando unida ao corpo. Os maus instintos, porém, fazem ordinariamente que o homem a esqueça.”

621. Onde está escrita a lei de Deus?

Na consciência.”

a) - Visto que o homem traz em sua consciência a lei de Deus, que necessidade havia de lhe ser ela revelada?

Ele a esquecera e desprezara. Quis então Deus lhe fosse lembrada.”

622. Confiou Deus a certos homens a missão de revelarem a Sua lei?

Indubitavelmente. Em todos os tempos houve homens que tiveram essa missão.

São Espíritos superiores, que encarnam com o fim de fazer progredir a Humanidade.”

623. Os que hão pretendido instruir os homens na lei de Deus não se têm enganado algumas vezes, fazendo-os transviar-se por meio de falsos princípios?

Certamente hão dado causa a que os homens se transviassem aqueles que não eram inspirados por Deus e que, por ambição, tomaram sobre si um encargo que lhes não fora cometido. Todavia, como eram, afinal, homens de gênios, mesmo entre os erros que ensinaram, grandes verdades muitas vezes se encontram.”

624. Qual o caráter do verdadeiro profeta?

O verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado por Deus. Podeis reconhecêlo pelas suas palavras e pelos seus atos. Impossível é que Deus se sirva da boca do mentiroso para ensinar a verdade.”



625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?

Jesus.”

Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava.
Quanto aos que, pretendendo instruir o homem na lei de Deus, o têm transviado, ensinando-lhes falsos princípios, isso aconteceu por haverem deixado que os dominassem sentimentos demasiado terrenos e por terem confundido as leis que regulam as condições da vida da alma, com as que regem a vida do corpo. Muitos hão apresentado como leis divinas simples leis humanas estatuídas para servir às paixões e dominar os homens.

626. Só por Jesus foram reveladas as leis divinas e naturais? Antes do seu
aparecimento, o conhecimento dessas leis só por intuição os homens o tiveram?

Já não dissemos que elas estão escritas por toda parte? Desde os séculos mais longínquos, todos os que meditaram sobre a sabedoria hão podido compreendê-las e ensinálas.

Pelos ensinos, mesmo incompletos, que espalharam, prepararam o terreno para receber a semente. Estando as leis divinas escritas no livro da Natureza, possível foi ao homem conhecê-las, logo que as quis procurar. Por isso é que os preceitos que consagram foram, desde todos os tempos, proclamados pelos homens de bem; e também por isso é que elementos delas se encontram, se bem que incompletos ou adulterados pela ignorância, na doutrina moral de todos os povos saídos da barbárie.”

627. Uma vez que Jesus ensinou as verdadeiras leis de Deus, qual a utilidade do ensino que os Espíritos dão? Terão que nos ensinar mais alguma coisa?

Jesus empregava amiúde, na sua linguagem, alegorias e parábolas, porque falava de conformidade com os tempos e os lugares. Faz-se mister agora que a verdade se torne inteligível para todo mundo. Muito necessário é que aquelas leis sejam explicadas e desenvolvidas, tão poucos são os que as compreendem e ainda menos os que as praticam. A nossa missão consiste em abrir os olhos e os ouvidos a todos, confundindo os orgulhosos e desmascarando os hipócritas: os que vestem a capa da virtude e da religião, a fim de ocultarem suas torpezas. O ensino dos Espíritos tem que ser claro e sem equívocos, para que ninguém possa pretextar ignorância e para que todos o possam julgar e apreciar com a razão. Estamos incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou. Daí a necessidade de que a ninguém seja possível interpretar a lei de Deus ao sabor de suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei toda de amor e de caridade.”

628. Por que a verdade não foi sempre posta ao alcance de toda gente?

Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz: o homem precisa habituar-se a ela, pouco a pouco; do contrário, fica deslumbrado.

Jamais permitiu Deus que o homem recebesse comunicações tão completas e instrutivas como as que hoje lhe são dadas. Havia, como sabeis, na antigüidade alguns indivíduos possuidores do que eles próprios consideravam uma ciência sagrada e da qual faziam mistério para os que, aos seus olhos, eram tidos por profanos. Pelo que conheceis das leis que regem estes fenômenos, deveis compreender que esses indivíduos apenas
recebiam algumas verdades esparsas, dentro de um conjunto equívoco e, na maioria dos casos, emblemático. Entretanto, para o estudioso, não há nenhum sistema antigo de filosofia, nenhuma tradição, nenhuma religião, que seja desprezível, pois em tudo há germens de grandes verdades que, se
bem pareçam contraditórias entre si, dispersas que se acham em meio de acessórios sem fundamento, facilmente coordenáveis se vos apresentam, graças à explicação que o Espiritismo dá de uma imensidade de coisas que até agora se vos afiguraram sem razão alguma e cuja realidade está hoje irrecusavelmente demonstrada. Não desprezeis, portanto, os objetos de estudo que esses materiais oferecem. Ricos eles são de tais objetos e podem contribuir grandemente para vossa instrução.”



3. O bem e o mal

629. Que definição se pode dar da moral?

A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus.”

630. Como se pode distinguir o bem do mal?

O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário.
Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”

631. Tem meios o homem de distinguir por si mesmo o que é bem do que é mal?

Sim, quando crê em Deus e o quer saber. Deus lhe deu inteligência para distinguir um do outro.”

632. Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar-se na apreciação do bem e do mal e crer que pratica o bem quando em realidade pratica o mal?

Jesus disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.”

633. A regra do bem e do mal, que se poderia chamar de reciprocidade ou de solidariedade, é inaplicável ao proceder pessoal do homem para consigo mesmo. Achará ele, na lei natural, a regra desse proceder e um guia seguro?

Quando comeis em excesso, verificais que isso vos faz mal. Pois bem, é Deus quem vos dá a medida daquilo de que necessitais. Quando excedeis dessa medida, sois punidos. Em tudo é assim. A lei natural traça para o homem o limite das suas necessidades.

Se ele ultrapassa esse limite, é punido pelo sofrimento. Se atendesse sempre à voz que lhe diz - basta, evitaria a maior parte dos males, cuja culpa lança à Natureza.”

634. Por que está o mal na natureza das coisas? Falo do mal moral. Não podia Deus ter criado a Humanidade em melhores condições?

Já te dissemos: os Espíritos foram criados simples e ignorantes.Deus deixa que o homem escolha o caminho. Tanto pior para ele, se toma o caminho mau: mais longa será sua peregrinação. Se não existissem montanhas, não compreenderia o homem que se pode subir e descer; se não existissem rochas, não compreenderia que há corpos duros. É preciso que o Espírito ganhe experiência; é preciso, portanto, que conheça o bem e o mau. Eis por que se une ao corpo.”

635. Das diferentes posições sociais nascem necessidades que não são idênticas para todos os homens. Não parece poder inferir-se daí que a lei natural não constitui regra uniforme?

Essas diferentes posições são da natureza das coisas e conformes à lei do
progresso. Isso não infirma a unidade da lei natural, que se aplica a tudo.”
As condições de existência do homem mudam de acordo com os tempos e os lugares, do que lhe resultam necessidades diferentes e posições sociais apropriadas a essas necessidades. Pois que está na ordem das coisas, tal diversidade é conforme à lei de Deus, lei que não deixa de ser una quanto ao seu princípio. À razão cabe distinguir as necessidades reais das factícias ou convencionais.

636. São absolutos, para todos os homens, o bem e o mal?

A lei de Deus é a mesma para todos; porém, o mal depende principalmente da vontade que se tenha de o praticar. O bem é sempre o bem e o mal sempre o mal, qualquer que seja a posição do homem. Diferença só há quanto ao grau da responsabilidade.”

637. Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de carne humana?

Eu disse que o mal depende da vontade. Pois bem! Tanto mais culpado é o homem, quanto melhor sabe o que faz.”
As circunstâncias dão relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas vezes, comete o homem faltas, que, nem por serem conseqüência da posição em que a sociedade o colocou, se tornam menos repreensíveis. Mas, a sua responsabilidade é proporcionada aos meios de que ele dispõe para compreender o bem e o mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de Deus,
o homem instruído que pratica uma simples injustiça, do que o selvagem ignorante que se entrega aos seus instintos.

638. Parece, às vezes, que o mal é uma conseqüência da força das coisas. Tal, por exemplo, a necessidade em que o homem se vê, nalguns casos, de destruir, até mesmo o seusemelhante. Poder-se-á dizer que há, então, infração da lei de Deus?

Embora necessário, o mal não deixa de ser o mal. Essa necessidade desaparece, entretanto, à medida que a alma se depura, passando de uma a outra existência. Então, mais culpado é o homem, quando o pratica, porque melhor o compreende.”

639. Não sucede freqüentemente resultar o mal, que o homem pratica, da posição em que os outros homens o colocam? Quais, nesse caso, os culpados?

O mal recai sobre quem lhe foi o causador. Nessas condições, aquele que é levado a praticar o mal pela posição em que seus semelhantes o colocam tem menos culpa do que os que, assim procedendo, o ocasionaram. Porque, cada um será punido, não só pelo mal que haja feito, mas também pelo mal a que tenha dado lugar.”

640. Aquele que não pratica o mal, mas que se aproveita do mal praticado por outrem, é tão culpado quanto este?

É como se o houvera praticado. Aproveitar do mal é participar dele. Talvez não fosse capaz de praticá-lo; mas, desde que, achando-o feito, dele tira partido, é que o aprova; é que o teria praticado, se pudera, ou se ousara.”

641. Será tão repreensível, quanto fazer o mal, o desejá-lo?

Conforme. Há virtude em resistir-se voluntariamente ao mal que se deseja praticar, sobretudo quando há possibilidade de satisfazer-se a esse desejo. Se apenas não o pratica por falta de ocasião, é culpado quem o deseja.”

642. Para agradar a Deus e assegurar a sua posição futura, bastará que o homem não pratique o mal?

Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem.”

643. Haverá quem, pela sua posição, não tenha possibilidade de fazer o bem?

Não há quem não possa fazer o bem. Somente o egoísta nunca encontra ensejo de o praticar. Basta que se esteja em relações com outros homens para que se tenha ocasião de fazer o bem, e não há dia da existência que não ofereça, a quem não se ache cego pelo egoísmo, oportunidade de praticá-lo. Porque, fazer o bem não consiste, para o homem, apenas em ser caridoso, mas em ser útil, na medida do possível, todas as vezes que o seu
concurso venha a ser necessário.”

644. Para certos homens, o meio onde se acham colocados não representa a causa primária de muitos vícios e crimes?

Sim, mas ainda aí há uma prova que o Espírito escolheu, quando em liberdade, levado pelo desejo de expor-se à tentação para ter o mérito da resistência.”

645. Quando o homem se acha, de certo modo, mergulhado na atmosfera do vício, o mal não se lhe torna um arrastamento quase irresistível?
Arrastamento, sim; irresistível, não; porquanto, mesmo dentro da atmosfera do vício, com grandes virtudes às vezes deparas. São Espíritos que tiveram a força de resistir e que, ao mesmo tempo, receberam a missão de exercer boa influência sobre os seus semelhantes.”

646. Estará subordinado a determinadas condições o mérito do bem que se pratique? Por outra: Será de diferentes graus o mérito que resulta da prática do bem?

O mérito do bem está na dificuldade em praticá-lo. Nenhum merecimento há em fazê-lo sem esforço e quando nada custe. Em melhor conta tem Deus o pobre que divide com outro o seu único pedaço de pão, do que o rico que apenas dá do que lhe sobra, disse-o Jesus, a propósito do óbolo da viúva.”

4.Divisão da lei natural

647. A lei de Deus se acha contida toda no preceito do amor ao próximo, ensinado por Jesus?

Certamente esse preceito encerra todos os deveres dos homens uns para com os outros. Cumpre, porém, se lhes mostre a aplicação que comporta, do contrário deixarão de cumpri-lo, como o fazem presentemente. Demais, a lei natural abrange todas as circunstâncias da vida e esse preceito compreende só uma parte da lei. Aos homens são necessárias regras precisas; os preceitos gerais e muito vagos deixam grande número de portas abertas à interpretação.”

648. Que pensais da divisão da lei natural em dez partes, compreendendo as leis de adoração, trabalho, reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade e, por fim, a de justiça, amor e caridade?

Essa divisão da lei de Deus em dez partes é a de Moisés e de natureza a abranger todas as circunstâncias da vida, o que é essencial. Podes, pois, adotá-la, sem que, por isso, tenha qualquer coisa de absoluta, como não o tem nenhum dos outros sistemas de classificação, que todos dependem do prisma pelo qual se considere o que quer que seja. A última lei é a mais importante, por ser a que faculta ao homem adiantar-se mais na vida espiritual, visto que resume todas as outras.”


CAPÍTULO II

DA LEI DE ADORAÇÃO

  1. Objetivo da adoração. - 2. Adoração exterior. - 3. Vida contemplativa. - 4. A prece. - 5.Politeísmo. - 6. Sacrifícios.
1. Objetivo da adoração
649. Em que consiste a adoração?

Na elevação do pensamento a Deus. Deste, pela adoração, aproxima o homem sua alma.”

650. Origina-se de um sentimento inato a adoração, ou é fruto de ensino?

Sentimento inato, como o da existência de Deus. A consciência da sua fraqueza leva o homem a curvar-se diante daquele que o pode proteger.”

651. Terá havido povos destituídos de todo sentimento de adoração?

Não, que nunca houve povos de ateus. Todos compreendem que acima de tudo há um Ente Supremo.”

652. Poder-se-á considerar a lei natural como fonte originária da
adoração?

A adoração está na lei natural, pois resulta de um sentimento inato no homem. Por essa razão é que existe entre todos os povos, se bem que sob formas diferentes.”

2. Adoração exterior

653. Precisa de manifestações exteriores a adoração?

A adoração verdadeira é do coração. Em todas as vossas ações, lembrai-vos sempre de que o Senhor tem sobre vós o seu olhar.”

a) - Será útil a adoração exterior?
Sim, se não consistir num vão simulacro. É sempre útil dar um bom exemplo. Mas, os que somente por afetação e amor-próprio o fazem, desmentindo com o proceder a aparente piedade, mau exemplo dão e não imaginam o mal que causam.”

654. Tem Deus preferência pelos que O adoram desta ou daquela maneira?

Deus prefere os que O adoram do fundo do coração, com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal, aos que julgam honrá-Lo com cerimônias que os não tornam melhores para com os seus semelhantes.

Todos os homens são irmãos e filhos de Deus. Ele atrai a Si todos os que lhe obedecem às leis, qualquer que seja a forma sob que as exprimam.

É hipócrita aquele cuja piedade se cifra nos atos exteriores. Mau exemplo dá todo aquele cuja adoração é afetada e contradiz o seu procedimento.

Declaro-vos que somente nos lábios e não na alma tem religião aquele que professa adorar o Cristo, mas que é orgulhoso, invejoso e cioso, duro e implacável para com outrem, ou ambicioso dos bens deste mundo. Deus, que tudo vê, dirá: o que conhece a verdade é cem vezes mais culpado do mal que faz, do que o selvagem ignorante que vive no deserto.
E como tal será tratado no dia da justiça. Se um cego, ao passar, vos derriba, perdoá-lo-eis; se for um homem que enxerga perfeitamente bem, queixar-vos-eis e com razão.

Não pergunteis, pois, se alguma forma de adoração há que mais convenha, porque eqüivaleria a perguntardes se mais agrada a Deus ser adorado num idioma do que noutro. Ainda uma vez vos digo: até Ele não chegam os cânticos, senão quando passam pela porta do coração.”

655. Merece censura aquele que pratica uma religião em que não crê do fundo dalma, fazendo-o apenas pelo respeito humano e para não escandalizar os que pensam de modo diverso?

Nisto, como em muitas outras coisas, a intenção constitui a regra. Não procede mal aquele que, assim fazendo, só tenha em vista respeitar as crenças de outrem. Procede melhor do que um que as ridicularize, porque, então, falta à caridade. Aquele, porém, que a pratique por interesse e por ambição se torna desprezível aos olhos de Deus e dos homens.

A Deus não podem agradar os que fingem humilhar-se diante Dele tão-somente para granjear o aplauso dos homens.”

656. À adoração individual será preferível a adoração em comum?

Reunidos pele comunhão dos pensamentos e dos sentimentos, mais força têm os homens para atrair a si os bons Espíritos. O mesmo se dá quando se reúnem para adorar a Deus. Não creias, todavia, que menos valiosa seja a adoração particular, pois que cada um pode adorar a Deus pensando Nele.”

3. Vida contemplativa

657. Têm, perante Deus, algum mérito os que se consagram à vida contemplativa, uma vez que nenhum mal fazem e só em Deus pensam?

Não, porquanto, se é certo que não fazem o mal, também o é que não fazem o bem e são inúteis. Demais, não fazer o bem já é um mal. Deus quer que o homem pense Nele, mas não quer que só Nele pense, pois que lhe impôs deveres a cumprir na Terra. Quem passa todo o tempo na meditação e na contemplação nada faz de meritório aos olhos de Deus, porque vive uma vida toda pessoal e inútil à Humanidade e Deus lhe pedirá contas do bem que não houver feito.”

4. A Prece
658. Agrada a Deus a prece?

A prece é sempre agradável a Deus, quando ditada pelo coração, pois, para Ele, aintenção é tudo. Assim, preferível Lhe é a prece do íntimo à prece lida, por muito bela que seja, se for lida mais com os lábios do que com o coração. Agrada-Lhe a prece, quando dita com fé, com fervor e sinceridade. Mas, não creias que O toque a do homem fútil, orgulhoso e egoísta, a menos que signifique, de sua parte, um ato de sincero arrependimento e de verdadeira humildade.”


659. Qual o caráter geral da prece?

A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar Nele; é aproximar-se Dele; é pôr-se em comunicação com Ele. A três coisas podemos propor-nos por meio da prece: louvar, pedir, agradecer.”

660. A prece torna melhor o homem?

Sim, porquanto aquele que ora com fervor e confiança se faz mais forte contra as tentações do mal e Deus lhe envia bons Espíritos para assisti-lo. É este um socorro que jamais se lhe recusa, quando pedido com sinceridade.”

a) - Como é que certas pessoas, que oram muito, são, não obstante, de mau caráter, ciosas, invejosas, impertinentes, carentes de benevolência e de indulgência e até, algumas vezes, viciosas?

O essencial não é orar muito, mas orar bem. Essas pessoas supõem que todo o mérito está na longura da prece e fecham os olhos para os seus próprios defeitos. Fazem da prece uma ocupação, um emprego do tempo, nunca, porém, um estudo de si mesmas. A ineficácia, em tais casos, não é do remédio, sim da maneira por que o aplicam.”

661. Poderemos utilmente pedir a Deus que perdoe as nossas faltas?

Deus sabe discernir o bem do mal; a prece não esconde as faltas. Aquele que a Deus pede perdão de suas faltas só o obtém mudando de proceder. As boas ações são a melhor prece, por isso que os atos valem mais que as palavras.”

662. Pode-se, com utilidade, orar por outrem?

O Espírito de quem ora atua pela sua vontade de praticar o bem. Atrai a si, mediante a prece, os bons Espíritos e estes se associam ao bem que deseje fazer.”

O pensamento e a vontade representam em nós um poder de ação que alcança muito além dos limites da nossa esfera corporal. A prece que façamos por outrem é um ato dessa vontade. Se for ardente e sincera, pode chamar, em auxílio daquele por quem oramos, os bons Espíritos, que lhe virão sugerir bons pensamentos e dar a força de que necessitem seu corpo e sua alma. Mas, ainda aqui, a prece do coração é tudo, a dos lábios nada vale.

663. Podem as preces, que por nós mesmos fizermos, mudar a natureza das nossas provas e desviar-lhes o curso?

As vossas provas estão nas mãos de Deus e algumas há que têm de ser suportadas até ao fim; mas, Deus sempre leva em conta a resignação. A prece traz para junto de vós os bons Espíritos e, dando-vos estes a força de suportá-las corajosamente, menos rudes elas vos parecem. Hemos dito que a prece nunca é inútil, quando bem feita, porque fortalece aquele que ora, o que já constitui grande resultado. Ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará, bem o sabes. Demais, não é possível que Deus mude a ordem da Natureza ao sabor de cada um, porquanto o que, do vosso ponto de vista mesquinho e do da vossa vida efêmera, vos parece um grande mal é quase sempre um grande bem na ordem geral do Universo. Além disso, de quantos males não se constitui o homem o próprio autor, pela sua imprevidência ou pelas suas faltas? Ele é punido naquilo em que pecou. Todavia, as súplicas justas são atendidas mais vezes do que supondes. Julgais, de ordinário, que Deus não vos ouviu, porque não fez a vosso favor um milagre, enquanto que vos assiste por meios tão naturais que vos parecem obra do acaso ou da força das coisas. Muitas vezes também, as mais das vezes mesmo, ele vos sugere a idéia que vos fará sair da dificuldade pelo vosso próprio esforço.”

664. Será útil que oremos pelos mortos e pelos Espíritos sofredores? E, neste caso, como lhes podem as nossas preces proporcionar alívio e abreviar os sofrimentos? Têm elas o poder de abrandar a justiça de Deus?

A prece não pode ter por efeito mudar os desígnios de Deus, mas a alma por quem se ora experimenta alívio, porque recebe assim um testemunho do interesse que inspira àquele que por ela pede e também porque o desgraçado sente sempre um refrigério, quando encontra almas caridosas que se compadecem de suas dores. Por outro lado, mediante a prece, aquele que ora concita o desgraçado ao arrependimento e ao desejo de fazer o que é necessário para ser feliz. Neste sentido é que se lhe pode abreviar a pena, se, por sua parte, ele secunda a prece com a boa-vontade. O desejo de melhorar-se, despertado pela prece, atrai para junto do Espírito sofredor Espíritos melhores, que o vão esclarecer, consolar e dar-lhe esperanças. Jesus orava pelas ovelhas desgarradas, mostrando-vos, desse modo, que culpados vos tornaríeis, se não fizésseis o mesmo pelos que mais necessitam das vossas preces.”

(A resposta do Espírito São Luís.)

665. Que se deve pensar da opinião dos que rejeitam a prece em favor dos mortos, por não se achar prescrita no Evangelho?

Aos homens disse o Cristo: Amai-vos uns aos outros. Esta recomendação contém a de empregar o homem todos os meios possíveis para testemunhar aos outros homens afeição, sem haver entrado em minúcias quanto à maneira de atingir ele esse fim. Se é certo que nada pode fazer que o Criador, imagem da justiça perfeita, deixe de aplicá-la a todas as ações do Espírito, não menos certo é que a prece que lhe dirigis por aquele que vos inspira afeição constitui, para este, um testemunho de que dele vos lembrais, testemunho que forçosamente contribuirá para lhe suavizar os sofrimentos e consolá-lo. Desde que ele manifeste o mais ligeiro arrependimento, mas só então, é socorrido. Nunca, porém, será deixado na ignorância de que uma alma simpática com ele se ocupou. Ao contrário, será deixado na doce crença de que a intercessão dessa alma lhe foi útil. Daí resulta necessariamente, de sua parte, um sentimento de gratidão e afeto pelo que lhe deu essa prova de amizade ou de piedade. Em conseqüência, crescerá num e noutro, reciprocamente, o amor que o Cristo recomendava aos homens. Ambos, pois, se fizeram assim obedientes à lei de amor e de união de todos os seres, lei divina, de que resultará a unidade, objetivo e finalidade do Espírito.”

666. Pode-se orar aos Espíritos?

Pode-se orar aos bons Espíritos, como sendo os mensageiros de Deus e os
executores de Suas vontades. O poder deles, porém, está em relação com a superioridade que tenham alcançado e dimana sempre do Senhor de todas as coisas, sem cuja permissão nada se faz. Eis por que as preces que se lhes dirigem só são eficazes, se bem aceitas por Deus.”



5. Politeísmo

667. Por que razão, não obstante ser falsa, a crença politeísta é uma das mais antigas e espalhadas?

A concepção de um Deus único não poderia existir no homem, senão como resultado do desenvolvimento de suas idéias. Incapaz, pela sua ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma determinada, atuando sobre a matéria, conferiu-Lhe o homem atributos da natureza corpórea, isto é, uma forma e um aspecto e, desde então, tudo o que parecia ultrapassar os limites da inteligência comum era, para ele, uma divindade. Tudo o que não compreendia devia ser obra de uma potência sobrenatural. Daí a crer em tantas potências distintas quantos os efeitos que observava, não havia mais que um passo. Em todos os tempos, porém, houve homens instruídos, que compreenderam ser impossível a existência desses poderes múltiplos a governarem o mundo, sem uma direção superior, e que, em conseqüência, se elevaram à concepção de um Deus único.”

(Resposta dada pelo Sr. Monod (Espírito), pastor protestante em Paris, morto em abril de 1856. )


668. Tendo-se produzido em todos os tempos e sendo conhecidos desde as primeiras idades do mundo, não haverão os fenômenos espíritas contribuído para a difusão da crença na pluralidade dos deuses?

Sem dúvida, porquanto, chamando deus a tudo o que era sobre-humano, os homens tinham por deuses os Espíritos. Daí veio que, quando um homem, pelas suas ações, pelo seu gênio, ou por um poder oculto que o vulgo não lograva compreender, se distinguia dos demais, faziam dele um deus e, por sua morte, lhe rendiam culto.”

A palavra deus tinha, entre os antigos, acepção muito ampla. Não indicava, como presentemente, uma personificação do Senhor da Natureza. Era uma qualificação genérica, que se dava a todo ser existente fora das condições da Humanidade. Ora, tendo-lhes as manifestações espíritas revelado a existência de seres incorpóreos a atuarem como potência da Natureza, a esses seres deram eles o nome de deuses, como lhes damos atualmente o de Espíritos. Pura questão de palavras, com a única diferença de que, na ignorância em que se achavam, mantida intencionalmente pelos que nisso tinham interesse, eles erigiram templos e altares muito lucrativos a tais deuses, ao passo que hoje os consideramos simples criaturas como nós, mais ou menos perfeitas e despidas de seus invólucros terrestres. Se estudarmos atentamente os diversos atributos das divindades pagãs, reconheceremos, sem esforço, todos os de que vemos dotados os Espíritos nos diferentes graus da escala espírita, o estado físico em que se encontram nos mundos superiores, todas as propriedades do perispírito e os papéis que desempenham nas coisas da Terra.

Vindo iluminar o mundo com a sua divina luz, o Cristianismo não se propôs destruir uma coisa que está na Natureza. Orientou, porém, a adoração para Aquele a quem é devida.
Quanto aos Espíritos, a lembrança deles se há perpetuado, conforme os povos, sob diversos nomes, e suas manifestações, que nunca deixaram de produzir-se, foram interpretadas de maneiras diferentes e muitas vezes exploradas sob o prestígio do mistério. Enquanto para a religião essas manifestações eram fenômenos miraculosos, para os incrédulos sempre foram embustes. Hoje, mercê de um estudo mais sério, feito à luz meridiana, o Espiritismo, escoimado das idéias supersticiosas que o ensombraram durante séculos, nos revela um dos maiores e mais sublimes princípios da Natureza.

6. Sacrifícios

669. Remonta à mais alta antigüidade o uso dos sacrifícios humanos. Como se explica que o homem tenha sido levado a crer que tais coisas pudessem agradar a Deus?

Principalmente, porque não compreendia Deus como sendo a fonte da bondade.
Nos povos primitivos a matéria sobrepuja o espírito; eles se entregam aos instintos do animal selvagem. Por isso é que, em geral, são cruéis; é que neles o senso moral, ainda não se acha desenvolvido. Em segundo lugar, é natural que os homens primitivos acreditassem ter uma criatura animada muito mais valor, aos olhos de Deus, do que um corpo material.
Foi isto que os levou a imolarem, primeiro, animais e, mais tarde, homens. De conformidade com a falsa crença que possuíam, pensavam que o valor do sacrifício era proporcional à importância da vítima. Na vida material, como geralmente a praticais, se houverdes de oferecer a alguém um presente, escolhê-lo-eis sempre de tanto maior valor quanto mais afeto e consideração quiserdes testemunhar a esse alguém. Assim tinha que ser,
com relação a Deus, entre homens ignorantes.”

a) - De modo que os sacrifícios de animais precederam os sacrifícios humanos?

Sobre isso não pode haver a menor dúvida.”

b) - Então, de acordo com a explicação que vindes de dar, não foi de um sentimento de crueldade que se originaram os sacrifícios humanos?
Não; originaram-se de uma idéia errônea quanto à maneira de agradar a Deus.
Considerai o que se deu com Abraão. Com o correr dos tempos, os homens entraram a abusar dessas práticas, imolando seus inimigos comuns, até mesmo seus inimigos particulares. Deus, entretanto, nunca exigiu sacrifícios, nem de homens, nem, sequer, de animais. Não há como imaginar-se que se Lhe possa prestar culto, mediante a destruição
inútil de Suas criaturas.”

670. Dar-se-á que alguma vez possam ter sido agradáveis a Deus os sacrifícios humanos praticados com piedosa intenção?

Não, nunca. Deus, porém, julga pela intenção. Sendo ignorantes os homens, natural era que supusessem praticar ato louvável imolando seus semelhantes. Nesses casos, Deus atentava unicamente na idéia que presidia ao ato e não neste. À proporção que se foram melhorando, os homens tiveram que reconhecer o erro em que laboravam e que reprovar tais sacrifícios, com que não podiam conformar-se as idéias de Espíritos esclarecidos. Digo - esclarecidos, porque os Espíritos tinham então a envolvê-los o véu material; mas, por meio do livre-arbítrio, possível lhes era vislumbrar suas origens e fim, e muitos, por intuição, já compreendiam o mal que praticavam, se bem que nem por isso deixassem de praticá-lo, para satisfazer às suas paixões.”

671. Que devemos pensar das chamadas guerras santas? O sentimento que impele os povos fanáticos, tendo em vista agradar a Deus, a exterminarem o mais possível os que não partilham de suas crenças, poderá equiparar-se, quanto à origem, ao sentimento que os excitava outrora a sacrificarem seus semelhantes?

São impelidos pelos maus Espíritos e, fazendo a guerra aos seus semelhantes, contravêm à vontade de Deus, que manda ame cada um o seu irmão, como a si mesmo. Todas as religiões, ou, antes, todos os povos adoram um mesmo Deus, qualquer que seja o nome que lhe dêem. Por que
então há de um fazer guerra a outro, sob o fundamento de ser a religião deste diferente da sua, ou por não ter ainda atingido o grau de progresso da dos povos cultos? Se são desculpáveis os povos de não crerem na palavra daquele que o Espírito de Deus animava e que Deus enviou, sobretudo os que não o viram e não lhe testemunharam os atos, como pretenderdes que creiam nessa palavra de paz, quando lhes ides levá-la de espada em punho? Eles têm que ser esclarecidos e devemos esforçar-nos por fazê-los conhecer a doutrina do Salvador, mediante a persuasão e com brandura, nunca a ferro e fogo. Em vossa maioria, não acreditais nas comunicações que temos com certos mortais; como quereríeis que estranhos acreditassem na vossa palavra, quando desmentis com os atos a doutrina que pregais?”

672. A oferenda feita a Deus, de frutos da terra, tinha a Seus olhos mais mérito do que o sacrifício dos animais?

Já vos respondi, declarando que Deus julga segundo a intenção e que para Ele pouca importância tinha o fato. Mais agradável evidentemente era a Deus que Lhe oferecessem frutos da terra, em vez do sangue das vítimas. Como temos dito e sempre repetiremos, a prece proferida do fundo da alma é cem vezes mais agradável a Deus do que todas as oferendas que lhe possais fazer. Repito que a intenção é tudo, que o fato nada vale.”

673. Não seria um meio de tornar essas oferendas agradáveis a Deus consagrá-las a minorar os sofrimentos daqueles a quem falta o necessário e, neste caso, o sacrifício dos animais, praticado com fim útil, não se tornaria meritório, ao passo que era abusivo quando para nada servia, ou só aproveitava aos que de nada precisavam? Não haveria qualquer coisa de verdadeiramente piedoso em consagrar-se aos pobres as primícias dos
bens que Deus nos concede na Terra?

Deus abençoa sempre os que fazem o bem. O melhor meio de honrá-Lo consiste em minorar os sofrimentos dos pobres e dos aflitos. Não quero dizer com isto que Ele desaprove as cerimônias que praticais para lhe dirigirdes as vossas preces. Muito dinheiro, porém, aí se gasta que poderia ser empregado mais utilmente do que o é. Deus ama a simplicidade em tudo. O homem que se atém às exterioridades e não ao coração é um Espírito de vistas acanhadas. Dizei, em consciência, se Deus deve atender mais à forma do que ao fundo.”

CAPÍTULO III

DA LEI DO TRABALHO

  1. Necessidade do trabalho. - 2. Limite do trabalho. Repouso.
Necessidade do trabalho

647. A necessidade do trabalho é lei da Natureza?

O trabalho é lei da Natureza, por isso mesmo que constitui uma necessidade, e a civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque lhe aumenta as necessidades e os gozos.”

675. Por trabalho só se devem entender as ocupações materiais?

Não; o Espírito trabalha, assim como o corpo. Toda ocupação útil é trabalho.”
676. Por que o trabalho se impõe ao homem?

Por ser uma conseqüência da sua natureza corpórea. É expiação e, ao mesmo tempo, meio de aperfeiçoamento da sua inteligência. Sem o trabalho, o homem permaneceria sempre na infância, quanto à inteligência. Por isso é que seu alimento, sua segurança e seu bem-estar dependem do seu trabalho e da sua atividade. Ao extremamente fraco de corpo outorgou Deus a inteligência, em compensação. Mas é sempre um trabalho.”

677. Por que provê a Natureza, por si mesma, a todas as necessidades dos animais?

Tudo em a Natureza trabalha. Como tu, trabalham os animais, mas o trabalho deles, de acordo com a inteligência de que dispõem, se limita a cuidarem da própria conservação. Daí vem que o do homem visa duplo fim: a conservação do corpo e o desenvolvimento da faculdade de pensar, o que também é uma necessidade e o eleva acima de si mesmo. Quando digo que o trabalho dos animais se cifra no cuidarem da própria conservação, refiro-me ao objetivo com que trabalham. Entretanto, provendo às suas necessidades materiais, eles se constituem, inconscientemente, executores dos desígnios do Criador e, assim, o trabalho que executam também concorre para a realização do objetivo final da Natureza, se bem quase nunca lhe descubrais o resultado imediato.”

678. Em os mundos mais aperfeiçoados, os homens se acham submetidos à mesma necessidade de trabalhar?

A natureza do trabalho está em relação com a natureza das necessidades. Quanto menos materiais são estas, menos material é o trabalho. Mas, não deduzais daí que o homem se conserve inativo e inútil. A ociosidade seria um suplício, em vez de ser um benefício.”

679. Achar-se-á isento da lei do trabalho o homem que possua bens suficientes para lhe assegurarem a existência?

Do trabalho material, talvez; não, porém, da obrigação de tornar-se útil, conforme aos meios de que disponha, nem de aperfeiçoar a sua inteligência ou a dos outros, o que também é trabalho. Aquele a quem Deus facultou a posse de bens suficientes a lhe garantirem a existência não está, é certo, constrangido a alimentar-se com o suor do seu rosto, mas tanto maior lhe é a obrigação de ser útil aos seus semelhantes, quanto mais
ocasiões de praticar o bem lhe proporciona o adiantamento que lhe foi feito.”

680. Não há homens que se encontram impossibilitados de trabalhar no que quer que seja e cuja existência é, portanto, inútil?

Deus é justo e, pois, só condena aquele que voluntariamente tornou inútil a sua existência, porquanto esse vive a expensas do trabalho dos outros. Ele quer que cada um seja útil, de acordo com as suas faculdades.”

681. A lei da Natureza impõe aos filhos a obrigação de trabalharem para seus pais?
Certamente, do mesmo modo que os pais têm que trabalhar para seus filhos. Foi por isso que Deus fez do amor filial e do amor paterno um sentimento natural. Foi para que, por essa afeição recíproca, os membros de uma família se sentissem impelidos a ajudaremse mutuamente, o que, aliás, com muita freqüência se esquece na vossa sociedade atual.”


Limite do trabalho. Repouso

682. Sendo uma necessidade para todo aquele que trabalha, o repouso não é também uma lei da Natureza?

Sem dúvida. O repouso serve para a reparação das forças do corpo e também é necessário para dar um pouco mais de liberdade à inteligência, a fim de que se eleve acima da matéria.”
683. Qual o limite do trabalho?

O das forças. Em suma, a esse respeito Deus deixa inteiramente livre o homem.”

684. Que se deve pensar dos que abusam de sua autoridade, impondo a seus inferiores excessivo trabalho?

Isso é uma das piores ações. Todo aquele que tem o poder de mandar é responsável pelo excesso de trabalho que imponha a seus inferiores, porquanto, assim fazendo, transgride a lei de Deus.”


685. Tem o homem o direito de repousar na velhice?

Sim, que a nada é obrigado, senão de acordo com as suas forças.”

a) - Mas, que há de fazer o velho que precisa trabalhar para viver e não pode?

O forte deve trabalhar para o fraco. Não tendo este família, a sociedade deve fazer as vezes desta. É a lei de caridade.”
Não basta se diga ao homem que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso que aquele que tem de prover à sua existência por meio do trabalho encontre em que se ocupar, o que nem sempre acontece. Quando se generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um flagelo, qual a miséria. A ciência econômica procura remédio para isso no equilíbrio entre a produção e o consumo. Mas, esse equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre intermitências, durante as quais não deixa o trabalhador de ter que viver. Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as conseqüências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem
entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos.

CAPÍTULO IV

DA LEI DE REPRODUÇÃO

  1. População do globo. - 2. Sucessão e aperfeiçoamento das raças. -
    3. Obstáculos à reprodução. - 4. Casamento e celibato. -
    5. Poligamia.
1. População do globo

686. É lei da Natureza a reprodução dos seres vivos?
Evidentemente. Sem a reprodução, o mundo corporal pereceria.”

687. Indo sempre a população na progressão crescente que vemos, chegará tempo em que seja excessiva na Terra?

Não, Deus a isso provê e mantém sempre o equilíbrio. Ele coisa alguma inútil faz.
O homem, que apenas vê um canto do quadro da Natureza, não pode julgar da harmonia do conjunto.”

2. Sucessão e aperfeiçoamento das raças

688. Há, neste momento, raças humanas que evidentemente decrescem. Virá momento em que terão desaparecido da Terra?

Assim acontecerá, de fato. É que outras lhes terão tomado o lugar, como outras um dia tomarão o da vossa.”

689. Os homens atuais formam uma criação nova, ou são descendentes
aperfeiçoados dos seres primitivos?

São os mesmos Espíritos que voltaram, para se aperfeiçoar em novos corpos, mas que ainda estão longe da perfeição. Assim, a atual raça humana, que, pelo seu crescimento, tende a invadir toda a Terra e a substituir as raças que se extinguem, terá sua fase de crescimento e de desaparição. Substituí-la-ão outras raças mais aperfeiçoadas, que descenderão da atual, como os homens civilizados de hoje descendem dos seres brutos e selvagens dos tempos primitivos.”

690. Do ponto de vista físico, são de criação especial os corpos da raça atual, ou procedem dos corpos primitivos, mediante reprodução?

A origem das raças se perde na noite dos tempos. Mas, como pertencem todas àgrande família humana, qualquer que tenha sido o tronco de cada uma, elas puderam aliarse entre si e produzir tipos novos.”

691. Qual, do ponto de vista físico, o caráter distintivo e dominante das raças primitivas?

Desenvolvimento da força bruta, à custa da força intelectual. Agora, dá-se o contrário: o homem faz mais pela inteligência do que pela força do corpo. Todavia, faz cem vezes mais, porque soube tirar proveito das forças da Natureza, o que não conseguem os animais.”


692. Será contrário à lei da Natureza o aperfeiçoamento das raças animais e vegetais pela Ciência? Seria mais conforme a essa lei deixar que as coisas seguissem seu curso normal?

Tudo se deve fazer para chegar à perfeição e o próprio homem é um instrumento deque Deus se serve para atingir Seus fins. Sendo a perfeição a meta para que tende a Natureza, favorecer essa perfeição é corresponder às vistas de Deus.”

a) - Mas, geralmente, os esforços que o homem emprega para conseguir a melhoria das raças nascem de um sentimento pessoal e não objetivam senão o acréscimo de seus gozos. Isto não lhe diminui o mérito?

Que importa seja nulo o seu merecimento, desde que o progresso se realize? Cabelhe tornar meritório, pela intenção, o seu trabalho. Demais, mediante esse trabalho, ele exercita e desenvolve a inteligência e sob este aspecto é que maior proveito tira.”

3. Obstáculos à reprodução

693. São contrários à lei da Natureza as leis e os costumes humanos que têm por fim ou por efeito criar obstáculos à reprodução?

Tudo o que embaraça a Natureza em sua marcha é contrário à lei geral.”
a) - Entretanto, há espécies de seres vivos, animais e plantas, cuja reprodução indefinida seria nociva a outras espécies e das quais o próprio homem acabaria por ser vítima. Pratica ele ato repreensível, impedindo essa reprodução?

Deus concedeu ao homem, sobre todos os seres vivos, um poder de que ele deve usar, sem abusar. Pode, pois, regular a reprodução, de acordo com as necessidades. A ação inteligente do homem é um contrapeso que Deus dispôs para restabelecer o equilíbrio entre as forças da Natureza e é ainda isso o que o distingue dos animais, porque ele obra com conhecimento de causa. Mas, os mesmos animais também concorrem para a existência desse equilíbrio, porquanto o instinto de destruição que lhes foi dado faz com que, provendo à própria conservação, obstem ao desenvolvimento excessivo, quiçá perigoso, das espécies animais e vegetais de que se alimentam.”
694. Que se deve pensar dos usos, cujo efeito consiste em obstar à reprodução, para satisfação da sensualidade?

Isso prova a predominância do corpo sobre a alma e quanto o homem é material.”

4. Casamento e celibato

695. Será contrário à lei da Natureza o casamento, isto é, a união permanente de dois seres?

É um progresso na marcha da Humanidade.”

696. Que efeito teria sobre a sociedade humana a abolição do casamento?
Seria uma regressão à vida dos animais.”

O estado de natureza é o da união livre e fortuita dos sexos. O casamento constitui um dos primeiros atos de progresso nas sociedades humanas, porque estabelece a solidariedade fraterna e se observa entre todos os povos, se bem que em condições diversas.

A abolição do casamento seria, pois, regredir à infância da Humanidade e colocaria o homem abaixo mesmo de certos animais que lhe dão o exemplo de uniões constantes.

697. Está na lei da Natureza, ou somente na lei humana, a indissolubilidade absoluta do casamento?

É uma lei humana muito contrária à da Natureza. Mas os homens podem modificar suas leis; só as da Natureza são imutáveis.”

698. O celibato voluntário representa um estado de perfeição meritório aos olhos de Deus?

Não, e os que assim vivem, por egoísmo, desagradam a Deus e enganam o mundo.”

699. Da parte de certas pessoas, o celibato não será um sacrifício que fazem com o fim de se votarem, de modo mais completo, ao serviço da Humanidade?

Isso é muito diferente. Eu disse: por egoísmo. Todo sacrifício pessoal é meritório, quando feito para o bem. Quanto maior o sacrifício, tanto maior o mérito.”

Não é possível que Deus se contradiga, nem que ache mau o que Ele próprio fez.

Nenhum mérito, portanto, pode haver na violação da Sua lei. Mas, se o celibato, em si mesmo, não é um estado meritório, outro tanto não se dá quando constitui, pela renúncia às alegrias da família, um sacrifício praticado em prol da Humanidade. Todo sacrifício pessoal, tendo em vista o bem e sem qualquer idéia egoísta, eleva o homem acima da sua condição material.

5. Poligamia

700. A igualdade numérica, que mais ou menos existe entre os sexos, constitui indício da proporção em que devam unir-se?

Sim, porquanto tudo, em a Natureza, tem um fim.”

701. Qual das duas, a poligamia ou a monogamia, é mais conforme à lei da Natureza?

A poligamia é lei humana cuja abolição marca um progresso social. O casamento, segundo as vistas de Deus, tem que se fundar na afeição dos seres que se unem. Na poligamia não há afeição real: há apenas sensualidade.”

Se a poligamia fosse conforme à lei da Natureza, devera ter possibilidade de tornarse universal, o que seria materialmente impossível, dada a igualdade numérica dos sexos.

Deve ser considerada como um uso ou legislação especial apropriada a certos costumes e que o aperfeiçoamento social fez que desaparecesse pouco a pouco.

CAPÍTULO V

DA LEI DE CONSERVAÇÃO

  1. Instinto de Conservação. - 2. Meios de conservação. - 3. Gozo dos bens terrenos. - 4. Necessário e supérfluo. - 5. Privações voluntárias. Mortificações.
1. Instinto de Conservação

702. É lei da Natureza o instinto de conservação?

Sem dúvida. Todos os seres vivos o possuem, qualquer que seja o grau de sua inteligência. Nuns, é puramente maquinal, raciocinado em outros.”

703. Com que fim outorgou Deus a todos os seres vivos o instinto de conservação?

Porque todos têm que concorrer para cumprimento dos desígnios da Providência.

Por isso foi que Deus lhes deu a necessidade de viver. Acresce que a vida é necessária ao aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem instintivamente, sem disso se aperceberem.”

2. Meios de conservação

704. Tendo dado ao homem a necessidade de viver, Deus lhe facultou, em todos os tempos, os meios de o conseguir?

Certo, e se ele os não encontra, é que não os compreende. Não fora possível que Deus criasse para o homem a necessidade de viver, sem lhe dar os meios de consegui-lo.
Essa a razão por que faz que a Terra produza de modo a proporcionar o necessário aos que a habitam, visto que só o necessário é útil. O supérfluo nunca o é.”

705. Por que nem sempre a terra produz bastante para fornecer ao homem o necessário?
É que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe. Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado da sua imperícia ou da sua imprevidência. A terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ela emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário. Olha o árabe no deserto.
Acha sempre de que viver, porque não cria para si necessidades factícias. Desde que haja desperdiçado a metade dos produtos em satisfazer a fantasias, que motivos tem o homem para se espantar de nada encontrar no dia seguinte e para se queixar de estar desprovido de tudo, quando chegam os dias de penúria? Em verdade vos digo, imprevidente não é a Natureza, é o homem, que não sabe regrar o seu viver.”

706. Por bens da Terra unicamente se devem entender os produtos do solo?

O solo é a fonte primacial donde dimanam todos os outros recursos, pois que, em definitiva, estes recursos são simples transformações dos produtos do solo. Por bens da Terra se deve, pois, entender tudo de que o homem pode gozar neste mundo.”

707. É freqüente a certos indivíduos faltarem os meios de subsistência, ainda quando os cerca a abundância. A que se deve atribuir isso?

Ao egoísmo dos homens, que nem sempre fazem o que lhes cumpre. Depois e as mais das vezes, devem-no a si mesmos. Buscai e achareis; estas palavras não querem dizer que, para achar o que deseje, basta que o homem olhe para a terra, mas que lhe é preciso procurá-lo, não com indolência, e sim com ardor e perseverança, sem desanimar ante os obstáculos, que muito amiúde são simples meios de que se utiliza a Providência, para lhe experimentar a constância, a paciência e a firmeza.”

Se é certo que a Civilização multiplica as necessidades, também o é que multiplica as fontes de trabalho e os meios de viver. Forçoso, porém, é convir em que, a tal respeito, muito ainda lhe resta fazer. quando ela houver concluído a sua obra, ninguém deverá haver que possa queixar-se de lhe faltar o necessário, a não ser por própria culpa. A desgraça, para muitos, provém de inveredarem por uma senda diversa da que a Natureza lhes traça. É então que lhes falece a inteligência para o bom êxito. Para todos há lugar ao Sol, mas com a condição de que cada um ocupe o seu e não o dos outros. A Natureza não pode ser responsável pelos defeitos da organização social, nem pelas conseqüências da ambição e do amor-próprio.
Fora preciso, entretanto, ser-se cego, para se não reconhecer o progresso que, por esse lado, têm feito os povos mais adiantados. Graças aos louváveis esforços que, juntas, a Filantropia e a Ciência não cessam de despender para melhorar a condição material dos homens e mau grado ao crescimento incessante das populações, a insuficiência da produção se acha atenuada, pelo menos em grande parte, e os anos mais calamitosos do presente não se podem de modo algum comparar aos de outrora. A higiene pública, elemento tão essencial da força e da saúde, a higiene pública, que nossos pais não conheceram, é objeto de esclarecida solicitude. O infortúnio e o sofrimento encontram onde se refugiem. Por toda parte a Ciência contribui para acrescer o bem-estar. Poder-se-á dizer que já se haja chegado à perfeição? Oh! Não, certamente; mas, o que já se fez deixa prever o que, com perseverança, se logrará conseguir, se o homem se mostrar bastante avisado para procurar a sua felicidade nas coisas positivas e sérias e não em utopias que o levam a recuar em vez de fazê-lo avançar.

708. Não há situações em as quais os meios de subsistência de maneira alguma dependem da vontade do homem, sendo-lhe a privação do de que mais imperiosamente necessita uma conseqüência da força mesma das coisas?

É isso uma prova, muitas vezes cruel, que lhe compete sofrer e à qual sabia ele de antemão que viria a estar exposto. Seu mérito então consiste em submeter-se à vontade de Deus, desde que a sua inteligência nenhum meio lhe faculta de sair da dificuldade. Se a morte vier colhê-lo, cumpre-lhe recebê-la sem murmurar, ponderando que a hora da verdadeira libertação soou e que o desespero no derradeiro momento pode ocasionar-lhe a perda do fruto de toda a sua resignação. ”

709. Terão cometido crime os que, em certas situações críticas, se viram na contingência de sacrificar seus semelhantes, para matar a fome? Se houve crime, não teve este a atenuá-lo a necessidade de viver, que resulta do instinto de conservação?

Já respondi, quando disse que há mais merecimento em sofrer todas as provações da vida com coragem e abnegação. Em tal caso, há homicídio e crime de lesa-natureza, falta que é duplamente punida.”

710. Nos mundos de mais apurada organização, têm os seres vivos necessidade de alimentar-se?

Têm, mas seus alimentos estão em relação com a sua natureza. Tais alimentos não seriam bastante substanciosos para os vossos estômagos grosseiros; assim como os deles não poderiam digerir os vossos alimentos.”

3. Gozo dos bens terrenos

711. O uso dos bens da Terra é um direito de todos os homens?
Esse direito é conseqüente da necessidade de viver. Deus não imporia um dever sem dar ao homem o meio de cumpri-lo.”

712. Com que fim pôs Deus atrativos no gozo dos bens materiais?

Para instigar o homem ao cumprimento da sua missão e para experimentá-lo por meio da tentação.”

a) - Qual o objetivo dessa tentação?

Desenvolver-lhe a razão, que deve preservá-lo dos excessos.”
Se o homem só fosse instigado a usar dos bens terrenos pela utilidade que têm, sua indiferença houvera talvez comprometido a harmonia do Universo. Deus imprimiu a esse uso o atrativo do prazer, porque assim é o homem impelido ao cumprimento dos desígnios providenciais. Mas, além disso, dando àquele uso esse atrativo, quis Deus também experimentar o homem por meio da tentação, que o arrasta para o abuso, de que deve a razão defendê-lo.

713. Traçou a Natureza limites aos gozos?

Traçou, para vos indicar o limite do necessário. Mas, pelos vossos excessos, chegais à saciedade e vos punis a vós mesmos.”

714. Que se deve pensar do homem que procura nos excessos de todo gênero o requinte dos gozos?

Pobre criatura! Mais digna é de lástima que de inveja, pois bem perto está da morte!”

a) - Perto da morte física, ou da morte moral?

De ambas.”

O homem, que procura nos excessos de todo gênero o requinte do gozo, coloca-se abaixo do bruto, pois que este sabe deter-se, quando satisfeita a sua necessidade, Abdica da razão que Deus lhe deu por guia e quanto maiores forem seus excessos, tanto maior preponderância confere ele à sua natureza animal sobre a sua natureza espiritual. As doenças, são, ao mesmo tempo, o castigo à transgressão da lei de Deus.

                    4. Necessário e supérfluo

715. Como pode o homem conhecer o limite do necessário?

Aquele que é ponderado o conhece por intuição. Muitos só chegam a conhecê-lo por experiência e à sua própria custa.”

716. Mediante a organização que nos deu, não traçou a Natureza o limite das nossas necessidades?

Sem dúvida, mas o homem é insaciável. Por meio da organização que lhe deu, a Natureza lhe traçou o limite das necessidades; porém, os vícios lhe alteraram a constituição e lhe criaram necessidades que não são reais.”

717. Que se há de pensar dos que açambarcam os bens da Terra para se
proporcionarem o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário?

Olvidam a lei de Deus e terão que responder pela privações que houverem causado aos outros.”
Nada tem de absoluto o limite entre o necessário e o supérfluo. A Civilização criou necessidades que o selvagem desconhece e os Espíritos que ditaram os preceitos acima não pretendem que o homem civilizado deva viver como o selvagem. Tudo é relativo, cabendo à razão regrar as coisas. A Civilização desenvolve o senso moral e, ao mesmo tempo, o sentimento de caridade, que leva os homens a se prestarem mútuo apoio. Os que vivem à custa das privações dos outros exploram, em seu proveito, os benefícios da Civilização.
Desta têm apenas o verniz, como muitos há que da religião só têm a máscara.

5. Privações voluntárias. Mortificações

718. A lei de conservação obriga o homem a prover às necessidades do corpo?

Sim, porque, sem força e saúde, impossível é o trabalho.”

719. Merece censura o homem, por procurar o bem-estar?

É natural o desejo do bem-estar. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação. Ele não condena a procura do bem-estar, desde que não seja conseguido à custa de outrem e não venha a diminuir-vos nem as forças físicas, nem as forças morais.”

720. São meritórias aos olhos de Deus as privações voluntárias, com o objetivo de uma expiação igualmente voluntária?

Fazei o bem aos vossos semelhantes e mais mérito tereis.”

a) - Haverá privações voluntárias que sejam meritórias?

Há: a privação dos gozos inúteis, porque desprende da matéria o homem e lhe eleva a alma. Meritório é resistir à tentação que arrasta ao excesso ou ao gozo das coisas inúteis; é o homem tirar do que lhe é necessário para dar aos que carecem do bastante. Se a privação não passar de simulacro, será uma irrisão.”

721. É meritória, de qualquer ponto de vista, a vida de mortificações ascéticas que desde a mais remota antigüidade teve praticantes no seio de diversos povos?

Procurai saber a quem ela aproveita e tereis a resposta. Se somente serve para quem a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo, seja qual for o pretexto com que entendam de colori-la. Privar-se a si mesmo e trabalhar para os outros, tal a verdadeira mortificação, segundo a caridade cristã.”

722. Será racional a abstenção de certos alimentos, prescrita a diversos povos?

Permitido é ao homem alimentar-se de tudo o que lhe não prejudique a saúde.
Alguns legisladores, porém, com um fim útil, entenderam de interdizer o uso de certos alimentos e, para maior autoridade imprimirem às suas leis, apresentaram-nas como emanadas de Deus.”

723. A alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza?

Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização.”

724. Será meritório abster-se o homem da alimentação animal, ou de outra qualquer, por expiação?
Sim, se praticar essa privação em benefício dos outros. Aos olhos de Deus, porém, só há mortificação, havendo privação séria e útil. Por isso é que qualificamos de hipócritas os que apenas aparentemente se privam de alguma coisa.”

725. Que se deve pensar das mutilações operadas no corpo do homem ou dos animais?

A que propósito, semelhante questão? Ainda uma vez: inquiri sempre vós mesmos se é útil aquilo de que porventura se trate. A Deus não pode agradar o que seja inútil e o que for nocivo Lhe será sempre desagradável. Porque, ficai sabendo, Deus só é sensível aos sentimentos que elevam para Ele a alma. Obedecendo-Lhe à lei e não a violando é que podereis forrar-vos ao jugo da vossa matéria terrestre.”

726. Visto que os sofrimentos deste mundo nos elevam, se os suportarmos
devidamente, dar-se-á que também nos elevam os que nós mesmos nos criamos?

Os sofrimentos naturais são os únicos que elevam, porque vêm de Deus. Os sofrimentos voluntários de nada servem, quando não concorrem para o bem de outrem.
Supões que se adiantam no caminho do progresso os que abreviam a vida, mediante rigores sobre-humanos, como o fazem os bonzos, os faquires e alguns fanáticos de muitas seitas?

Por que de preferência não trabalham pelo bem de seus semelhantes? Vistam o indigente; consolem o que chora; trabalhem pelo que está enfermo; sofram privações para alívio dos infelizes e então suas vidas serão úteis e, portanto, agradáveis a Deus. Sofrer alguém voluntariamente, apenas por seu próprio bem, é egoísmo; sofrer pelos outros é caridade: tais os preceitos do Cristo.”

727. Uma vez que não devemos criar sofrimentos voluntários, que nenhuma utilidade tenham para outrem, deveremos cuidar de preservar-nos dos que prevejamos ou nos ameacem?

Contra os perigos e os sofrimentos é que o instinto de conservação foi dado a todos os seres. Fustigai o vosso espírito e não o vosso corpo, mortificai o vosso orgulho, sufocai o vosso egoísmo, que se assemelha a uma serpente a vos roer o coração, e fareis muito mais pelo vosso adiantamento do que infligindo-vos rigores que já não são deste século.”

CAPÍTULO VI

DA LEI DE DESTRUIÇÃO

1. Destruição necessária e destruição abusiva. - 2. Flagelos destruidores. - 3. Guerras. - 4. Assassínio. - 5. Crueldade. - 6. Duelo. - 7. Pena de morte.

1. Destruição necessária e destruição abusiva

728. É lei da Natureza a destruição?
Preciso é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos.”

a) - O instinto de destruição teria sido dado aos seres vivos por desígnios
providencias?

As criaturas são instrumentos de que Deus se serve para chegar aos fins que objetiva. Para se alimentarem, os seres vivos reciprocamente se destroem, destruição esta que obedece a um duplo fim: manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornarse excessiva, e utilização dos despojos do invólucro exterior que sofre a destruição. Esse invólucro é simples acessório e não a parte essencial do ser pensante. A parte essencial é o princípio inteligente, que não se pode destruir e se elabora nas metamorfoses diversas por que passa.”

729. Se a regeneração dos seres faz necessária a destruição, por que os cerca a Natureza de meios de preservação e conservação?

A fim de que a destruição não se dê antes de tempo. Toda destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do princípio inteligente. Por isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse a necessidade de viver e de se reproduzir.”

730. Uma vez que a morte nos faz passar a uma vida melhor, nos livra dos males desta, sendo, pois, mais de desejar do que de temer, por que lhe tem o homem, instintivamente, tal horror, que ela lhe é sempre motivo de apreensão?

Já dissemos que o homem deve procurar prolongar a vida, para cumprir a sua tarefa. Tal o motivo por que Deus lhe deu o instinto de conservação, instinto que o sustenta nas provas. A não ser assim, ele muito freqüentemente se entregaria ao desânimo. A voz íntima, que o induz a repelir a morte, lhe diz que ainda pode realizar alguma coisa pelo seu progresso. A ameaça de um perigo constitui aviso, para que se aproveite da dilação que Deus lhe concede. Mas, ingrato, o homem rende graças mais vezes à sua estrela do que ao seu Criador.”

731. Por que, ao lado dos meios de conservação, colocou a Natureza os agentes de destruição?

É o remédio ao lado do mal. Já dissemos: para manter o equilíbrio e servir de contrapeso.”

732. Será idêntica, em todos os mundos, a necessidade de destruição?

Guarda proporções com o estado mais ou menos material dos mundos. Cessa, quando o físico e o moral se acham mais depurados. Muito diversas são as condições de existência nos mundos mais adiantados do que o vosso.”

733. Entre os homens da Terra existirá sempre a necessidade da destruição?

Essa necessidade se enfraquece no homem, à medida que o Espírito sobrepuja a matéria. Assim é que, como podeis observar, o horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral.”

734. Em seu estado atual, tem o homem direito ilimitado de destruição sobre os animais?

Tal direito se acha regulado pela necessidade, que ele tem, de prover ao seu sustento e à sua segurança. O abuso jamais constitui direito.”

735. Que se deve pensar da destruição, quando ultrapassa os limites que as necessidades e a segurança traçam? Da caça, por exemplo, quando não objetiva senão o prazer de destruir sem utilidade?

Predominância da bestialidade sobre a natureza espiritual. Toda destruição que excede os limites da necessidade é uma violação da lei de Deus. Os animais só destroem para satisfação de suas necessidades; enquanto que o homem, dotado de livre-arbítrio, destrói sem necessidade. Terá que prestar contas do abuso da liberdade que lhe foi concedida, pois isso significa que cede aos maus instintos.”

736. Especial merecimento terão os povos que levam ao excesso o escrúpulo, quanto à destruição dos animais?

Esse excesso, no tocante a um sentimento louvável em si mesmo, se torna abusivo e o seu merecimento fica neutralizado por abusos de muitas outras espécies. Entre tais povos, há mais temor supersticioso do que verdadeira bondade.”

2. Flagelos destruidores

737. Com que fim fere Deus a Humanidade por meio de flagelos destruidores?

Para fazê-la progredir mais depressa. Já não dissemos ser a destruição uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos, que, em cada nova existência, sobem um degrau na escala do aperfeiçoamento? Preciso
é que se veja o objetivo, para que os resultados possam ser apreciados. Somente do vosso ponto de vista pessoal os apreciais; daí vem que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo que vos causam. Essas subversões, porém, são freqüentemente necessárias para que mais pronto se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para que se realize em alguns anos o que teria exigido muitos séculos.”

738. Para conseguir a melhora da Humanidade, não podia Deus empregar outros meios que não os flagelos destruidores?

Pode e os emprega todos os dias, pois que deu a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do mal. O homem, porém, não se aproveita desses meios.
Necessário, portanto, se torna que seja castigado no seu orgulho e que se lhe faça sentir a sua fraqueza.”

a) - Mas, nesses flagelos, tanto sucumbe o homem de bem como o perverso. Será justo isso?

Durante a vida, o homem tudo refere ao seu corpo; entretanto, de maneira diversa pensa depois da morte. Ora, conforme temos dito, a vida do corpo bem pouca coisa é. Um século no vosso mundo não passa de um relâmpago na eternidade. Logo, nada são os sofrimentos de alguns dias ou de alguns meses, de que tanto vos queixais. Representam um ensino que se vos dá e que vos servirá no futuro. Os Espíritos, que preexistem e sobrevivem a tudo, formam o mundo real. Esses os filhos de Deus e o objeto de toda a Sua solicitude. Os corpos são meros disfarces com que eles aparecem no mundo. Por ocasião das grandes calamidades que dizimam os homens, o espetáculo é semelhante ao de um exército cujos soldados, durante a guerra, ficassem com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general se preocupa mais com seus soldados do que com os uniformes deles.”

b) - Mas, nem por isso as vítimas desses flagelos deixam de o ser.

Se considerásseis a vida qual ela é e quão pouca coisa representa com relação ao infinito, menos importância lhe daríeis. Em outra vida, essas vítimas acharão ampla compensação aos seus sofrimentos, se souberem suportá-los sem murmurar.”
Venha por um flagelo a morte, ou por uma causa comum, ninguém deixa por isso de morrer, desde que haja soado a hora da partida. A única diferença, em caso de flagelo, é que maior número parte ao mesmo tempo.
Se, pelo pensamento, pudéssemos elevar-nos de maneira a dominar a Humanidade e abrangê-la em seu conjunto, esses tão terríveis flagelos não nos pareceriam mais do que passageiras tempestades no destino do mundo.

739. Têm os flagelos destruidores utilidade, do ponto de vista físico, não obstante os males que ocasionam?

Têm. Muitas vezes mudam as condições de uma região. Mas, o bem que deles resulta só as gerações vindouras o experimentam.”

740. Não serão os flagelos, igualmente, provas morais para o homem, por poremno a braços com as mais aflitivas necessidades?

Os flagelos são provas que dão ao homem ocasião de exercitar a sua inteligência, de demonstrar sua paciência e resignação ante a vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se o não domina o egoísmo.”

741. Dado é ao homem conjurar os flagelos que o afligem?

Em parte, é; não, porém, como geralmente o entendem. Muitos flagelos resultam da imprevidência do homem. À medida que adquire conhecimentos e experiência, ele os vai podendo conjurar, isto é, prevenir, se lhes sabe pesquisar as causas. Contudo, entre os males que afligem a Humanidade, alguns há de caráter geral, que estão nos decretos da Providência e dos quais cada indivíduo recebe, mais ou menos, o contragolpe. A esses nada pode o homem opor, a não ser sua submissão à vontade de Deus. Esses mesmos males, entretanto, ele muitas vezes os agrava pela sua negligência.”
Na primeira linha dos flagelos destruidores, naturais e independentes do homem, devem ser colocados a peste, a fome, as inundações, as intempéries fatais às produções da terra. Não tem, porém, o homem encontrado na Ciência, nas obras de arte, no aperfeiçoamento da agricultura, nos afolhamentos e nas irrigações, no estudo das condições higiênicas, meios de impedir, ou, quando menos, de atenuar muitos desastres? Certas regiões, outrora assoladas por terríveis flagelos, não estão hoje preservadas deles? Que não fará, portanto, o homem pelo seu bem-estar material, quando souber aproveitar-se de todos os recursos da sua inteligência e quando aos cuidados da sua conservação pessoal, souber
aliar o sentimento de verdadeira caridade para com os seus semelhantes? (

3. Guerras

742. Que é que impele o homem à guerra?

Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem - o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos freqüente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com
humanidade, quando a sente necessária.”

743. Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?

Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.”

744. Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?

A liberdade e o progresso.”

a) - Desde que a guerra deve ter por efeito produzir o advento da liberdade, como pode freqüentemente ter por objetivo e resultado a escravização?

Escravização temporária, para esmagar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.”

745. Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu?

Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição.”

4. Assassínio

746. É crime aos olhos de Deus o assassínio?

Grande crime, pois que aquele que tira a vida ao seu semelhante corta o fio de uma existência de expiação ou de missão. Aí é que está o mal.”

747. É sempre do mesmo grau a culpabilidade em todos os casos de assassínio?

Já o temos dito: Deus é justo, julga mais pela intenção do que pelo fato.”

748. Em caso de legítima defesa, escusa Deus o assassínio?

Só a necessidade o pode escusar. Mas, desde que o agredido possa preservar sua vida, sem atentar contra a de seu agressor, deve fazê-lo.”

749. Tem o homem culpa dos assassínios que pratica durante a guerra?

Não, quando constrangido pela força; mas é culpado das crueldades que cometa, sendo-lhe também levado em conta o sentimento de humanidade com que proceda.”

750. Qual o mais condenável aos olhos de Deus, o parricídio ou o infanticídio?

Ambos o são igualmente, porque todo crime é um crime.”

751. Como se explica que entre alguns povos, já adiantados sob o ponto de vista intelectual, o infanticídio seja um costume e esteja consagrado pela legislação?

O desenvolvimento intelectual não implica a necessidade do bem. Um Espírito, superior em inteligência, pode ser mau. Isso se dá com aquele que muito tem vivido sem se melhorar: apenas sabe.”

5. Crueldade

752. Poder-se-á ligar o sentimento de crueldade ao instinto de destruição?

É o instinto de destruição no que tem de pior, porquanto, se, algumas vezes, a destruição constitui uma necessidade, com a crueldade jamais se dá o mesmo. Ela resulta sempre de uma natureza má.”

753. Por que razão a crueldade forma o caráter predominante dos povos
primitivos?

Nos povos primitivos, como lhes chamas, a matéria prepondera sobre o Espírito.
Eles se entregam aos instintos do bruto e, como não experimentam outras necessidades além das da vida do corpo, só da conservação pessoal cogitam e é o que os torna, em geral, cruéis. Demais, os povos de imperfeito desenvolvimento se conservam sob o império de Espíritos também imperfeitos, que lhes são simpáticos, até que povos mais adiantados venham destruir ou enfraquecer essa influência.”

754. A crueldade não derivará da carência de senso moral?

Dize - da falta de desenvolvimento do senso moral; não digas da carência,
porquanto o senso moral existe, como princípio, em todos os homens. É esse senso moral que dos seres cruéis fará mais tarde seres bons e humanos. Ele, pois, existe no selvagem, mas como o princípio do perfume no gérmen da flor que ainda não desabrochou.”
Em estado rudimentar ou latente, todas as faculdades existem no homem.
Desenvolvem-se, conforme lhes sejam mais ou menos favoráveis as circunstâncias. O desenvolvimento excessivo de uma detém ou neutraliza o das outras. A sobreexcitação dos instintos materiais abafa, por assim dizer, o senso moral, como o desenvolvimento do senso moral enfraquece pouco a pouco as faculdades puramente animais.

755. Como pode dar-se que, no seio da mais adiantada civilização, se encontrem seres às vezes cruéis quanto os selvagens?

Do mesmo modo que numa árvore carregada de bons frutos se encontram
verdadeiros abortos. São, se quiseres, selvagens que da civilização só têm o exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros. Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem encarnar entre homens adiantados, na esperança de também se adiantarem, Mas, desde que a prova é por demais pesada, predomina a natureza primitiva.”

756. A sociedade dos homens de bem se verá algum dia expurgada dos seres malfazejos?

A Humanidade progride. Esses homens, em quem o instinto do mal domina e que se acham deslocados entre pessoas de bem, desaparecerão gradualmente, como o mau grão se separa do bom, quando este é joeirado. Mas, desaparecerão para renascer sob outros invólucros. Como então terão mais experiência, compreenderão melhor o bem e o mal.
Tens disso um exemplo nas plantas e nos animais que o homem há conseguido aperfeiçoar, desenvolvendo neles qualidades novas. Pois bem, só ao cabo de muitas gerações o desenvolvimento se torna completo. É a imagem das diversas existências do homem.”

6. Duelo

757. Pode-se considerar o duelo como um caso de legítima defesa?

Não; é um assassínio e um costume absurdo, digno dos bárbaros. Com uma civilização mais adiantada e mais moral, o homem compreenderá que o duelo é tão ridículo quanto os combates que outrora se consideravam como o juízo de Deus.”

758. Poder-se-á considerar o duelo como um assassínio por parte daquele que, conhecendo a sua própria fraqueza, tem a quase certeza de que sucumbirá?

É um suicídio.”

a) - E quando as probabilidades são as mesmas para ambos os duelistas, haverá assassínio ou suicídio?

Um e outro.”

Em todos os casos, mesmo quando as probabilidades são idênticas para ambos os combatentes, o duelista incorre em culpa, primeiro, porque atenta friamente e de propósito deliberado contra a vida de seu semelhante; depois, porque expõe inutilmente a sua própria vida, sem proveito para ninguém.”

759. Que valor tem o que se chama ponto de honra, em matéria de duelo?

Orgulho e vaidade: dupla chaga da Humanidade.”

a) - Mas, não há casos em que a honra se acha verdadeiramente empenhada e em que uma recusa fora covardia?

Isso depende dos usos e costumes. Cada país e cada século tem a esse respeito um modo de ver diferente. Quando os homens forem melhores e estiverem mais adiantados em moral, compreenderão que o verdadeiro ponto de honra está acima das paixões terrenas e que não é matando, nem se deixando matar, que repararão agravos.”

Há mais grandeza e verdadeira honra em confessar-se culpado o homem, se cometeu falta, ou em perdoar, se de seu lado esteja a razão, e, qualquer que seja o caso, em desprezar os insultos, que o não podem atingir.

7. Pena de morte

760. Desaparecerá algum dia, da legislação humana, a pena de morte?

Incontestavelmente desaparecerá e a sua supressão assinalará um progresso da Humanidade. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida na Terra. Não mais precisarão os homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me a uma época ainda muito distante de vós.”

Sem dúvida, o progresso social ainda muito deixa a desejar. Mas, seria injusto para com a sociedade moderna quem não visse um progresso nas restrições postas à pena de morte, no seio dos povos mais adiantados, e à natureza dos crimes a que a sua aplicação se acha limitada. Se compararmos as garantias de que, entre esses mesmos povos, a justiça procura cercar o acusado, a humanidade de que usa para com ele, mesmo quando o reconhece culpado, com o que se praticava em tempos que ainda não vão muito longe, não poderemos negar o avanço do gênero humano na senda do progresso.

761. A lei de conservação dá ao homem o direito de preservar sua vida. Não usará ele desse direito, quando elimina da sociedade um membro perigoso?

Há outros meios de ele se preservar do perigo, que não matando. Demais, é preciso abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento.”

762. A pena de morte, que pode vir a ser banida das sociedades civilizadas, não terá sido de necessidade em épocas menos adiantadas?
Necessidade não é o termo. O homem julga necessária uma coisa, sempre que não descobre outra melhor. À proporção que se instrui, vai compreendendo melhormente o que é justo e o que é injusto e repudia os excessos cometidos, nos tempos de ignorância, em nome da justiça.”

763. Será um indício de progresso da civilização a restrição dos casos em que se aplica a pena de morte?

Podes duvidar disso? Não se revolta o teu Espírito, quando lês a narrativa das carnificinas humanas que outrora se faziam em nome da justiça e, não raro, em honra da Divindade; das torturas que se infligiam ao condenado e até ao simples acusado, para lhe arrancar, pela agudeza do sofrimento, a confissão de um crime que muitas vezes não cometera? Pois bem! Se houvesses vivido nessas épocas, terias achado tudo isso natural e talvez mesmo, se foras juiz, fizesses outro tanto. Assim é que o que pareceu justo, numa época, parece bárbaro em outra. Só as leis divinas são eternas; as humanas mudam com o progresso e continuarão a mudar, até que tenham sido postas de acordo com aquelas.”

764. Disse Jesus: Quem matou com a espada, pela espada perecerá. Estas palavras não consagram a pena de talião e, assim a morte dada ao assassino não constitui uma aplicação dessa pena?

Tomai cuidado! Muito vos tendes enganado a respeito dessas palavras, como acerca de outras. A pena de talião é a justiça de Deus. É Deus quem a aplica. Todos vós sofreis essa pena a cada instante, pois que sois punidos naquilo em que haveis pecado, nesta existência ou em outra. Aquele que foi causa do sofrimento para seus semelhantes virá a achar-se numa condição em que sofrerá o que tenha feito sofrer. Este o sentido das palavras de Jesus. Mas, não vos disse ele também: Perdoai aos vossos inimigos? E não vos ensinou a pedir a Deus que vos perdoe as ofensas como houverdes vós mesmos perdoado, isto é, na mesma proporção em que houverdes perdoado, compreendei-o bem?”

765. Que se deve pensar da pena de morte imposta em nome de Deus?

É tomar o homem o lugar de Deus na distribuição da justiça. Os que assim procedem mostram quão longe estão de compreender Deus e que muito ainda têm que expiar. A pena de morte é um crime, quando aplicada em nome de Deus, e os que a impõem se sobrecarregam de outros tantos assassínios.”

CAPÍTULO VII

DA LEI DE SOCIEDADE

  1. Necessidade da vida social. - 2. Vida de insulamento. Voto de silêncio. - 3. Laços de família.
1. Necessidade da vida social

766. A vida social está em a Natureza?

Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação.”

767. É contrário à lei da Natureza o insulamento absoluto?

Sem dúvida, pois que por instinto os homens buscam a sociedade e todos devem concorrer para o progresso, auxiliando-se mutuamente.”

768. Procurando a sociedade, não fará o homem mais do que obedecer a um sentimento pessoal, ou há nesse sentimento algum providencial objetivo de ordem mais geral?

O homem tem que progredir. Insulado, não lhe é isso possível, por não dispor de todas as faculdades. Falta-lhe o contacto com os outros homens. No insulamento, ele se embrutece e estiola.”

Homem nenhum possui faculdades completas. Mediante a união social é que elas umas às outras se completam, para lhe assegurarem o bem-estar e o progresso. Por isso é que, precisando uns dos outros, os homens foram feitos para viver em sociedade e não insulados.

2. Vida de insulamento. Voto de silêncio

769. Concebe-se que, como princípio geral, a vida social esteja na Natureza. Mas, uma vez que também todos os gostos estão na Natureza, por que será condenável o do insulamento absoluto, desde que cause satisfação ao homem?

Satisfação egoísta. Também há homens que experimentam satisfação na
embriaguez. Merece-te isso aprovação? Não pode agradar a Deus uma vida pela qual o homem se condena a não ser útil a ninguém.”

770. Que se deve pensar dos que vivem em absoluta reclusão, fugindo ao pernicioso contacto do mundo?

Duplo egoísmo.”

a) - Mas, não será meritório esse retraimento se tiver por fim uma expiação,impondo-se aquele que o busca uma privação penosa?
Fazer maior soma de bem do que de mal constitui a melhor expiação. Evitando um mal, aquele que por tal motivo se insula cai noutro, pois esquece a lei de amor e de caridade.”

771. Que pensar dos que fogem do mundo para se votarem ao mister de socorrer os desgraçados?

Esses se elevam, rebaixando-se. Têm o duplo mérito de se colocarem acima dos gozos materiais e de fazerem o bem, obedecendo à lei do trabalho.”

a) - E dos que buscam no retiro a tranqüilidade que certos trabalhos reclamam?

Isso não é retraimento absoluto do egoísta. Esses não se insulam da sociedade, porquanto para ela trabalham.”

772. Que pensar do voto de silêncio prescrito por algumas seitas, desde a mais remota antigüidade?

Perguntai, antes, a vós mesmos se a palavra é faculdade natural e por que Deus a concedeu ao homem. Deus condena o abuso e não o uso das faculdades que lhe outorgou.
Entretanto, o silêncio é útil, pois no silêncio pões em prática o recolhimento; teu espírito se torna mais livre e pode entrar em comunicação conosco. Mas o voto de silêncio é uma tolice. Sem dúvida obedecem a boa intenção os que consideram essas privações como atos de virtude. Enganam-se, no entanto, porque não compreendem suficientemente as verdadeiras leis de Deus.”

O voto de silêncio absoluto, do mesmo modo que o voto de insulamento, priva o homem das relações sociais que lhe podem facultar ocasiões de fazer o bem e de cumprir a lei do progresso.

3.Laços de família

773. Por que é que, entre os animais, os pais e os filhos deixam de reconhecer-se, desde que estes não mais precisam de cuidados?

Os animais vivem vida material e não vida moral. A ternura da mãe pelos filhos tem por princípio o instinto de conservação dos seres que ela deu à luz. Logo que esses seres podem cuidar de si mesmos, está ela com a sua tarefa concluída; nada mais lhe exige a Natureza. Por isso é que os abandona, a fim de se ocupar com os recém-vindos.”

774. Há pessoas que, do fato de os animais ao cabo de certo tempo abandonarem suas crias, deduzem não serem os laços de família, entre os homens, mais do que resultado dos costumes sociais e não efeito de uma lei da Natureza. Que devemos pensar a esse respeito?

Diverso do dos animais é o destino do homem. Por que, então, quererem identificálo com estes? Há no homem alguma coisa mais, além das necessidades físicas: há a necessidade de progredir. Os laços sociais são necessários ao progresso e os de família mais apertados tornam os primeiros. Eis por que os segundos constituem uma lei da Natureza. Quis Deus que, por essa forma, os homens aprendessem a amar-se como irmãos.”

775. Qual seria, para a sociedade, o resultado do relaxamento dos laços de família?

Uma recrudescência do egoísmo.”


CAPÍTULO VI

DA LEI DO PROGRESSO

  1. Estado de natureza. - 2. Marcha do progresso. - 3. Povos degenerados. - 4. Civilização. - 5. Progresso da legislação humana. - 6. Influência do Espiritismo no progresso.
1. Estado da natureza

776. Serão coisas idênticas o estado de natureza e a lei natural?

Não, o estado de natureza é o estado primitivo. A civilização é incompatível com o estado de natureza, ao passo que a lei natural contribui para o progresso da Humanidade.”
O estado de natureza é a infância da Humanidade e o ponto de partida do seu desenvolvimento intelectual e moral. Sendo perfectível e trazendo em si o gérmen do seu aperfeiçoamento, o homem não foi destinado a viver perpetuamente no estado de natureza, como não o foi a viver eternamente na infância. Aquele estado é transitório para o homem, que dele sai por virtude do progresso e da civilização. A lei natural, ao contrário, rege a Humanidade inteira e o homem se melhora à medida que melhor a compreende e pratica.

777. Tendo o homem, no estado de natureza, menos necessidades, isento se acha das tribulações que para si mesmo cria, quando num estado de maior adiantamento.
Diante disso, que se deve pensar da opinião dos que consideram aquele estado como o da mais perfeita felicidade na Terra?

Que queres! É a felicidade do bruto. Há pessoas que não compreendem outra. É ser feliz à maneira dos animais. As crianças também são mais felizes do que os homens feitos.”

778. Pode o homem retrogradar para o estado de natureza?

Não, o homem tem que progredir incessantemente e não pode volver ao estado de infância. Desde que progride, é porque Deus assim o quer. Pensar que possa retrogradar à sua primitiva condição fora negar a lei do progresso.”

2. Marcha do progresso

779. A força para progredir, haure-a o homem em si mesmo, ou o progresso é apenas fruto de um ensinamento?

O homem se desenvolve por si mesmo, naturalmente. Mas, nem todos progridem simultaneamente e do mesmo modo. Dá-se então que os mais adiantados auxiliam o progresso dos outros, por meio do contacto social.”

780. O progresso moral acompanha sempre o progresso intelectual?

Decorre deste, mas nem sempre o segue imediatamente.” (192-365)
a) - Como pode o progresso intelectual engendrar o progresso moral?

Fazendo compreensíveis o bem e o mal. O homem, desde então, pode escolher. O desenvolvimento do livre-arbítrio acompanha o da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos.”

b) - Como é, nesse caso, que, muitas vezes, sucede serem os povos mais instruídos os mais pervertidos também?

O progresso completo constitui o objetivo. Os povos, porém, como os indivíduos, só passo a passo o atingem. Enquanto não se lhes haja desenvolvido o senso moral, pode mesmo acontecer que se sirvam da inteligência para a prática do mal. O moral e a inteligência são duas forças que só com o tempo chegam a equilibrar-se.”

781. Tem o homem o poder de paralisar a marcha do progresso?

Não, mas tem, às vezes, o de embaraçá-la.”

a) - Que se deve pensar dos que tentam deter a marcha do progresso e fazer que a Humanidade retrograde?

Pobres seres, que Deus castigará! Serão levados de roldão pela torrente que procuram deter.”
Sendo o progresso uma condição da natureza humana, não está no poder do homem opor-se-lhe. É uma força viva, cuja ação pode ser retardada, porém não anulada, por leis humanas más. Quando estas se tornam incompatíveis com ele, despedaça-as juntamente com os que se esforcem por mantê-las. Assim será, até que o homem tenha posto suas leis em concordância com a justiça divina, que quer que todos participem do bem e não a vigência de leis feitas pelo forte em detrimento do fraco.

782. Não há homens que de boa-fé obstam ao progresso, acreditando favorecê-lo, porque, do ponto de vista em que se colocam, o vêem onde ele não existe?

Assemelham-se a pequeninas pedras que, colocadas debaixo da roda de uma grande viatura, não a impedem de avançar.”

783. Segue sempre marcha progressiva e lenta o aperfeiçoamento da Humanidade?

Há o progresso regular e lento, que resulta da força das coisas. Quando, porém, um povo não progride tão depressa quanto devera, Deus o sujeita, de tempos a tempos, a um abalo físico ou moral que o transforma.”

O homem não pode conservar-se indefinidamente na ignorância, porque tem de atingir a finalidade que a Providência lhe assinou. Ele se instrui pela força das coisas. As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram nas idéias pouco a pouco; germinam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de estar em harmonia com as necessidades
novas e com as novas aspirações.
Nessas comoções, o homem quase nunca percebe senão a desordem e a confusão momentâneas que o ferem nos seus interesses materiais. Aquele, porém, que eleva o pensamento acima da sua própria personalidade, admira os desígnios da Providência, que do mal faz sair o bem. São a procela, a tempestade que saneiam a atmosfera, depois de a terem agitado violentamente.

784. Bastante grande é a perversidade do homem. Não parece que, pelo menos do ponto de vista moral, ele, em vez de avançar, caminha aos recuos?

Enganas-te. Observa bem o conjunto e verás que o homem se adianta, pois que melhor compreende o que é mal, e vai dia a dia reprimindo os abusos. Faz-se mister que o mal chegue ao excesso, para tornar compreensível a necessidade do bem e das reformas.”

785. Qual o maior obstáculo ao progresso?

O orgulho e o egoísmo. Refiro-me ao progresso moral, porquanto o intelectual se efetua sempre. À primeira vista, parece mesmo que o progresso intelectual reduplica a atividade daqueles vícios, desenvolvendo a ambição e o gosto das riquezas, que, a seu turno, incitam o homem a empreender pesquisas que lhe esclarecem o Espírito. Assim é que tudo se prende, no mundo moral, como no mundo físico, e que do próprio mal pode nascer o bem. Curta, porém, é a duração desse estado de coisas, que mudará à proporção que o homem compreender melhor que, além da que o gozo dos bens terrenos proporciona, uma felicidade existe maior e infinitamente mais duradoura.” (Vide: Egoísmo, cap. XII.)

Há duas espécies de progresso, que uma a outra se prestam mútuo apoio, mas que, no entanto, não marcham lado a lado: o progresso intelectual e o progresso moral. Entre os povos civilizados, o primeiro tem recebido, no correr deste século, todos os incentivos. Por isso mesmo atingiu um grau a que ainda não chegara antes da época atual. Muito falta para que o segundo se ache no mesmo nível. Entretanto, comparando-se os costumes sociais de hoje com os de alguns séculos atrás, só um cego negaria o progresso realizado. Ora, sendo assim, por que haveria essa marcha ascendente de parar, com relação, de preferência, ao moral, do que com relação ao intelectual? Por que será impossível que entre o dezenove e o vigésimo quarto século haja, a esse respeito, tanta diferença quanta entre o décimo quarto século e o século dezenove? Duvidar fora pretender que a Humanidade está no apogeu da perfeição, o que seria absurdo, ou que ela não é perfectível moralmente, o que a experiência desmente.

3. Povos degenerados

786. Mostra-nos a História que muitos povos, depois de abalos que os revolveramprofundamente, recaíram na barbaria. Onde, neste caso, o progresso?

Quando tua casa ameaça ruína, mandas demoli-la e constróis outra mais sólida e mais cômoda. Mas, enquanto esta não se apronta, há perturbação e confusão na tua morada.
Compreende mais o seguinte: eras pobre e habitavas um casebre; tornando-te rico, deixaste-o para habitar um palácio. Então, um pobre diabo, como eras antes, vem tomar o lugar que ocupavas e fica muito contente, porque estava sem ter onde se abrigar. Pois bem!
Aprende que os Espíritos que, encarnados, constituem o povo degenerado não são os que o constituíam ao tempo do seu esplendor. Os de então, tendo-se adiantado, passaram para habitações mais perfeitas e progrediram, enquanto os outros, menos adiantados, tomaram o lugar que ficara vago e que também, a seu turno, terão um dia que deixar.”


787. Não há raças rebeldes, por sua natureza, ao progresso?

Há, mas vão aniquilando-se corporalmente, todos os dias.”

a) - Qual será a sorte futura das almas que animam essas raças?

Chegarão, como todas as demais, à perfeição, passando por outras existências. Deus a ninguém deserda.”

b) - Assim, pode dar-se que os homens mais civilizados tenham sido selvagens e antropófagos?

Tu mesmo o foste mais de uma vez, antes de seres o que és.”

788. Os povos são individualidades coletivas que como os indivíduos, passam pela infância, pela idade da madureza e pela decrepitude. Esta verdade, que a História comprova, não será de molde a fazer supor que os povos mais adiantados deste século terão seu declínio e sua extinção, como os da antigüidade?

Os povos, que apenas vivem a vida do corpo, aqueles cuja grandeza unicamente assenta na força e na extensão territorial, nascem, crescem e morrem, porque a força de um povo se exaure, como a de um homem. Aqueles, cujas leis egoísticas obstam ao progresso das luzes e da caridade, morrem, porque a luz mata as trevas e a caridade mata o egoísmo.
Mas, para os povos, como para os indivíduos, há a vida da alma. Aqueles, cujas leis se harmonizam com as leis eternas do Criador, viverão e servirão de farol aos outros povos.”

789. O progresso fará que todos os povos da Terra se achem um dia reunidos, formando uma só nação?

Uma nação única, não; seria impossível, visto que da diversidade dos climas se originam costumes e necessidades diferentes, que constituem as nacionalidades, tornando indispensáveis sempre leis apropriadas a esses costumes e necessidades. A caridade, porém, desconhece latitudes e não distingue a cor dos homens. Quando, por toda parte, a lei de Deus servir de base à lei humana, os povos praticarão entre si a caridade, como os indivíduos. Então,viverão felizes e em paz, porque nenhum cuidará de causar dano ao seu vizinho, nem de viver a expensas dele.”

A Humanidade progride, por meio dos indivíduos que pouco a pouco se melhoram e instruem. Quando estes preponderam pelo número, tomam a dianteira e arrastam os outros.
De tempos a tempos, surgem no seio dela homens de gênio que lhe dão um impulso; vêm depois, como instrumentos de Deus, os que têm autoridade e, nalguns anos fazem-na adiantar-se de muitos séculos.
O progresso dos povos também realça a justiça da reencarnação. Louváveis esforços empregam os homens de bem para conseguir que uma nação se adiante, moral e intelectualmente. Transformada, a nação será mais ditosa neste mundo e no outro, concebese.
Mas, durante a sua marcha lenta através dos séculos, milhares de indivíduos morrem todos os dias. Qual a sorte de todos os que sucumbem ao longo do trajeto? Privá-los-á, a sua relativa inferioridade da felicidade reservada aos que chegam por último? Ou também relativa será a felicidade que lhes cabe? Não é possível que a justiça divina haja consagrado semelhante injustiça. Com a pluralidade das existências, é igual para todos o direito à felicidade, porque ninguém fica privado do progresso. Podendo, os que viveram ao tempo da barbaria, voltar, na época da civilização, a viver no seio do mesmo povo, ou de outro, é claro que todos tiram proveito da marcha ascensional.
Outra dificuldade, no entanto, apresenta aqui o sistema da unicidade das existências.
Segundo este sistema, a alma é criada no momento em que nasce o ser humano. Então, se um homem é mais adiantado do que outro, é que Deus criou para ele uma alma mais adiantada. Por que esse favor? Que merecimento tem esse homem, que não viveu mais do que outro, que talvez haja vivido menos, para ser dotado de uma alma superior? Esta, porém, não é a dificuldade principal. Se os homens vivessem um milênio, conceber-se-ia que, nesse período milenar, tivessem tempo de progredir. Mas, diariamente morrem criaturas em todas as idades; incessantemente se renovam na face do planeta, de tal sorte que todos os dias aparece uma multidão delas e outra desaparece. Ao cabo de mil anos, já não há naquela nação vestígio de seus antigos habitantes. Contudo, de bárbara, que era, ela
se tornou policiada. Que foi o que progrediu? Foram os indivíduos outrora bárbaros? Mas, esses morreram há muito tempo. Teriam sido os recém-chegados? Mas, se suas almas foram criadas no momento em que eles nasceram, essas almas não existiam na época da barbaria e forçoso será então admitir-se que os esforços que se despendem para civilizar um povo têm o poder, não de melhorar almas imperfeitas, porém de fazer que Deus crie almas mais perfeitas.
Comparemos esta teoria do progresso com a que os Espíritos apresentaram. As almas vindas no tempo da civilização tiveram sua infância, como todas as outras, mas já tinham vivido antes e vêm adiantadas por efeito do progresso realizado anteriormente. Vêm atraídas por meio que lhes é simpático e que se acha em relação com o estado em que atualmente se encontram. De sorte que, os cuidados dispensados à civilização de um povo não têm como conseqüência fazer que, de futuro, se criem almas mais perfeitas; têm sim, o de atrair as que já progrediram, quer tenham vivido no seio do povo que se figura, ao tempo da sua barbaria, quer venham de outra parte. Aqui se nos depara igualmente a chave do progresso da Humanidade inteira. Quando todos os povos estiverem no mesmo nível, no tocante ao sentimento do bem, a Terra será ponto de reunião exclusivamente de bons Espíritos, que viverão fraternalmente unidos. Os maus, sentindo-se aí repelidos e deslocados, irão procurar, em mundos inferiores, o meio que lhes convém, até que sejam dignos de volver ao nosso, então transformado. Da teoria vulgar ainda resulta que os trabalhos de melhoria social só às gerações presentes e futuras aproveitam, sendo de resultados nulos para as gerações passadas, que cometeram o erro de vir muito cedo e que ficam sendo o que podem ser, sobrecarregadas com o peso de seus atos de barbaria.
Segundo a doutrina dos Espíritos, os progressos ulteriores aproveitam igualmente às gerações pretéritas, que voltam a viver em melhores condições e podem assim aperfeiçoarse no foco da civilização.

4. Civilização

790. É um progresso a civilização ou, como o entendem alguns filósofos, uma decadência da Humanidade?

Progresso incompleto. O homem não passa subitamente da infância à madureza.”

a) - Será racional condenar-se a civilização?

Condenai antes os que dela abusam e não a obra de Deus.”

791. Apurar-se-á algum dia a civilização, de modo a fazer que desapareçam os males que haja produzido?

Sim, quando o moral estiver tão desenvolvido quanto a inteligência. O fruto não pode surgir antes da flor.”

792. Por que não efetua a civilização, imediatamente, todo o bem que poderia produzir?

Porque os homens ainda não estão aptos nem dispostos a alcançá-lo.”

a) - Não será também porque, criando novas necessidades, suscita paixões novas?

É, e ainda porque não progridem simultaneamente todas as faculdades do Espírito.
Tempo é preciso para tudo. De uma civilização incompleta não podeis esperar frutos perfeitos.”

793. Por que indícios se pode reconhecer uma civilização completa?

Reconhecê-la-eis pelo desenvolvimento moral. Credes que estais muito adiantados, porque tendes feito grandes descobertas e obtido maravilhosas invenções; porque vos alojais e vestis melhor do que os selvagens. Todavia, não tereis verdadeiramente o direito de dizer-vos civilizados, senão quando de vossa sociedade houverdes banido os vícios que a desonram e quando viverdes como irmãos, praticando a caridade cristã. Até então, sereis apenas povos esclarecidos, que hão percorrido a primeira fase da civilização.”
A civilização, como todas as coisas, apresenta gradações diversas. Uma civilização incompleta é um estado transitório, que gera males especiais, desconhecidos do homem no estado primitivo. Nem por isso, entretanto, constitui menos um progresso natural, necessário, que traz consigo o remédio para o mal que causa. À medida que a civilização se aperfeiçoa, faz cessar alguns dos males que gerou, males que desaparecerão todos com o progresso moral.
De duas nações que tenham chegado ao ápice da escala social, somente pode considerar-se a mais civilizada, na legítima acepção do termo, aquela onde exista menos egoísmo, menos cobiça e menos orgulho; onde os hábitos sejam mais intelectuais e morais do que materiais; onde a inteligência se puder desenvolver com maior liberdade; onde haja mais bondade, boa-fé, benevolência e generosidade recíprocas; onde menos enraizados se mostrem os preconceitos de casta e de nascimento, por isso que tais preconceitos são incompatíveis com o verdadeiro amor do próximo; onde as leis nenhum privilégio consagrem e sejam as mesmas, assim para o último, como para o primeiro; onde com menos parcialidade se exerça a justiça; onde o fraco encontre sempre amparo contra o forte; onde a vida do homem, suas crenças e opiniões sejam melhormente respeitadas; onde exista menor número de desgraçados; enfim, onde todo homem de boa-vontade esteja certo de lhe não faltar o necessário.

                1. Progresso da legislação humana
794. Poderia a sociedade reger-se unicamente pelas leis naturais, sem o concurso das leis humanas?

Poderia, se todos as compreendessem bem. Se os homens as quisessem praticar, elas bastariam. A sociedade, porém, tem suas exigências. São-lhe necessárias leis especiais.”

795. Qual a causa da instabilidade das leis humanas?

Nas épocas de barbaria, são os mais fortes, que fazem as leis e eles as fizeram para si. À proporção que os homens foram compreendendo melhor a justiça, indispensável se tornou a modificação delas. Quanto mais se aproximam da vera justiça, tanto menos instáveis são as leis humanas, isto é, tanto mais estáveis se vão tornando, conforme vão sendo feitas para todos e se identificam com a lei natural.”
A civilização criou necessidades novas para o homem, necessidades relativas à posição social que ele ocupe. Tem-se então que regular, por meio de leis humanas, os direitos e deveres dessa posição. Mas, influenciado pelas suas paixões, ele não raro há criado direitos e deveres imaginários, que a lei natural condena e que os povos riscam de seus códigos à medida que progridem. A lei natural é imutável e a mês ma para todos; a lei humana é variável e progressiva. Na infância das sociedades, só esta pode consagrar o direito do mais forte.


796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais não constitui uma necessidade?

Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”

797. Como poderá o homem ser levado a reformar suas leis?

Isso ocorre naturalmente, pela força mesma das coisas e da influência das pessoas que o guiam na senda do progresso. Muitas já ele reformou e muitas outras reformará. Espera!”

6. Influência do Espiritismo no progresso

798. O Espiritismo se tornará crença comum, ou ficará sendo partilhado, como crença, apenas por algumas pessoas?

Certamente que se tornará crença geral e marcará nova era na história da
humanidade, porque está na Natureza e chegou o tempo em que ocupará lugar entre os conhecimentos humanos. Terá, no entanto, que sustentar grandes lutas, mais contra o interesse, do que contra a convicção, porquanto não há como dissimular a existência de pessoas interessadas em combatê-lo, umas por amor-próprio, outras por causas inteiramente materiais. Porém, como virão a ficar insulados, seus contraditores se sentirão forçados a pensar como os demais, sob pena de se tornarem ridículos.”

As idéias só com o tempo se transformam; nunca de súbito. De geração em geração, elas se enfraquecem e acabam por desaparecer, paulatinamente, com os que as professavam, os quais vêm a ser substituídos por outros indi
víduos imbuídos de novos princípios, como sucede com as idéias políticas. Vede o paganismo. Não há hoje mais quem professe as idéias religiosas dos tempos pagãos.
Todavia, muitos séculos após o advento do Cristianismo, delas ainda restavam vestígios, que somente a completa renovação das raças conseguiu apagar. Assim será com o Espiritismo. Ele progride muito; mas, durante duas ou três gerações, ainda haverá um fermento de incredulidade, que unicamente o tempo aniquilará. Sua marcha, porém, será mais célere que a do Cristianismo, porque o próprio Cristianismo é quem lhe abre o caminho e serve de apoio. O Cristianismo tinha que destruir; o Espiritismo só tem que edificar.

799. De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?

Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida futura de estar velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o seu futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos.”

800. Não será de temer que o Espiritismo não consiga triunfar da negligência dos homens e do seu apego às coisas materiais?

Conhece bem pouco os homens quem imagine que uma causa qualquer os possa transformar como que por encanto. As idéias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode operar. Para cada geração uma parte do véu se dissipa. O Espiritismo vem rasgá-lo de alto a baixo. Entretanto, conseguisse ele unicamente corrigir num homem um único defeito que fosse e já o haveria forçado a dar um passo. Ter-lhe-ia feito, só com isso, grande bem, pois esse primeiro passo lhe facilitará os outros.”

801. Por que não ensinaram os Espíritos, em todos os tempos, o que ensinam hoje?

Não ensinais às crianças o que ensinais aos adultos e não dais ao recém-nascido um alimento que ele não possa digerir. Cada coisa tem seu tempo. Eles ensinaram muitas coisas que os homens não compreenderam ou adulteraram, mas que podem compreender agora.
Com seus ensinos, embora incompletos, prepararam o terreno para receber a semente que vai frutificar.”

802. Visto que o Espiritismo tem que marcar um progresso da Humanidade, por que não apressam os Espíritos esse progresso, por meio de manifestações tão generalizadas e patentes, que a convicção penetre até nos mais incrédulos?

Desejaríeis milagres; mas Deus os espalha a mancheias diante dos vossos passos e, no entanto, ainda há homens que o negam. Conseguiu, porventura, o próprio Cristo convencer os seus contemporâneos, mediante os prodígios que operou? Não conheceis presentemente alguns que negam os fatos mais patentes, ocorridos às suas vistas? Não há os que dizem que não acreditariam, mesmo que vissem? Não; não é por meio de prodígios que Deus quer encaminhar os homens. Em Sua bondade, Ele lhes deixa o mérito de se convencerem pela razão.”

CAPÍTULO IX

DA LEI IGUALDADE

1. Igualdade natural. - 2. Desigualdade das aptidões. - 3. Desigualdades sociais. - 4. Desigualdade das riquezas. - 5. As provas de riqueza e de miséria. - 6. Igualdade dos direitos do homem e da mulher. 7. Igualdade perante o túmulo.

1. Igualdade natural

803. Perante Deus, são iguais todos os homens?
Sim, todos tendem para o mesmo fim e Deus fez Suas leis para todos. Dizeis freqüentemente: “O Sol luz para todos” e enunciais assim uma verdade maior e mais geral do que pensais.”
Todos os homens estão submetidos às mesmas leis da Natureza. Todos nascem igualmente fracos, acham-se sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se destrói como o do pobre. Deus a nenhum homem concedeu superioridade natural, nem pelo nascimento, nem pela morte: todos, aos Seus olhos, são iguais.

2. Desigualdade das aptidões

804. Por que não outorgou Deus as mesmas aptidões a todos os homens?
Deus criou iguais todos os Espíritos, mas cada um destes vive há mais ou menos tempo, e, conseguintemente, tem feito maior ou menor soma de aquisições. A diferença entre eles está na diversidade dos graus da experiência alcançada e da vontade com que obram, vontade que é o livre-arbítrio. Daí o se aperfeiçoarem uns mais rapidamente do que outros, o que lhes dá aptidões diversas.
Necessária é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência, no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais. O que um não faz, fá-lo outro. Assim é que cada qual tem seu papel útil a desempenhar. Demais, sendo solidários entre si todos os mundos, necessário se torna que
os habitantes dos mundos superiores, que, na sua maioria, foram criados antes do vosso, venham habitá-lo, para vos dar o exemplo.”

805. Passando de um mundo superior a outro inferior, conserva o Espírito,integralmente, às faculdades adquiridas?

Sim, já temos dito que o Espírito que progrediu não retrocede. Poderá escolher, no estado de Espírito livre, um invólucro mais grosseiro, ou posição mais precária do que as que já teve, porém tudo isso para lhe servir de ensinamento e ajudá-lo a progredir.”
Assim, a diversidade das aptidões entre os homens não deriva da natureza íntima da sua criação, mas do grau de aperfeiçoamento a que tenham chegado os Espíritos encarnados neles. Deus, portanto, não criou faculdades desiguais; permitiu, porém, que os Espíritos em graus diversos de desenvolvimento estivessem em contacto, para que os mais adiantados pudessem auxiliar o progresso dos mais atrasados e também para que os homens, necessitando uns dos outros, compreendessem a lei de caridade que os deve unir.

3. Desigualdades sociais

806. É lei da Natureza a desigualdade das condições sociais?

Não; é obra do homem e não de Deus.”

a) - Algum dia essa desigualdade desaparecerá?

Eternas somente as leis de Deus o são. Não vês que dia da dia ela gradualmente se apaga? Desaparecerá quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Restará apenas a desigualdade do merecimento. Dia virá em que os membros da grande família dos filhos de Deus deixarão de considerar-se como de sangue mais ou menos puro. Só o Espírito é mais ou menos puro e isso não depende da posição social.”

807. Que se deve pensar dos que abusam da superioridade de suas posições sociais, para, em proveito próprio, oprimir os fracos?

Merecem anátema! Ai deles! Serão, a seu turno, oprimidos: renascerão numa existência em que terão de sofrer tudo o que tiverem feito sofrer aos outros.”
4. Desigualdade das riquezas

808. A desigualdade das riquezas não se originará da das faculdades, em virtude da qual uns dispõem de mais meios de adquirir bens do que outros?

Sim e não. Da velhacaria e do roubo, que dizeis?”

a) - Mas, a riqueza herdada, essa não é fruto de paixões más.

Que sabes a esse respeito? Busca a fonte de tal riqueza e verás que nem sempre é pura. Sabes, porventura, se não se originou de uma espoliação ou de uma injustiça? Mesmo, porém, sem falar da origem, que pode ser má, acreditas que a cobiça da riqueza, ainda quando bem adquirida, os desejos secretos de possuí-la o mais depressa possível, sejam sentimentos louváveis? Isso o que Deus julga e eu te asseguro que o Seu juízo é mais
severo que o dos homens.”

809. Aos que, mais tarde, herdam uma riqueza inicialmente mal adquirida, alguma responsabilidade cabe por esse fato?

É fora de dúvida que não são responsáveis pelo mal que outros hajam feito, sobretudo se o ignoram, como é possível que aconteça. Mas, fica sabendo que, muitas vezes, a riqueza só vem ter às mãos de um homem, para lhe proporcionar ensejo de reparar uma injustiça. Feliz dele, se assim o compreende! Se a fizer em nome daquele que cometeu a injustiça, a ambos será a reparação levada em conta, porquanto, não raro, é este último quem a provoca.”

810. Sem quebra da legalidade, quem quer que seja pode dispor de seus bens de modo mais ou menos eqüitativo. Aquele que assim proceder será responsável, depois da morte, pelas disposições que haja tomado?

Toda ação produz seus frutos; doces são os das boas ações, amargos sempre os das outras. Sempre, entendei-o bem.”

811. Será possível e já terá existido a igualdade absoluta das riquezas?

Não; nem é possível. A isso se opõe a diversidade das faculdades e dos caracteres.”

a) - Há, no entanto, homens que julgam ser esse o remédio aos males da sociedade.Que pensais a respeito?

São sistemáticos esses tais, ou ambiciosos cheios de inveja. Não compreendem que a igualdade com que sonham seria a curto prazo desfeita pela força das coisas. Combatei o egoísmo, que é a vossa chaga social, e não corrais atrás de quimeras.”

812. Por não ser possível a igualdade das riquezas, o mesmo se dará com o bemestar?

Não, mas o bem-estar é relativo e todos poderiam dele gozar, se se entendessem convenientemente, porque o verdadeiro bem-estar consiste em cada um empregar o seu tempo como lhe apraza e não na execução de trabalhos pelos quais nenhum gosto sente.
Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. Em tudo existe o equilíbrio; o homem é quem o perturba.”

a) - Será possível que todos se entendam?

Os homens se entenderão quando praticarem a lei de justiça.”

813. Há pessoas que, por culpa sua, caem na miséria. Nenhuma responsabilidade caberá disso à sociedade?

Mas, certamente. Já dissemos que a sociedade é muitas vezes a principal culpada
de semelhante coisa. Demais, não tem ela que velar pela educação moral dos seus
membros? Quase sempre, é a má educação que lhes falseia o critério, ao invés de sufocarlhes
as tendências perniciosas.”

5. As provas de riqueza e de miséria

814. Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a outros, a miséria?

Para experimentá-los de modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com freqüência.”

815. Qual das duas provas é mais terrível para o homem, a da desgraça ou a da riqueza?

São-no tanto uma quanto outra. A miséria provoca as queixas contra a Providência, a riqueza incita a todos os excessos.”

816. Estando o rico sujeito a maiores tentações, também não dispõe, por outro lado, de mais meios de fazer o bem?

Mas, é justamente o que nem sempre faz. Torna-se egoísta, orgulhoso e insaciável.
Com a riqueza, suas necessidades aumentam e ele nunca julga possuir o bastante para si unicamente.”
A alta posição do homem neste mundo e o ter autoridade sobre os seus semelhantes são provas tão grandes e tão escorregadias como a desgraça, porque, quanto mais rico e poderoso é ele, tanto mais obrigações tem que cumprir e tanto mais abundantes são os meios de que dispõe para fazer o bem e o mal. Deus experimenta o pobre pela resignação e o rico pelo emprego que dá aos seus bens e ao seu poder.
A riqueza e o poder fazem nascer todas as paixões que nos prendem à matéria e nos afastam da perfeição espiritual. Por isso foi que Jesus disse: “Em verdade vos digo que mais fácil é passar um camelo por um fundo de agulha do que entrar um rico no reino dos céus.”

6. Igualdade dos direitos do homem e da mulher

817. São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos?

Não outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?”

818. Donde provém a inferioridade moral da mulher em certos países?

Do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito.”

819. Com que fim mais fraca fisicamente do que o homem é a mulher?

Para lhe determinar funções especiais. Ao homem, por ser o mais forte, os
trabalhos rudes; à mulher, os trabalhos leves; a ambos o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor.”

820. A fraqueza física da mulher não a coloca naturalmente sob a dependência do homem?

Deus a uns deu a força, para protegerem o fraco e não para o escravizarem.”
Deus apropriou a organização de cada ser às funções que lhe cumpre desempenhar.
Tendo dado à mulher menor força física, deu-lhe ao mesmo tempo maior sensibilidade, em relação com a delicadeza das funções maternais e com a fraqueza dos seres confiados aos seus cuidados.

821. As funções a que a mulher é destinada pela Natureza terão importância tão grande quanto as deferidas ao homem?

Sim, maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções da vida.”

822. Sendo iguais perante a lei de Deus, devem os homens ser iguais também perante as leis humanas?

O primeiro princípio de justiça é este: Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem.”

a) - Assim sendo, uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher?

Dos direitos, sim; das funções, não. Preciso é que cada um esteja no lugar que lhe compete. Ocupe-se do exterior o homem e do interior a mulher, cada um de acordo com a sua aptidão. A lei humana, para ser eqüitativa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher. Todo privilégio a um ou a outro concedido é contrário à justiça. A emancipação da mulher acompanha o progresso da civilização. Sua escravização marcha de par com a barbaria. Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles.
Devem, por conseguinte, gozar dos mesmos direitos.”

Igualdade perante o túmulo

823. Donde nasce o desejo que o homem sente de perpetuar sua memória por meio de monumentos fúnebres?

Último ato de orgulho.”

a) - Mas a suntuosidade dos monumentos fúnebres não é antes devida, as mais das vezes, aos parentes do defunto, que lhe querem honrar a memória, do que ao próprio defunto?

Orgulho dos parentes, desejosos de se glorificarem a si mesmos. Oh! Sim, nem sempre é pelo morto que se fazem todas essas demonstrações. Elas são feitas por amorpróprio e para o mundo, bem como por ostentação de riqueza. Supões, porventura, que a lembrança de um ser querido dure menos no coração do pobre, que não lhe pode colocar sobre o túmulo senão uma singela flor? Supões que o mármore salva do esquecimento aquele que na Terra foi inútil?”

824. Reprovais então, de modo absoluto, a pompa dos funerais?

Não; quando se tenha em vista honrar a memória de um homem de bem, é justo e de bom exemplo.”
O túmulo é o ponto de reunião de todos os homens. Aí terminam inelutavelmente todas as distinções humanas. Em vão tenta o rico perpetuar a sua memória, mandando erigir faustosos monumentos. O tempo os destruirá, como lhe consumirá o corpo. Assim o quer a Natureza. Menos perecível do que o seu túmulo será a lembrança de suas ações boas e más.
A pompa dos funerais não o limpará das suas torpezas, nem o fará subir um degrau que seja na hierarquia espiritual.

CAPÍTULO X

DA LEI DE LIBERDADE

1. Liberdade natural. - 2. Escravidão. - 3. Liberdade de pensar. - 4. Liberdade de consciência. - 5. Livre-arbítrio. - 6. Fatalidade. - 7. Conhecimento do futuro. - 8. Resumo teórico do móvel das ações do homem.

1. Liberdade natural

825. Haverá no mundo posições em que o homem possa jactar-se de gozar de absoluta liberdade?

Não, porque todos precisais uns dos outros, assim os pequenos como os grandes.”

826. Em que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade?

Nas do eremita no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles direitos recíprocos que lhes cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza de liberdade absoluta.”

827. A obrigação de respeitar os direitos alheios tira ao homem o de pertencer-se a si mesmo?

De modo algum, porquanto este é um direito que lhe vem da Natureza.”


828. Como se podem conciliar as opiniões liberais de certos homens com o despotismo que costumam exercer no seu lar e sobre os seus subordinados?

Eles têm a compreensão da lei natural, mas contrabalançada pelo orgulho e pelo egoísmo. Quando não representam calculadamente uma comédia, sustentando princípios liberais, compreendem como as coisas devem ser, mas não as fazem assim.”

a) - Ser-lhes-ão, na outra vida, levados em conta os princípios que professaram neste mundo?

Quanto mais inteligência tem o homem para compreender um princípio, tanto menos escusável é de o não aplicar a si mesmo. Em verdade vos digo que o homem simples, porém sincero, está mais adiantado no caminho de Deus, do que um que pretenda parecer o que não é.”

2. Escravidão

829. Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedades de outros homens?

É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da força. Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abusos.”
É contrária à Natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente.

830. Quando a escravidão faz parte dos costumes de um povo, são censuráveis os que dela aproveitam, embora só o façam conformando-se com um uso que lhes parece natural?

O mal é sempre o mal e não há sofisma que faça se torne boa uma ação má. A responsabilidade, porém, do mal é relativa aos meios de que o homem disponha para compreendê-lo. Aquele que tira proveito da lei da escravidão é sempre culpado de violação da lei da Natureza. Mas, aí, como em tudo, a culpabilidade é relativa. Tendo-se a escravidão introduzido nos costumes de certos povos, possível se tornou que, de boa-fé, o homem se aproveitasse dela como de uma coisa que lhe parecia natural. Entretanto, desde que, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do Cristianismo, sua razão lhe mostrou que o escravo era um seu igual perante Deus, nenhuma desculpa mais ele tem.”

831. A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças mais inteligentes?

Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravização. Durante longo tempo, os homens consideram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada vêem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o Espírito.”

832. Há, no entanto, homens que tratam seus escravos com humanidade; que não deixam lhes falte nada e acreditam que a liberdade os exporia a maiores privações. Que dizeis disso?

Digo que esses compreendem melhor os seus interesses. Igual cuidado dispensam aos seus bois e cavalos, para que obtenham bom preço no mercado. Não são tão culpados como os que maltratam os escravos, mas, nem por isso deixam de dispor deles como de uma mercadoria, privando-os do direito de se pertencerem a si mesmos.”

3. Liberdade de pensar

833. Haverá no homem alguma coisa que escape a todo constrangimento e pela qual goze ele de absoluta liberdade?

No pensamento goza o homem de ilimitada liberdade, pois que não há como pôr-lhe peias. Pode-se-lhe deter o vôo, porém, não aniquilá-lo.”

834. É responsável o homem pelo seu pensamento?

Perante Deus, é. Somente a Deus sendo possível conhecê-lo, Ele o condena ou absolve, segundo a Sua justiça.”

                    4. Liberdade de consciência
835. Será a liberdade de consciência uma conseqüência da de pensar?

A consciência é um pensamento íntimo, que pertence ao homem, como todos os outros pensamentos.”

836. Tem o homem direito de pôr embaraços à liberdade de consciência?

Falece-lhe tanto esse direito, quanto com referência à liberdade de pensar, por isso que só a Deus cabe o de julgar a consciência. Assim como os homens, pelas suas leis, regulam as relações de homem para homem, Deus, pelas leis da Natureza, regula as relações entre Ele e o homem.”

837. Que é o que resulta dos embaraços que se oponham à liberdade de
consciência?

Constranger os homens a procederem em desacordo com o seu modo de pensar, fazê-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso.”

838. Será respeitável toda e qualquer crença, ainda quando notoriamente falsa?

Toda crença é respeitável, quando sincera e conducente à prática do bem.
Condenáveis são as crenças que conduzam ao mal.”

839. Será repreensível aquele que escandalize com a sua crença um outro que não pensa como ele?

Isso é faltar com a caridade e atentar contra a liberdade de pensamento.”

840. Será atentar contra a liberdade de consciência pôr óbices a crenças capazes de causar perturbações à sociedade?

Podem reprimir-se os atos, mas a crença íntima é inacessível.”
Reprimir os atos exteriores de uma crença, quando acarretam qualquer prejuízo a terceiros, não é atentar contra a liberdade de consciência, pois que essa repressão em nada tira à crença a liberdade, que ela conserva integral.

841. Para respeitar a liberdade de consciência, dever-se-á deixar que se
propaguem doutrinas perniciosas, ou poder-se-á, sem atentar contra aquela liberdade,procurar trazer ao caminho da verdade os que se transviaram obedecendo a falsos princípios?

Certamente que podeis e até deveis; mas, ensinai, a exemplo de Jesus, servindo-vos da brandura e da persuasão e não da força, o que seria pior do que a crença daquele a quem desejaríeis convencer. Se alguma coisa se pode impor, é o bem e a fraternidade. Mas não cremos que o melhor meio de fazê-los admitidos seja obrar com violência. A convicção não se impõe.”

842. Por que indícios se poderá reconhecer, entre todas as doutrinas que alimentam a pretensão de ser a expressão única da verdade, a que tem o direito de se apresentar como tal?

Será aquela que mais homens de bem e menos hipócritas fizer, isto é, pela prática da lei de amor na sua maior pureza e na sua mais ampla aplicação. Esse o sinal por que reconhecereis que uma doutrina é boa, visto que toda doutrina que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer uma linha de separação entre os filhos de Deus não pode deixar de ser falsa e perniciosa.”

5. Livre-arbítrio

843. Tem o homem o livre-arbítrio de seus atos?

Pois que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina.”

844. Do livre-arbítrio goza o homem desde o seu nascimento?

Há liberdade de agir, desde que haja vontade de fazê-lo. Nas primeiras fases da vida, quase nula é a liberdade, que se desenvolve e muda de objeto com o desenvolvimento das faculdades. Estando seus pensamentos em concordância com o que a sua idade reclama, a criança aplica o seu livre-arbítrio àquilo que lhe é necessário.”
845. Não constituem obstáculos ao exercício do livre-arbítrio as predisposições instintivas que o homem já traz consigo ao nascer?

As predisposições instintivas são as do Espírito antes de encarnar. Conforme seja este mais ou menos adiantado, elas podem arrastá-las à prática de atos repreensíveis, no que será secundado pelos Espíritos que simpatizam com essas disposições. Não há, porém, arrastamento irresistível, uma vez que se tenha a vontade de resistir. Lembrai-vos de que
querer é poder.”

846. Sobre os atos da vida nenhuma influência exerce o organismo? E, se essa influência existe, não será exercida com prejuízo do livre-arbítrio?

É inegável que sobre o Espírito exerce influência a matéria, que pode embaraçar-lhe as manifestações. Daí vem que, nos mundos onde os corpos são menos materiais do que na Terra, as faculdades se desdobram mais livremente. Porém, o instrumento não dá a faculdade. Além disso, cumpre se distingam as faculdades morais das intelectuais. Tendo um homem o instinto do assassínio, seu próprio Espírito é, indubitavelmente, quem possui esse instinto e quem lho dá; não são seus órgãos que lho dão. Semelhante ao bruto, e ainda pior do que este, se torna aquele que nulifica o seu pensamento, para só se ocupar com a matéria, pois que não cuida mais de se premunir contra o mal. Nisto é que incorre em falta, porquanto assim procede por vontade sua.” (Vede n°s. 367 e seguintes - “Influência do organismo”.)


847. Da aberração das faculdades tira ao homem o livre-arbítrio?

Já não é senhor do seu pensamento aquele cuja inteligência se ache turbada por uma causa qualquer e, desde então, já não tem liberdade. Essa aberração constitui muitas vezes uma punição para o Espírito que, porventura, tenha sido, noutra existência, fútil e orgulhoso, ou tenha feito mau uso de suas faculdades. Pode esse Espírito, em tal caso, renascer no corpo de um idiota, como o déspota no de um escravo e o mau rico no de um mendigo. O Espírito, porém, sofre por efeito desse constrangimento, de que tem perfeita consciência. Está aí a ação da matéria.”


848. Servirá de escusa aos atos reprováveis o ser devida à embriaguez a aberração das faculdades intelectuais?

Não, porque foi voluntariamente que o ébrio se privou da sua razão, para satisfazer a paixões brutais. Em vez de uma falta, comete duas.”

849. Qual a faculdade predominante no homem em estado de selvageria: o instinto, ou o livre-arbítrio?

O instinto, o que não o impede de agir com inteira liberdade, no tocante a certas coisas. Mas, aplica, como a criança, essa liberdade às suas necessidades e ela se amplia com a inteligência. Conseguintemente, tu, que és mais esclarecido do que um selvagem, também és mais responsável pelo que fazes do que um selvagem o é pelos seus atos.”

850. A posição social não constitui às vezes, para o homem, obstáculo à inteira liberdade de seus atos?

É fora de dúvida que o mundo tem suas exigências, Deus é justo e tudo leva em conta. Deixa-vos, entretanto, a responsabilidade de nenhum esforço empregardes para vencer os obstáculos.”

6. Fatalidade

851. Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme ao sentido que se dá a este vocábulo? Quer dizer: todos os acontecimentos são predeterminados? E, neste caso,que vem a ser do livre-arbítrio?

A fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, institui para si uma espécie de destino, que é a conseqüência mesma da posição em que vem a achar-se colocado. Falo das provas físicas, pois, pelo que toca às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquejar, um bom Espírito pode vir-lhe em auxílio, mas não pode influir sobre ele de maneira a dominar-lhe a vontade. Um Espírito mau, isto é, inferior, mostrando-lhe, exagerando aos seus olhos um perigo físico, o poderá abalar e amedrontar. Nem por isso, entretanto, a vontade do Espírito encarnado deixa de se conservar livre de quaisquer peias.”
852. Há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independente da maneira por que procedem. Não lhes estará no destino o infortúnio?

São, talvez, provas que lhe caiba sofrer e que elas escolheram. Porém, ainda aqui lançais à conta do destino o que as mais das vezes é apenas conseqüência de vossas próprias
faltas. Trata de ter pura a consciência em meio dos males que te afligem e já bastante consolado te sentirás.”
As idéias exatas ou falsas que fazemos das coisas nos levam a ser bem ou mal sucedidos, de acordo com o nosso caráter e a nossa posição social. Achamos mais simples e menos humilhante para o nosso amor-próprio atribuir antes à sorte ou ao destino os insucessos que experimentamos, do que à nossa própria falta. É certo que para isso contribui algumas vezes a influência dos Espíritos, mas também o é que podemos sempre forrar-nos a essa influência, repelindo as idéias que eles nos sugerem, quando más.

853. Algumas pessoas só escapam de um perigo mortal para cair em outro. Parece que não podem escapar da morte. Não há nisso fatalidade?
Fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é. Chegado esse momento, de uma forma ou doutra, a ele não podeis furtar-vos.”

a) - Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, se a hora da morte ainda não chegou, não morreremos?

Não; não perecerás e tens disso milhares de exemplos. Quando, porém, soe a hora da tua partida, nada poderá impedir que partas. Deus sabe de antemão de que gênero será a morte do homem e muitas vezes seu Espírito também o sabe, por lhe ter sido isso revelado, quando escolheu tal ou qual existência.”

854. Do fato de ser infalível a hora da morte, poder-se-á deduzir que sejam inúteis as precauções para evitá-la?

Não, visto que as precauções que tomais vos são sugeridas com o fito de evitardes a morte que vos ameaça. São um dos meios empregados para que ela não se dê.”

855. Com que fim nos faz a Providência correr perigos que nenhuma conseqüência devem ter?

O fato de ser a tua vida posta em perigo constitui um aviso que tu mesmo desejaste, a fim de te desviares do mal e te tornares melhor. Se escapas desse perigo, quando ainda sob a impressão do risco que correste, de te melhorares, conforme seja mais ou menos forte sobre ti a influência dos Espíritos bons. Sobrevindo o mau Espírito (digo mau, subentendendo o mal que ainda existe nele), entras a pensar que do mesmo modo escaparás
a outros perigos e deixas que de novo tuas paixões se desencadeiem. Por meio dos perigos que correis, Deus vos lembra a vossa fraqueza e a fragilidade da vossa existência. Se examinardes a causa e a natureza do perigo, verificareis que, quase sempre, suas conseqüências teriam sido a punição de uma falta cometida ou da negligência no cumprimento de um dever. Deus, por essa forma, exorta o Espírito a cair em si e a se emendar.”

856. Sabe o Espírito antecipadamente de que gênero será sua morte?

Sabe que o gênero de vida que escolheu o expõe mais a morrer desta do que daquela maneira. Sabe igualmente quais a lutas que terá de sustentar para evitá-lo e que, se Deus o permitir, não sucumbirá.”

857. Há homens que afrontam os perigos dos combates, persuadidos, de certo modo, de que a hora não lhes chegou. Haverá algum fundamento para essa confiança?

Muito amiúde tem o homem o pressentimento do seu fim, como pode ter o de que ainda não morrerá. Esse pressentimento lhe vem dos Espíritos seus protetores, que assim o advertem para que esteja pronto a partir, ou lhe fortalecem a coragem nos momentos em que mais dela necessita. Pode vir-lhe também da intuição que tem da existência que escolheu, ou da missão que aceitou e que sabe ter que cumprir.”

858. Por que razão os que pressentem a morte a temem geralmente menos do que os outros?

Quem teme a morte é o homem, não o Espírito. Aquele que a pressente pensa mais como Espírito do que como homem. Compreende ser ela a sua libertação e espera-a.”
859. Com todos os acidentes, que nos sobrevêm no curso da vida, se dá o mesmo que com a morte, que não pode ser evitada, quando tem que ocorrer?

São de ordinário coisas muito insignificantes, de sorte que vos podeis prevenir deles e fazer que os eviteis algumas vezes, dirigindo o vosso pensamento, pois nos desagradam os sofrimentos materiais. Isso, porém, nenhuma importância tem na vida que escolhestes. A fatalidade, verdadeiramente, só existe quanto ao momento em que deveis aparecer e desaparecer deste mundo.”

a) - Haverá fatos que forçosamente devam dar-se e que os Espíritos não possam conjurar, embora o queiram?

Há, mas que tu viste e pressentiste quando, no estado de Espírito, fizeste a tua escolha. Não creias, entretanto, que tudo o que sucede esteja escrito, como costumam dizer.
Um acontecimento qualquer pode ser a conseqüência de um ato que praticaste por tua livre vontade, de tal sorte que, se não o houvesses praticado, o acontecimento não seria dado.
Imagina que queimas o dedo. Isso nada mais é senão resultado da tua imprudência e efeito da matéria. Só as grandes dores, os fatos importantes e capazes de influir no moral, Deus os prevê, porque são úteis à tua depuração e à tua instrução.”

860. Pode o homem, pela sua vontade e por seus atos, fazer que se não dêem acontecimentos que deveriam verificar-se e reciprocamente?

Pode-o, se essa aparente mudança na ordem dos fatos tiver cabimento na seqüência da vida que ele escolheu. Acresce que, para fazer o bem, como lhe cumpre, pois que isso constitui o objetivo único da vida, facultado lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que possa concorrer para a produção de um mal maior.”

861. Ao escolher a sua existência, o Espírito daquele que comete um assassínio sabia que viria a ser assassino?

Não. Escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá ensejo de matar um de seus semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao crime precederá quase sempre, de sua parte, a deliberação de praticá-lo. Ora, aquele que delibera sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se soubesse previamente que, como homem, teria que cometer um crime, o Espírito estaria a isso predestinado. Ficai, porém, sabendo que a ninguém há predestinado ao crime e que todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbítrio.
Demais, sempre confundis duas coisas muito distintas: os sucessos materiais e os atos da vida moral. A fatalidade, que por algumas vezes há, só existe com relação àqueles sucessos materiais, cuja causa reside fora de vós e que independem da vossa vontade.
Quanto aos da vida moral esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte, tem sempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há fatalidade.”

862. Pessoas existem que nunca logram bom êxito em coisa alguma, que parecem perseguidas por um mau gênio em todos os seus empreendimentos. Não se pode chamar a isso fatalidade?

Será uma fatalidade, se lhe quiseres dar esse nome, mas que decorre do gênero da existência escolhida. É que essas pessoas quiseram ser provadas por uma vida de decepções, a fim de exercitarem a paciência e a resignação. Entretanto, não creias seja absoluta essa fatalidade. Resulta muitas vezes do caminho falso que tais pessoas tomam, em discordância com suas inteligências e aptidões. Grandes probabilidades tem de se afogar
quem pretender atravessar a nada um rio, sem saber nadar. O mesmo se dá relativamente à maioria dos acontecimentos da vida. Quase sempre obteria o homem bom êxito, se só tentasse o que estivesse em relação com as suas faculdades. O que o perde são o seu amorpróprio e a sua ambição, que o desviam da senda que lhe é própria e o fazem considerar vocação o que não passa de desejo de satisfazer a certas paixões. Fracassa por sua culpa.
Mas, em vez de culpar-se a si mesmo, prefere queixar-se da sua estrela. Um, por exemplo, que seria bom operário e ganharia honestamente a vida, mete-se a ser mau poeta e morre de fome. Para todos haveria lugar no mundo, desde que cada um soubesse colocar-se no lugar que lhe compete.”

863. Os costumes sociais não obrigam muitas vezes o homem a enveredar por um caminho de preferência a outro e não se acha ele submetido à direção da opinião geral,quanto à escolha de suas ocupações? O que se chama respeito humano não constitui óbice ao exercício do livre-arbítrio?
São os homens e não Deus quem faz os costumes sociais. Se eles a estes se submetem, é porque lhes convêm. Tal submissão, portanto, representa um ato de livrearbítrio, pois que, se o quisessem, poderiam libertar-se de semelhante jugo. Por que, então, se queixam? Falece-lhes razão para acusarem os costumes sociais. A culpa de tudo devem lançá-la ao tolo amor-próprio de que vivem cheios e que os faz preferirem morrer de fome a infringi-los. Ninguém lhes leva em conta esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo que Deus lhes levará em conta o sacrifício que fizerem de suas vaidades. Não quer isto dizer que o homem deva afrontar sem necessidade aquela opinião, como fazem alguns em que há mais originalidade do que verdadeira filosofia. Tanto desatino há em procurar alguém ser apontado a dedo, ou considerado animal curioso, quanto acerto em descer voluntariamente e sem murmurar, desde que não possa manter-se no alto da escala.”

864. Assim como há pessoas a quem a sorte em tudo é contrária, outras parecem favorecidas por ela, pois que tudo lhes sai bem. A que atribuir isso?

De ordinário, é que essas pessoas sabem conduzir-se melhor nas suas empresas.
Mas, também pode ser um gênero de prova. O bom êxito as embriaga; fiam-se no seu destino e muitas vezes pagam mais tarde esse bom êxito, mediante revezes cruéis, que a prudência as teria feito evitar.”

865. Como se explica que a boa sorte favoreça a algumas pessoas em
circunstâncias com as quais nada têm que ver a vontade, nem a inteligência: no jogo, por exemplo?

Alguns Espíritos hão escolhido previamente certas espécies de prazer. A fortuna que os favorece é uma tentação. Aquele que, como homem, ganha; perde como Espírito. É uma prova para o seu orgulho e para a sua cupidez.”

866. Então, a faculdade que favorece presidir aos destinos materiais de nossa vida também é resultante do nosso livre-arbítrio?

Tu mesmo escolheste a tua prova. Quanto mais rude ela for e melhor a suportares, tanto mais te elevarás. Os que passam a vida na abundância e na ventura humana são Espíritos pusilânimes, que permanecem estacionários. Assim, o número dos desafortunados é muito superior ao dos felizes deste mundo, atento que os Espíritos, na sua maioria, procuram as provas que lhes sejam mais proveitosas. Eles vêem perfeitamente bem a futilidade das vossas grandezas e gozos. Acresce que a mais ditosa existência é sempre agitada, sempre perturbada, quando mais não seja, pela ausência da dor.”
867. Donde vem a expressão: Nascer sob uma boa estrela?

Antiga superstição, que prendia às estrelas os destinos dos homens. Alegoria que algumas pessoas fazem a tolice de tomar ao pé da letra.”

7. Conhecimento do futuro

868. Pode o futuro ser revelado ao homem?

Em princípio, o futuro lhe é oculto e só em casos raros e excepcionais permite Deus que seja revelado.”

869. Com que fim o futuro se conserva oculto ao homem?

Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria do presente e não obraria com a liberdade com que o faz, porque o dominaria a idéia de que, se uma coisa tem que acontecer, inútil será ocupar-se com ela, ou então procuraria obstar a que acontecesse. Não quis Deus que assim fosse, a fim de que cada um concorra para a realização das coisas, até daquelas a que desejaria opor-se. Assim é que tu mesmo preparas muitas vezes os acontecimentos que hão de sobrevir no curso da tua existência.”

870. Mas, se convém que o futuro permaneça oculto, por que permite Deus que seja revelado algumas vezes?

Permite-o, quando o conhecimento prévio do futuro facilite a execução de uma coisa, em vez de a estorvar, obrigando o homem a agir diversamente do modo por que agiria, se lhe não fosse feita a revelação. Não raro, também é uma prova. A perspectiva de um acontecimento pode sugerir pensamentos mais ou menos bons. Se um homem vem a saber, por exemplo, que vai receber uma herança, com que não conta, pode dar-se que a revelação desse fato desperte nele o sentimento da cobiça, pela perspectiva de se lhe tornarem possíveis maiores gozos terrenos, pela ânsia de possuir mais depressa a herança, desejando talvez, para que tal se dê, a morte daquele de quem herdará. Ou, então, essa perspectiva lhe inspirará bons sentimentos e pensamentos generosos. Se a predição não se cumpre, aí está outra prova, consistente na maneira por que suportará a decepção. Nem por isso, entretanto, lhe caberá menos o mérito ou o demérito dos pensamentos bons ou maus que a crença na ocorrência daquele fato lhe fez nascer no íntimo.”

871. Pois que Deus tudo sabe, não ignora se um homem sucumbirá ou não em determinada prova. Assim sendo, qual a necessidade dessa prova, uma vez que nada acrescentará ao que Deus já sabe a respeito desse homem?

Isso eqüivale a perguntar por que não criou Deus o homem perfeito e acabado ; por que passa o homem pela infância, antes de chegar à condição de adulto .

A prova não tem por fim dar a Deus esclarecimentos sobre o homem, pois que Deus sabe perfeitamente o que ele vale, mas dar ao homem toda a responsabilidade de sua ação, uma vez que tem a liberdade de fazer ou não fazer. Dotado da faculdade de escolher entre o bem e o mal, a prova tem por efeito pô-lo em luta com as tentações do mal e conferir-lhe todo o mérito da resistência. Ora, conquanto saiba de antemão se ele se sairá bem ou não, Deus não o pode, em Sua justiça, punir, nem recompensar, por um ato ainda não praticado.”
Assim sucede entre os homens. Por muito capaz que seja um estudante, por grande que seja a certeza que se tenha de que alcançará bom êxito, ninguém lhe confere grau algum sem exame, isto é, sem prova. Do mesmo modo, o juiz não condena um acusado, senão com fundamento num ato consumado e não na previsão de que ele possa ou deva consumar esse fato.
Quanto mais se reflete nas conseqüências que teria para o homem o conhecimento do futuro, melhor se vê quanto foi sábia a Providência em lho ocultar. A certeza de um acontecimento venturoso o lançaria na inação. A de um acontecimento infeliz o encheria de desânimo. Em ambos os casos, suas forças ficariam paralisadas. Daí o não lhe ser mostrado o futuro, senão como meta que lhe cumpre atingir por seus esforços, mas ignorando os trâmites por que terá de passar para alcançá-la. O conhecimento de todos os incidentes da jornada lhe tolheria a iniciativa e o uso do livre-arbítrio. Ele se deixaria resvalar pelo declive fatal dos acontecimentos sem exercer suas faculdades. Quando o feliz êxito de uma
coisa está assegurado, ninguém mais com ela se preocupa.

8. Resumo teórico do móvel das ações Humanas

872. A questão do livre-arbítrio se pode resumir assim: O homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, por prova e por expiação, escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado, quer pelas circunstâncias que sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe para ele, quando no estado de Espírito, ao fazer a escolha da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamente submetido. Cabe à educação combater essas más tendências. Fá-lo-á utilmente, quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene.
Desprendido da matéria e no estado de erraticidade, o Espírito procede à escolha de suas futuras existências corporais, de acordo com o grau de perfeição a que haja chegado e é nisso, como temos dito, que consiste sobretudo o seu livre-arbítrio. Esta liberdade, a encarnação não a anula. Se ele cede à influência da matéria, é que sucumbe nas provas que por si mesmo escolheu. Para ter quem o ajude a vencê-las, concedido lhe é invocar a assistência de Deus e dos bons Espíritos.
Sem o livre-arbítrio, o homem não teria nem culpa por praticar o mal, nem mérito em praticar o bem. E isto a tal ponto está reconhecido que, no mundo, a censura ou o elogio são feitos à intenção, isto é, à vontade. Ora, quem diz vontade diz liberdade. Nenhuma desculpa poderá, portanto, o homem buscar, para os seus delitos, na sua organização física, sem abdicar da razão e da sua condição de ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora assim quanto ao mal, assim não poderia deixar de ser relativamente ao bem. Mas, quando o homem pratica o bem, tem grande cuidado de averbar o fato à sua conta, como mérito, e não cogita de por ele gratificar os seus órgãos, o que prova que, por instinto, não renuncia, mau grado à opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua espécie: a liberdade de pensar.
A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável de todos os sucessos da vida, qualquer que seja a importância deles. Se tal fosse a ordem das coisas, o homem seria qual máquina sem vontade. De que lhe serviria a inteligência, desde que houvesse de estar invariavelmente dominado, em todos os seus atos, pela força do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira, conteria a destruição de toda liberdade moral; já não haveria para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem, nem mal, crimes ou virtudes. Não seria possível que Deus, soberanamente justo, castigasse suas criaturas por faltas cujo cometimento não dependera delas, nem que as recompensasse por virtudes de que nenhum mérito teriam. Demais, tal lei seria a negação da do progresso, porquanto o homem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para melhorar a sua posição, visto que não conseguiria ser mais nem menos.
Contudo, a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha, em conseqüência do gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova, expiação ou missão. Ele sofre fatalmente todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências boas ou más, que lhe são inerentes. Aí, porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade depende ceder ou não a essas tendências. Os pormenores dos acontecimentos, esses ficam subordinados às circunstâncias que ele próprio cria pelos seus atos, sendo que nessas circunstâncias podem os Espíritos influir pelos pensamentos que sugiram. (Há fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se apresentam, por serem estes conseqüência da escolha que o Espírito fez da sua existência de homem. Pode deixar de haver fatalidade no resultado de tais acontecimentos, visto ser possível ao homem, pela sua prudência, modificar-lhes o curso. Nunca há fatalidade nos atos da vida moral.)
No que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto, à inexorável lei da fatalidade, por isso que não pode escapar à sentença que lhe marca o termo da existência, nem ao gênero de morte que haja de cortar a esta o fio.
Segundo a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos os seus instintos que, então, proviriam, ou da sua organização física, pela qual nenhuma responsabilidade lhe toca, ou da sua própria natureza, caso em que lícito lhe fora procurar desculpar-se consigo mesmo, dizendo não lhe pertencer a culpa de ser feito como é. Muito mais moral se mostra, indiscutivelmente, a Doutrina Espírita. Ela admite no homem o livre-arbítrio em toda a sua plenitude e, se lhe diz que, praticando o mal, ele cede a uma sugestão estranha e má, em nada lhe diminui a responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de resistir, o que evidentemente lhe é muito mais fácil do que lutar contra a sua própria natureza. Assim, de acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindo-o ao mal, como pode cerrá-los à voz material daquele que lhe fale ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a assistência dos bons
Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a oração dominical, quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir à tentação, mas livra-nos do mal.”
Essa teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência de todo o ensino que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de moralidade, mas também, acrescentaremos, eleva o homem aos seus próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo obsessor, como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser simples máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da sua vontade, para ser um ente racional, que ouve, julga e escolhe livremente de dois conselhos um. Aditemos que, apesar disto, o homem não se acha privado de iniciativa, não deixa de agir por impulso próprio, pois que, em definitiva, ele é apenas um Espírito encarnado que conserva, sob o envoltório corporal, as qualidades e os defeitos que tinha como Espírito.
Conseguintemente, as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do nosso próprio Espírito, que ainda não conquistou a superioridade moral que um dia alcançará, mas que, nem por isso, carece de livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para se expungir de suas imperfeições, mediante as provas por que passa, imperfeições que, precisamente, o tornam mais fraco e mais acessível às sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se aproveitam para tentar fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa luta sai vencedor ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor. Será uma prova que lhe cumpre recomeçar, podendo suceder que longo tempo gaste nessa alternativa.
Quanto mais se depura, tanto mais diminuem os seus pontos fracos e tanto menos acesso oferece aos que procurem atraí-lo para o mal. Na razão de sua elevação, cresce-lhe a força moral, fazendo que dele se afastem os maus Espíritos.
Todos os Espíritos, mais ou menos bons, quando encarnados, constituem a espécie humana e, como o nosso mundo é um dos menos adiantados, nele se conta maior número de Espíritos maus do que de bons. Tal a razão por que aí vemos perversidade. Façamos, pois, todos os esforços para a este planeta não voltarmos, após a presente estada, e para merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses mundos privilegiados, onde não
nos lembraremos da nossa passagem por aqui, senão como de um exílio temporário.

CAPÍTULO XI

DA LEI DE JUSTIÇA, DE AMOR E DE CARIDADE

  1. Justiça e direitos naturais. - 2. Direito de propriedade. Roubo. - 3. Caridade e amor do próximo. - 4. Amor materno e filial.
  1. 1. Justiça e direitos naturais
873. O sentimento da justiça está em a Natureza, ou é resultado de idéias
adquiridas?

Está de tal modo em a Natureza, que vos revoltais à simples idéia de uma injustiça.
É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que, freqüentemente, em homens simples e incultos se vos deparam noções mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de saber.”

874. Sendo a justiça uma lei da Natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto?

É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso.”

875. Como se pode definir a justiça?

A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.”

a) - Que é o que determina esses direitos?

Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis
apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos mutáveis com o progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, aliás imperfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se vos afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito que os homens prescrevem. Demais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.”

876. Posto de parte o direito que a lei humana consagra, qual a base da justiça, segundo a lei natural?

Disse o Cristo: Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo. No coração do homem imprimiu Deus a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um deseje ver respeitados os seus direitos. Na incerteza de como deva proceder com o seu semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele procedessem, em circunstância idêntica. Guia mais seguro do que a própria consciência não lhe podia Deus haver dado.”
Efetivamente, o critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os outros o que para si mesmo quereria e não em querer para si o que quereria para os outros, o que absolutamente não é a mesma coisa. Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém desejará para o seu semelhante senão o bem. Em todos os tempos e sob o império de todas as crenças, sempre o homem se esforçou para que prevalecesse o seu direito pessoal. A sublimidade da religião cristã está em que ela tomou o direito pessoal por base do direito do próximo.

877. Da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe
obrigações especiais?

Certo e a primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus semelhante. Aquele que respeitar esses direitos procederá sempre com justiça. Em o vosso mundo, porque a maioria dos homens não pratica a lei de justiça, cada um usa de represálias. Essa a causa da perturbação e da confusão em que vivem as sociedades humanas. A vida social outorga direitos e impões deveres recíprocos.”

878. Podendo o homem enganar-se quanto à extensão do seu direito, que é o que lhe fará conhecer o limite desse direito?

O limite do direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente.”

a) - Mas, se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Não será isso a anarquia de todos os poderes?

Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que o de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos Seus olhos, são iguais. Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. Demais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter uma certa deferência para com os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria.”

879. Qual seria o caráter do homem que praticasse a justiça em toda a sua pureza?

O do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porquanto praticaria também o amor do próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira justiça.”

2. Direito de propriedade. Roubo

880. Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem?

O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu
semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”

881. O direito de viver dá ao homem o de acumular bens que lhe permitam repousar quando não mais possa trabalhar?
Dá, mas ele deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de um trabalho honesto, e não como egoísta. Há mesmo animais que lhe dão o exemplo de previdência.”

882. Tem o homem o direito de defender os bens que haja conseguido juntar pelo seu trabalho?

Não disse Deus: “Não roubarás?” E Jesus não disse: “Dai a César o que é de César?”

O que, por meio do trabalho honesto, o homem junta constitui legítima propriedade sua, que ele tem o direito de defender, porque a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural, tão sagrado quando o de trabalhar e de viver.

883. É natural o desejo de possuir?

Sim, mas quando o homem deseja possuir para si somente e para sua satisfação pessoal, o que há é egoísmo.”

a) - Não será, entretanto, legítimo o desejo de possuir, uma vez aquele que tem de que viver a ninguém é pesado?

Há homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas para saciar suas paixões. Julgas que Deus vê isso com bons olhos? Aquele que, ao contrário, junta pelo trabalho, tendo em vista socorrer os seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade, e Deus abençoa o seu trabalho.”

884. Qual o caráter da legítima propriedade?

Propriedade legítima só é a que foi adquirida sem prejuízo de outrem.”
Proibindo-nos que façamos aos outros o que não desejáramos que nos fizessem, a lei de amor e de justiça nos proíbe, ipso facto, a aquisição de bens por quaisquer meios que lhe sejam contrários.

885. Será ilimitado o direito de propriedade?

É fora de dúvida que tudo o que legitimamente se adquire constitui uma
propriedade. Mas, como havemos dito, a legislação dos homens, porque imperfeita, consagra muitos direitos convencionais, que a lei de justiça reprova. Essa a razão por que eles reformam suas leis, à medida que o progresso se efetua e que melhor compreendem a justiça. O que num século parece perfeito, afigura-se bárbaro no século seguinte.”

3. Caridade e amor do próximo

886. Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus?
Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.”
O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça. pois amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito. Tal o sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos.
A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos iguais, ou nossos superiores. Ela nos prescreve a indulgência, porque da indulgência precisamos nós mesmos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados, contrariamente ao que se costuma fazer. Apresente-se uma pessoa rica e todas as atenções e deferências lhe são dispensadas. Se for pobre, toda gente como que entende que não precisa preocupar-se com ela. No entanto, quanto mais lastimosa seja a sua posição, tanto maior cuidado devemos pôr em lhe não aumentarmos o infortúnio pela humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar, aos seus próprios olhos, aquele que lhe é inferior, diminuindo a distância que os separa.

887. Jesus também disse: Amai mesmo os vossos inimigos. Ora, o amor aos inimigos não será contrário às nossas tendências naturais e a inimizade não provirá de uma falta de simpatia entre os Espíritos?

Certo ninguém pode votar aos seus inimigos um amor terno e apaixonado. Não foi isso o que Jesus entendeu de dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e lhes retribuir o mal com o bem. O que assim procede se torna superior aos seus inimigos, ao passo que abaixo deles se coloca , se procura tomar vingança.”

888. Que se deve pensar da esmola?

Condenando-se a pedir esmola, o homem se degrada física e moralmente:
embrutece-se. Uma sociedade que se baseia na lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve assegurar a existência dos que não podem trabalhar, sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa-vontade de alguns.”

a) - Dar-se-á reproveis a esmola?

Não; o que merece reprovação não é a esmola, mas a maneira por que
habitualmente é dada. O homem de bem, que compreende a caridade de acordo com Jesus, vai ao encontro do desgraçado, sem esperar que este lhe estenda a mão.

A verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola; está tanto no ato, como na maneira por que é praticado. Duplo valor tem um serviço prestado com delicadeza. Se o for com altivez, pode ser que a necessidade
obrigue quem o recebe a aceitá-lo, mas o seu coração pouco se comoverá.
Lembrai-vos também de que, aos olhos de Deus, a ostentação tira o mérito ao benefício. Disse Jesus: “Ignore a vossa mão esquerda o que a direita der.” Por essa forma, ele vos ensinou a não tisnardes a caridade com o orgulho.
Deve-se distinguir a esmola, propriamente dita, da beneficência. Nem sempre o mais necessitado é o que pede. O temor de uma humilhação detém o verdadeiro pobre, que muita vez sofre sem se queixar. A esse é que o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação.
Amai-vos uns aos outros, eis toda a lei, lei divina, mediante a qual governa Deus os mundos. O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.
Não esqueçais nunca que o Espírito, qualquer que seja o grau de seu adiantamento, sua situação como encarnado, ou na erraticidade, está sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, para com o qual tem que cumprir esses mesmos deveres. Sede, pois, caridosos, praticando, não só a caridade que vos faz dar friamente o óbolo que tirais do bolso ao que vo-lo ousa pedir, mas a que vos leve ao encontro das misérias ocultas. Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes. Em vez de votardes desprezo à ignorância e ao vício, instruí os ignorantes e moralizai os viciados.
Sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à lei de Deus.”

SÃO VICENTE DE PAULO

889. Não há homens que se vêem condenados a mendigar por culpa sua?

Sem dúvida; mas, se uma boa educação moral lhes houvera ensinado a praticar a lei de Deus, não teriam caído nos excessos causadores da sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende a melhoria do vosso planeta.”

4. Amor materno e filial

890. Será uma virtude o amor materno, ou um sentimento instintivo, comum aos homens e aos animais?

Uma e outra coisa. A Natureza deu à mãe o amor a seus filhos no interesse da conservação deles. No animal, porém, esse amor se limita às necessidades materiais; cessa quando desnecessário se tornam os cuidados. No homem, persiste pela vida inteira e comporta um devotamento e uma abnegação que são virtudes. Sobrevive mesmo à morte e acompanha o filho até no além-túmulo. Bem vedes que há nele coisa diversa do que há no amor do animal.”

891. Estando em a Natureza o amor materno, como é que há mães que odeiam os filhos e, não raro, desde a infância destes?

Às vezes, é uma prova que o Espírito do filho escolheu, ou uma expiação, se aconteceu ter sido mau pai, ou mãe perversa, ou mau filho, noutra existência. Em todos os casos, a mãe má não pode deixar de ser animada por um mau Espírito que procura criar embaraços ao filho, a fim de que sucumba na prova que buscou. Mas, essa violação das leis da Natureza não ficará impune e o Espírito do filho será recompensado pelos
obstáculos de que haja triunfado.”

892. Quando os filhos causam desgostos aos pais, não têm estes desculpa para o fato de lhes não dispensarem a ternura de que os fariam objeto, em caso contrário?

Não, porque isso representa um encargo que lhes é confiado e a missão deles consiste em se esforçarem por encaminhar os filhos para o bem . Demais, esses desgostos são, amiúde, a conseqüência do mau feitio que os pais deixaram que seus filhos tomassem desde o berço. Colhem o que semearam.”

CAPÍTULO XII 

DA PERFEIÇÃO MORAL 

1. As virtudes e os vícios. - 2. Paixões. - 3. O egoísmo. - 4. Caracteres do homem de bem. - 5. Conhecimento de si mesmo. As virtudes e os vícios 

As Virtudes e os Vícios

893. Qual a mais meritória de todas as virtudes?

 “Toda virtude tem seu mérito próprio, porque todas indicam progresso na senda do bem. Há virtudes sempre que há resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. A sublimidade da virtude, porém, está no sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do próximo, sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada caridade.” 

894. Há pessoas que fazem o bem espontaneamente, sem que precisem vencer quaisquer sentimentos que lhes sejam opostos. Terão tanto mérito, quanto as que se vêem na contingência de lutar contra a natureza que lhes é própria e a vencem? 

“Só não têm que lutar aqueles em quem já há progresso realizado. Esses lutaram outrora e triunfaram. Por isso é que os bons sentimentos nenhum esforço lhes custam e suas ações lhes parecem simplíssimas. O bem se lhes tornou um hábito. Devidas lhes são as honras que se costumam tributar a velhos guerreiros que conquistaram seus altos postos.

PARTE 3ª - CAPÍTULO XII 

“Como ainda estais longe da perfeição, tais exemplos vos espantam pelo contraste com o que tendes à vista e tanto mais os admirais, quanto mais raros são. Ficai sabendo, porém, que, nos mundos mais adiantados do que o vosso, constitui a regra o que entre vós representa a exceção. Em todos os pontos desses mundos, o sentimento do bem é espontâneo, porque somente bons Espíritos os habitam. Lá, uma só intenção maligna seria monstruosa exceção. Eis por que neles os homens são ditosos. O mesmo se dará na Terra, quando a Humanidade se houver transformado, quando compreender e praticar a caridade na sua verdadeira acepção.” 

895. Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição? 

“O interesse pessoal. Freqüentemente, as qualidades morais são como, num objeto de cobre, a douradura que não resiste à pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de bem. Mas, essas qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas e às vezes basta que se fira a corda do interesse pessoal para que o fundo fique a descoberto. O verdadeiro desinteresse é coisa ainda tão rara na Terra que, quando se patenteia todos o admiram como se fora um fenômeno. “O apego às coisas materiais constitui sinal notório de inferioridade, porque, quanto mais se aferrar aos bens deste mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino. Pelo desinteresse, ao contrário, demonstra que encara de um ponto mais elevado o futuro.” 

896. Há pessoas desinteressadas, mas sem discernimento, que prodigalizam seus haveres sem utilidade real, por lhes não saberem dar emprego criterioso. Têm algum merecimento essas pessoas? 

“Têm o do desinteresse, porém não o do bem que poderiam fazer. O desinteresse é uma virtude, mas a prodigalidade irrefletida constitui sempre, pelo menos, falta de juízo. A riqueza, assim como não é dada a uns para ser aferrolhada num cofre forte, também não o é a outros para ser dispersada ao vento. Representa um depósito de que uns e outros terão de prestar contas, porque terão de responder por todo o bem que podiam fazer e não fizeram, por todas as lágrimas que podiam ter estancado com o dinheiro que deram aos que dele não precisavam.”

897. Merecerá reprovação aquele que faz o bem, sem visar a qualquer recompensa na Terra, mas esperando que lhe seja levado em conta na outra vida e que lá venha a ser melhor a sua situação? E essa preocupação lhe prejudicará o progresso? 

“O bem deve ser feito caritativamente, isto é, com desinteresse.” 

a) - Contudo, todos alimentam o desejo muito natural de progredir, para forrar-se à penosa condição desta vida. 

Os próprios Espíritos nos ensinam a praticar o bem com esse objetivo. Será, então, um mal pensarmos que, praticando o bem, podemos esperar coisa melhor do que temos na Terra? 

“Não, certamente; mas aquele que faz o bem, sem idéia preconcebida, pelo só prazer de ser agradável a Deus e ao seu próximo que sofre, já se acha num certo grau de progresso, que lhe permitirá alcançar a felicidade muito mais depressa do que seu irmão que, mais positivo, faz o bem por cálculo e não impelido pelo ardor natural do seu coração.” 

(894) b) - Não haverá aqui uma distinção a estabelecer-se entre o bem que podemos fazer ao nosso próximo e o cuidado que pomos em corrigir-nos dos nossos defeitos? 

Concebemos que seja pouco meritório fazermos o bem com a idéia de que nos seja levado em conta na outra vida; mas será igualmente indício de inferioridade emendarmo-nos, vencermos as nossas paixões, corrigirmos o nosso caráter, com o propósito de nos aproximarmos dos bons Espíritos e de nos elevarmos?

“Não, não. Quando dizemos - fazer o bem, queremos significar - ser caridoso. Procede como egoísta todo aquele que calcula o que lhe possa cada uma de suas boas ações render na vida futura, tanto quanto na vida terrena. Nenhum egoísmo, porém, há em querer o homem melhorar-se, para se aproximar de Deus, pois que é o fim para o qual devem todos tender.” 

898. Sendo a vida corpórea apenas uma estada temporária neste mundo e devendo o futuro constituir objeto da nossa principal preocupação, será útil nos esforcemos por adquirir conhecimentos científicos que só digam respeito às coisas e às necessidades materiais? 

“Sem dúvida. Primeiramente, isso vos põe em condições de auxiliar os vossos irmãos; depois, o vosso Espírito subirá mais depressa, se já houver progredido em inteligência. Nos intervalos das encarnações, aprendereis numa hora o que na Terra vos exigiria anos de aprendizado. Nenhum conhecimento é inútil; todos mais ou menos contribuem para o progresso, porque o Espírito, para ser perfeito, tem que saber tudo, e porque, cumprindo que o progresso se efetue em todos os sentidos, todas as idéias adquiridas ajudam o desenvolvimento do Espírito.” 

899. Qual o mais culpado de dois homens ricos que empregam exclusivamente em gozos pessoais suas riquezas, tendo um nascido na opulência e desconhecido sempre a necessidade, devendo o outro ao seu trabalho os bens que possui? 

“Aquele que conheceu os sofrimentos, porque sabe o que é sofrer. A dor, a que nenhum alívio procura dar, ele a conhece; porém, como freqüentemente sucede, já dela se não lembra.” 

900. Aquele que incessantemente acumula haveres, sem fazer o bem a quem quer que seja, achará desculpa, que valha, na circunstância de acumular com o fito de maior soma legar aos seus herdeiros?

 “É um compromisso com a consciência má.”

901. Figuremos dois avarentos, um dos quais nega a si mesmo o necessário e morre de miséria sobre o seu tesouro, ao passo que o segundo só o é para os outros, mostrando-se pródigo para consigo mesmo; enquanto recua ante o mais ligeiro sacrifício para prestar um serviço ou fazer qualquer coisa útil, nunca julga demasiado o que dependa para satisfazer aos seus gostos ou às suas paixões. Peça-se-lhe um obséquio e estará sempre em dificuldade para fazê-lo; imagine, porém, realizar uma fantasia e terá sempre o bastante para isso. Qual o mais culpado e qual o que se achará em pior situação no mundo dos Espíritos? 

“O que goza, porque é mais egoísta do que avarento. O outro já recebeu parte do seu castigo.” 

902. Será reprovável que cobicemos a riqueza, quando nos anime o desejo de fazer o bem? 

“Tal sentimento é, não há dúvida, louvável, quando puro. Mas, será sempre bastante desinteressado esse desejo? 

Não ocultará nenhum intuito de ordem pessoal? Não será de fazer o bem a si mesmo, em primeiro lugar, que cogita aquele, em quem tal desejo se manifesta?” 

903. Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios? 

“Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque será faltar com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer que a indulgência para com os defeitos de outrem é uma das virtudes contidas na caridade. Antes de censurardes as imperfeições dos outros, vede se de vós não poderão dizer o mesmo. Tratai, pois, de possuir as qualidades opostas aos defeitos que criticais no vosso semelhante. Esse o meio de vos tornardes superiores a ele. Se lhe censurais a ser avaro, sede generosos; se o ser orgulhoso, sede humildes e modestos; se o ser áspero, sede brandos; se o proceder com pequenez, sede grandes em todas as vossas ações. Numa palavra, fazei por maneira que se não vos possam aplicar estas palavras de Jesus: Vê o argueiro no olho do seu vizinho e não vê a trave no seu próprio.” 

904. Incorrerá em culpa aquele que sonda as chagas da sociedade e as expõe em público? 

“Depende do sentimento que o mova. Se o escritor apenas visa produzir escândalo, não faz mais do que proporcionar a si mesmo um gozo pessoal, apresentando quadros que constituem antes mau do que bom exemplo. O Espírito aprecia isso, mas pode vir a ser punido por essa espécie de prazer que encontra em revelar o mal.” a) - Como, em tal caso, julgar da pureza das intenções e da sinceridade do escritor? “Nem sempre há nisso utilidade. Se ele escrever boas coisas, aproveitai-as. Se proceder mal, é uma questão de consciência que lhe diz respeito, exclusivamente. Demais, se o escritor tem empenho em provar a sua sinceridade, apóie o que disser nos exemplos que dê.” 

905. Alguns autores hão publicado belíssimas obras de grande moral, que auxiliam o progresso da Humanidade, das quais, porém, nenhum proveito tiraram eles. Ser-lhes-á levado em conta, como Espíritos, o bem a que suas obras hajam dado lugar? 

“A moral sem as ações é o mesmo que a semente sem o trabalho. De que vos serve a semente, se não a fazeis dar frutos que vos alimentem? 

Grave é a culpa desses homens, porque dispunham de inteligência para compreender. Não praticando as máximas que ofereciam aos outros, renunciaram a colher-lhes os frutos.” 

906. Será passível de censura o homem, por ter consciência do bem que faz e por confessá-lo a si mesmo? 

“Pois que pode ter consciência do mal que pratica, do bem igualmente deve tê-la, a fim de saber se andou bem ou mal. Pesando todos os seus atos na balança da lei de Deus e, sobretudo, na lei de justiça, amor e caridade, é que poderá dizer a si mesmo se suas obras são boas ou más, que as poderá aprovar ou desaprovar. Não se lhe pode, portanto, censurar que reconheça haver triunfado dos maus pendores e que se sinta satisfeito, desde que de tal não se envaideça, porque então cairia noutra falta.” (919)

Paixões

907. Será substancialmente mau o princípio originário das paixões, embora esteja na Natureza? 

“Não; a paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal.” 

908. Como se poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más? 

“As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado e que se torna perigoso desde que passe a governar. 
Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos, ou para outrem.”
As paixões são alavancas que decuplicam as forças do homem e o auxiliam na execução dos desígnios da Providência. 
Mas, se, em vez de as dirigir, deixa que elas o dirijam, cai o homem nos excessos e a própria força que, manejada pelas suas mãos, poderia produzir o bem, contra ele se volta e o esmaga. 
Todas as paixões têm seu princípio num sentimento, ou numa necessidade natural. O princípio das paixões não é, assim, um mal, pois que assenta numa das condições providenciais da nossa existência. 
A paixão propriamente dita é a exageração de uma necessidade ou de um sentimento. Está no excesso e não na causa e este excesso se torna um mal, quando tem como conseqüência um mal qualquer.

Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza espiritual. Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal denota predominância do espírito sobre a matéria e o aproxima da perfeição. 

909. Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações? 

“Sim, e, freqüentemente, fazendo esforços muito insignificantes. O que lhe falta é a vontade. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços!” 

910. Pode o homem achar nos Espíritos eficaz assistência para triunfar de suas paixões? 

“Se o pedir a Deus e ao seu bom gênio, com sinceridade, os bons Espíritos lhe virão certamente em auxílio, porquanto é essa a missão deles.” (459) 

911. Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis, que a vontade seja impotente para dominá-las? 

“Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem, porém muito satisfeitas ficam que não seja como “querem”. Quando o homem crê que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em conseqüência da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria.” 

912. Qual o meio mais eficiente de combater-se o predomínio da natureza corpórea? 

“Praticar a abnegação.”

O egoísmo

913. Dentre os vícios, qual o que se pode considerar radical? 

“Temo-lo dito muitas vezes: o egoísmo. Daí deriva todo mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos há egoísmo. Por mais que lhes deis combate, não chegareis a extirpá-los, enquanto não atacardes o mal pela raiz, enquanto não lhe houverdes destruído a causa. Tendam, pois, todos os esforços para esse efeito, porquanto aí é que está a verdadeira chaga da sociedade. Quem quiser, desde esta vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar o seu coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o egoísmo incompatível com a justiça, o amor e a caridade. Ele neutraliza todas as outras qualidades.” 

914. Fundando-se o egoísmo no sentimento do interesse pessoal, bem difícil parece extirpá-lo inteiramente do coração humano. Chegar-se-á a consegui-lo? 

“À medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão às coisas materiais. Depois, necessário é que se reformem as instituições humanas que o entretêm e excitam. Isso depende da educação.” 

915. Por ser inerente à espécie humana, o egoísmo não constituirá sempre um obstáculo ao reinado do bem absoluto na Terra? 

“É exato que no egoísmo tendes o vosso maior mal, porém ele se prende à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra e não à Humanidade mesma. Ora, depurando-se por encarnações sucessivas, os Espíritos se despojam do egoísmo, como de suas outras impurezas. Não existirá na Terra nenhum homem isento de egoísmo e praticante da caridade? Há muito mais homens assim do que supondes. Apenas, não os conheceis, porque a virtude foge à viva claridade do dia. Desde que haja um, por que não haverá dez? Havendo dez, por que não haverá mil e assim por diante? 

916. Longe de diminuir, o egoísmo cresce com a civilização, que, até, parece, o excita e mantém. Como poderá a causa destruir o efeito? 

“Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era preciso que o egoísmo produzisse muito mal, para que compreensível se fizesse a necessidade de extirpá-lo. Os homens, quando se houverem despojado do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, sem se fazerem mal algum, auxiliando-se reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da solidariedade. Então, o forte será o amparo e não o opressor do fraco e não mais serão vistos homens a quem falte o indispensável, porque todos praticarão a lei de justiça. Esse o reinado do bem, que os Espíritos estão incumbidos de preparar.” (784) 

917. Qual o meio de destruir-se o egoísmo? 

“De todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais difícil de desenraizar-se porque deriva da influência da matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo de sua origem, não pôde libertar-se e para cujo entretenimento tudo concorre: suas leis, sua organização social, sua educação. 
O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominante sobre a vida material e, sobretudo, com a compreensão, que o Espiritismo vos faculta, do vosso estado futuro, real e não desfigurado por ficções alegóricas. 
Quando, bem compreendido, se houver identificado com os costumes e as crenças, o Espiritismo transformará os hábitos, os usos, as relações sociais. 
O egoísmo assenta na importância da personalidade. 
Ora, o Espiritismo, bem compreendido, repito, mostra as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece, de certo modo, diante da imensidade. 
Destruindo essa importância, ou, pelo menos, reduzindo-a às suas legítimas proporções, ele necessariamente combate o egoísmo. 
“O choque, que o homem experimenta, do egoísmo os outros é o que muitas vezes o faz egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Notando que os outros pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais do que com os outros. Sirva de base às instituições sociais, às relações legais de povo a povo e de homem a homem o princípio da caridade e da fraternidade e cada um pensará menos na sua pessoa, assim veja que outros nela pensam. Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e do contacto. Em face do atual extravasamento de egoísmo, grande virtude é verdadeiramente necessária, para que alguém renuncie à sua personalidade em proveito dos outros, que, de ordinário, absolutamente lhe não agradecem. Principalmente para os que possuem essa virtude, é que o reino dos céus se acha aberto. A esses, sobretudo, é que está reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que, no dia da justiça, será posto de lado e sofrerá pelo abandono, em que se há de ver, todo aquele que em si somente houver pensado.” (785) 

FÉNELON.  

Louváveis esforços indubitavelmente se empregam para fazer que a Humanidade progrida. Os bons sentimentos são animados, estimulados e honrados mais do que em qualquer outra época. Entretanto, o egoísmo, verme roedor, continua a ser a chaga social. É um mal real, que se alastra por todo o mundo e do qual cada homem é mais ou menos vítima. Cumpre, pois, combatê-lo, como se combate uma enfermidade epidêmica. Para isso, deve-se proceder como procedem os médicos: ir à origem do mal. Procurem-se em todas as partes do organismo social, da família aos povos, da choupana ao palácio, todas as causas, todas as influências que, ostensiva ou ocultamente, excitam, alimentam e desenvolvem o sentimento do egoísmo. Conhecidas as causas, o remédio se apresentará por si mesmo. Só restará então destruí-las, senão totalmente, de uma só vez, ao menos parcialmente, e o veneno pouco a pouco será eliminado. Poderá ser longa a cura, porque numerosas são as causas, mas não é impossível. Contudo, ela só se obterá se o mal for atacado em sua raiz, isto é, pela educação, não por essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas pela que tende a fazer homens de bem. A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação. É grave erro pensar-se que, para exercê-la com proveito baste o conhecimento da Ciência. Quem acompanhar, assim o filho do rico, como o do pobre, desde o instante do nascimento, o observar todas as influências perniciosas que sobre eles atuam, em conseqüência da fraqueza, da incúria e da ignorância dos que os dirigem, observando igualmente com quanta freqüência falham os meios empregados para moralizá-los, não poderá espantar-se de encontrar pelo mundo tantas esquisitices. Faça-se com o moral o que se faz com a inteligência e ver-se-á que, se há naturezas refratárias, muito maior do que se julga é o número das que apenas reclamam boa cultura, para produzir bons frutos. (872) O homem deseja ser feliz e natural é o sentimento que dá origem a esse desejo. Por isso é que trabalha incessantemente para melhorar a sua posição na Terra, que pesquisa as causas de seus males, para remediá-los. Quando compreender bem que no egoísmo reside uma dessas causas, a que gera o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio, o ciúme, que a cada momento o magoam, a que perturba todas as relações sociais, provoca as dissensões, aniquila a confiança, a que o obriga a se manter constantemente na defensiva contra o seu vizinho, enfim a que do amigo faz inimigo, ele compreenderá também que esse vício é incompatível com a sua felicidade e, podemos mesmo acrescentar, com a sua própria segurança. E quanto mais haja sofrido por efeito desse vício, mais sentirá a necessidade de combatê-lo, como se combatem a peste, os animais nocivos e todos os outros flagelos. O seu próprio interesse a isso o induzirá. (784) O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade o é de todas as virtudes. Destruir um e desenvolver a outra, tal deve ser o alvo de todos os esforços do homem, se quiser assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto quanto no futuro.

Caracteres do homem de bem

918. Por que indícios se pode reconhecer em um homem o progresso real que lhe elevará o Espírito na hierarquia espírita? 

“O espírito prova a sua elevação, quando todos os atos de sua vida corporal representam a prática da lei de Deus e quando antecipadamente compreende a vida espiritual.” 

Verdadeiramente, homem de bem é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade, na sua maior pureza. 
Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou, perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se ninguém tem motivos para dele se queixar, enfim se fez aos outros o que desejara que lhe fizessem. 
Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem contar com qualquer retribuição, e sacrifica seus interesses à justiça. 
É bondoso, humanitário e benevolente para com todos, porque vê irmãos em todos os homens, sem distinção de raças, nem de crenças. 
Se Deus lhe outorgou o poder e a riqueza, considera essas coisas como UM DEPÓSITO, de que lhe cumpre usar para o bem. 
Delas não se envaidece, por saber que Deus, que lhas deu, também lhas pode retirar. Se sob a sua dependência a ordem social colocou outros homens, trata-os com bondade e complacência, porque são seus iguais perante Deus. 
Usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para os esmagar com seu orgulho. 
É indulgente para com as fraquezas alheias, porque sabe que também precisa da indulgência dos outros e se lembra destas palavras do Cristo: Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado. 
Não é vingativo. 
A exemplo de Jesus, perdoa as ofensas, para só se lembrar dos benefícios, pois não ignora que, como houver perdoado, assim perdoado lhe será. 
Respeita, enfim, em seus semelhantes, todos os direitos que as leis da Natureza lhes concedem, como quer que os mesmos direitos lhe sejam respeitados.

Conhecimento de si mesmo

919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal? 

“Um sábio da antigüidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.” 

a) - Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. 

Qual o meio de consegui-lo?

“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. 
Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. 
Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando a Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. 
Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. 
Perguntai ainda mais: 
“Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?” 
“Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. 
As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado. 
“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. 
Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? 
Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? 
O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhosos julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos. 
Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. 
Se a censurais noutrem, não na poderia ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de Sua justiça. 
Procurai também saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo. 
Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas; dê balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas. 
Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida. 
“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? 
Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? 
Pois bem! 
Que é esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem? 
Não valerá este outro a pena de alguns esforços? 
Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. 
Ora, esta exatamente a idéia que estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. 
Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. 
Com este objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.” 

SANTO AGOSTINHO

Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente, seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos.
A forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por um sim ou não, que não abrem lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em nós.

PARTE QUARTA 

Das esperanças e consolações 

CAPÍTULO I 

DAS PENAS E GOZOS TERRESTRES 

1. Felicidade e infelicidade relativas. - 2. Perda de entes queridos. - 3. Decepções. Ingratidão. Afeições destruídas. - 4. Uniões antipáticas. - 5. Temor da morte. - 6. Desgosto da vida. Suicídio. Felicidade e infelicidade relativas 

1. Felicidade e infelicidade relativas

920. Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra? 

“Não, por isso que a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Dele, porém, depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra.” 

921. Concebe-se que o homem será feliz na Terra, quando a Humanidade estiver transformada. Mas, enquanto isso se não verifica, poderá conseguir uma felicidade relativa? 

“O homem é quase sempre o obreiro da sua própria infelicidade. Praticando a lei de Deus, a muitos males se forrará e proporcionará a si mesmo felicidade tão grande quanto o comporte a sua existência grosseira.” 
Aquele que se acha bem compenetrado de seu destino futuro não vê na vida corporal mais do que uma estação temporária, uma como parada momentânea em péssima hospedaria. Facilmente se consola de alguns aborrecimentos passageiros de uma viagem que o levará a tanto melhor posição, quanto melhor tenha cuidado dos preparativos para empreendê-la. Já nesta vida somos punidos pela infrações, que cometemos, das leis que regem a existência corpórea, sofrendo os males conseqüentes dessas mesmas infrações e dos nossos próprios excessos. Se, gradativamente, remontarmos à origem do que chamamos as nossas desgraças terrenas, veremos que, na maioria dos casos, elas são a conseqüência de um primeiro afastamento nosso do caminho reto. Desviando-nos deste, enveredamos por outro, mau, e, de conseqüência em conseqüência, caímos na desgraça.

922. A felicidade terrestre é relativa à posição de cada um. O que basta para a felicidade de um, constitui a desgraça de outro. Haverá, contudo, alguma soma de felicidade comum a todos os homens? 

“Com relação à vida material, é a posse do necessário. Com relação à vida moral, a consciência tranqüila e a fé no futuro.” 

923. O que para um é supérfluo não representará para outro, o necessário, e reciprocamente, de acordo com as posições respectivas? 

“Sim, conformemente às vossas idéias materiais, aos vossos preconceitos, à vossa ambição e às vossas ridículas extravagâncias, a que o futuro fará justiça, quando compreenderdes a verdade. Não há dúvida de que aquele que tinha cinqüenta mil libras de renda, vendo-se reduzido a só ter dez mil, se considera muito desgraçado, por não mais poder fazer a mesma figura, conservar o que chama a sua posição, ter cavalos, lacaios, satisfazer a todas as paixões, etc. Acredita que lhe falta o necessário. Mas, francamente, achas que seja digno de lástima, quando ao seu lado muitos há, morrendo de fome e frio, sem um abrigo onde repousem a cabeça? O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha sempre para baixo e não para cima, a não ser para elevar sua alma ao infinito.” (715)

924. Há males que independem da maneira de proceder do homem e que atingem mesmo os mais justos. Nenhum meio terá ele de os evitar? 

“Deve resignar-se e sofrê-los sem murmurar, se quer progredir. Sempre, porém, lhe é dado haurir consolação na própria consciência, que lhe proporciona a esperança de melhor futuro, se fizer o que é preciso para obtê-lo.” 

925. Por que favorece Deus, com os dons da riqueza, a certos homens que não parecem tê-las merecido? 

“Isso significa um favor aos olhos dos que apenas vêem o presente. Mas, ficai sabendo, a riqueza é, de ordinário, a prova mais perigosa do que a miséria.” (814 e seguintes) 

926. Criando novas necessidades, a civilização não constitui uma fonte de novas aflições? 

“Os males deste mundo estão na razão das necessidades factícias que vos criais. A muitos desenganos se poupa nesta vida aquele que sabe restringir seus desejos e olha sem inveja para o que esteja acima de si. O que menos necessidades tem, esse o mais rico. “Invejais os gozos dos que vos parecem os felizes do mundo. Sabeis, porventura, o que lhes está reservado? Se os seus gozos são todos pessoais, pertencem eles ao número dos egoístas: o reverso então virá. Deveis, de preferência, lastimá-los. Deus algumas vezes permite que o mau prospere, mas a sua felicidade não é de causar inveja, porque com lágrimas amargas a pagará. Quando um justo é infeliz, isso representa uma prova que lhe será levada em conta, se a suportar com coragem. Lembrai-vos destas palavras de Jesus: Bem-aventurados os que sofrem, pois que serão consolados.” 

927. Não há dúvida que, à felicidade, o supérfluo não é forçosamente indispensável, porém o mesmo não se dá com o necessário. Ora, não será real a infelicidade daqueles a quem falta o necessário?

“Verdadeiramente infeliz o homem só o é quando sofre a falta do necessário à vida e à saúde do corpo. Todavia, pode acontecer que essa privação seja de sua culpa. Então, só tem que se queixar de si mesmo. Se for ocasionada por outrem, a responsabilidade recairá sobre aquele que lhe houver dado causa.”

928. Evidentemente, por meio da especialidade das aptidões naturais, Deus indica a nossa vocação neste mundo. Muitos dos nossos males não advirão de não seguirmos essa vocação? 

“Assim é, de fato, e muitas vezes são os pais que, por orgulho ou avareza, desviam seus filhos da senda que a Natureza lhes traçou, comprometendo-lhes a felicidade, por efeito desse desvio. Responderão por ele.” 

a) - Acharíeis então justo que o filho de um homem altamente colocado na sociedade fabricasse tamancos, por exemplo, desde que para isso tivesse aptidão? 

“Cumpre não cair no absurdo, nem exagerar coisa alguma: a civilização tem suas exigências. 
Por que haveria de fabricar tamancos o filho de um homem altamente colocado, como dizes, se pode fazer outra coisa? 
Poderá sempre tornar-se útil na medida de suas faculdades, desde que não as aplique às avessas. 
Assim, por exemplo, em vez de mau advogado, talvez desse bom mecânico, etc.” 
No afastarem-se os homens da sua esfera intelectual reside indubitavelmente uma das mais freqüentes causas de decepção. 
A inaptidão para a carreira abraçada constitui fonte inesgotável de reveses. 
Depois, o amor-próprio, sobrevindo a tudo isso, impede que o que fracassou recorra a uma profissão mais humilde e lhe mostra o suicídio como remédio para escapar ao que se lhe afigura humilhação. Se uma educação moral o houvesse colocado acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais se teria deixado apanhar desprevenido. 

929. Pessoas há, que, baldas de todos os recursos, embora no seu derredor reine a abundância, só têm diante de si a perspectiva da morte. Que partido devem tomar? Devem deixar-se morrer de fome? 

“Nunca ninguém deve ter a idéia de deixar-se morrer de fome. O homem acharia sempre meio de se alimentar, se o orgulho não se colocasse entre a necessidade e o trabalho. Costuma-se dizer: “Não há ofício desprezível; o seu estado não é o que desonra o homem.” Isso, porém, cada um diz para os outros e não para si.” 

930. É evidente que, se não fossem os preconceitos sociais, pelos quais se deixa o homem dominar, ele sempre acharia um trabalho qualquer, que lhe proporcionasse meio de viver, embora deslocando-se da sua posição. Mas, entre os que não têm preconceitos ou os põem de lado, não há pessoas que se vêem na impossibilidade de prover às suas necessidades, em conseqüência de moléstias ou outras causas independentes da vontade delas? 

“Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome.” Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por culpa sua pode faltar o necessário. Porém, suas próprias faltas são freqüentemente resultado do meio onde se acha colocado. Quando praticar a lei de Deus, terá uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e ele próprio também será melhor.” (793) 

931. Por que são mais numerosas, na sociedade, as classes sofredoras do que as felizes? 

“Nenhuma é perfeitamente feliz e o que julgais ser a felicidade muitas vezes oculta pungentes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao teu pensamento, direi que as classes a que chamas sofredoras são mais numerosas, por ser a Terra lugar de expiação. Quando a houver transformado em morada do bem e de Espíritos bons, o homem deixará de ser infeliz aí e ela lhe será o paraíso terrestre.” 

932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?

“Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.” 

933. Assim como, quase sempre, é o homem o causador de seus sofrimentos materiais, também o será de seus sofrimentos morais? 

“Mais ainda, porque os sofrimentos materiais algumas vezes independem da vontade; mas, o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o ciúme, todas as paixões, numa palavra, são torturas da alma. “A inveja e o ciúme! Felizes os que desconhecem estes dois vermes roedores! Para aquele que a inveja e o ciúme atacam, não há calma, nem repouso possíveis. À sua frente, como fantasmas que lhe não dão tréguas e o perseguem até durante o sono, se levantam os objetos de sua cobiça, do seu ódio, do seu despeito. O invejoso e o ciumento vivem ardendo em contínua febre. Será essa uma situação desejável e não compreendeis que, com as suas paixões, o homem cria para si mesmo suplícios voluntários, tornando-se-lhe a Terra verdadeiro inferno?” Muitas expressões pintam energicamente o efeito de certas paixões. Diz-se: ímpar de orgulho, morrer de inveja, secar de ciúme ou de despeito, não comer nem beber de ciúmes, etc. Este quadro é sumamente real. Acontece até não ter o ciúme objeto determinado. Há pessoas ciumentas, por natureza, de tudo o que se eleva, de tudo o que sai da craveira vulgar, embora nenhum interesse direto tenham, mas unicamente porque não podem conseguir outro tanto. Ofusca-as tudo o que lhes parece estar acima do horizonte e, se constituíssem maioria na sociedade, trabalhariam para reduzir tudo ao nível em que se acham. É o ciúme aliado à mediocridade. De ordinário, o homem só é infeliz pela importância que liga às coisas deste mundo. Fazem-lhe a infelicidade a vaidade, a ambição e a cobiça desiludidas. Se se colocar fora do círculo acanhado da vida material, se elevar seus pensamentos para o infinito, que é seu destino, mesquinhas e pueris lhe parecerão as vicissitudes da Humanidade, como o são as tristezas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo, que resumia a sua felicidade suprema. Aquele que só vê felicidade na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros é infeliz, desde que não os pode satisfazer, ao passo que aquele que nada pede ao supérfluo é feliz com os que outros consideram calamidades. Referimo-nos ao homem civilizado, porquanto, o selvagem, sendo mais limitadas as suas necessidades, não tem os mesmos motivos de cobiça e de angústias. Diversa é a sua maneira de ver as coisas. Como civilizado, o homem raciocina sobre a sua infelicidade e a analisa. Por isso é que esta o fere. Mas, também, lhe é facultado raciocinar sobre os meios de obter consolação e de analisá-los. Essa consolação ele a encontra no sentimento cristão, que lhe dá a esperança de melhor futuro, e no Espiritismo que lhe dá a certeza desse futuro. 

2 - Perdas dos entes queridos 

934. A perda dos entes que nos são caros não constitui para nós legítima causa de dor, tanto mais legítima quanto é irreparável e independente da nossa vontade? 

“Essa causa de dor atinge assim o rico, como o pobre: representa uma prova, ou expiação, e comum é a lei. Tendes, porém, uma consolação em poderdes comunicar-vos com os vossos amigos pelos meios que vos estão ao alcance, enquanto não dispondes de outros mais diretos e mais acessíveis aos vossos sentidos.” 

935. Que se deve pensar da opinião dos que consideram profanação as comunicações com o além-túmulo? 

“Não pode haver nisso profanação, quando haja recolhimento e quando a evocação seja praticada respeitosa e convenientemente. A prova de que assim é tendes no fato de que os Espíritos que vos consagram afeição acodem com prazer ao vosso chamado. Sentem-se felizes por vos lembrardes deles e por se comunicarem convosco. Haveria profanação, se isso fosse feito levianamente.” A possibilidade de nos pormos em comunicação com os Espíritos é uma dulcíssima consolação, pois que nos proporciona meio de conversarmos com os nossos parentes e amigos, que deixaram antes de nós a Terra. Pela evocação, aproximamo-los de nós, eles vêm colocar-se ao nosso lado, nos ouvem e respondem. Cessa assim, por bem dizer, toda separação entre eles e nós. Auxiliam-nos com seus conselhos, testemunham-nos o afeto que nos guardam e a alegria que experimentam por nos lembrarmos deles. Para nós, grande satisfação é sabê-los ditosos, informar-nos, por seu intermédio, dos pormenores da nova existência a que passaram e adquirir a certeza de que um dia nos iremos a eles juntar. 

936. Como é que as dores inconsoláveis dos que sobrevivem se refletem nos Espíritos que as causam? 

“O Espírito é sensível à lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra; mas, uma dor incessante e desarrazoada o toca penosamente, porque, nessa dor excessiva, ele vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo ao adiantamento dos que o choram e talvez à sua reunião com estes.” Estando o Espírito mais feliz no Espaço que na Terra, lamentar que ele tenha deixado a vida corpórea é deplorar que seja feliz. Figuremos dois amigos que se achem metidos na mesma prisão. Ambos alcançarão um dia a liberdade, mas um a obtém antes do outro. Seria caridoso que o que continuou preso se entristecesse porque o seu amigo foi libertado primeiro? Não haveria, de sua parte, mais egoísmo do que afeição em querer que do seu cativeiro e do seu sofrer partilhasse o outro por igual tempo? O mesmo se dá com dois seres que se amam na Terra. O que parte primeiro é o que primeiro se liberta e só nos cabe felicitá-lo, aguardando com paciência o momento em que a nosso turno também o seremos. Façamos ainda, a este propósito, outra comparação. Tendes um amigo que, junto de vós, se encontra em penosíssima situação. Sua saúde ou seus interesses exigem que vá para outro país, onde estará melhor a todos os respeitos. Deixará temporariamente de se achar ao vosso lado, mas com ele vos correspondereis sempre: a separação será apenas material. Desgostar-vos-ia o seu afastamento, embora para o bem dele? Pelas provas patentes, que ministra, da vida futura, da presença, em torno de nós, daqueles a quem amamos, da continuidade da afeição e da solicitude que nos dispensavam; pelas relações que nos faculta manter com eles, a Doutrina Espírita nos oferece suprema consolação, por ocasião de uma das mais legítimas dores. Com o Espiritismo, não mais solidão, não mais abandono: o homem, por muito insulado que esteja, tem sempre perto de si amigos com quem pode comunicar-se. Impacientemente suportamos as tribulações da vida. Tão intoleráveis nos parecem, que não compreendemos possamos sofrê-las. Entretanto, se as tivermos suportado corajosamente, se soubermos impor silêncio às nossas murmurações, felicitar-nos-emos, quando fora desta prisão terrena, como o doente que sofre se felicita, quando curado, por se haver submetido a um tratamento doloroso.

3 - Decepções. Ingratidão. Afeições destruídas

937. Para o homem de coração, as decepções oriundas da ingratidão e da fragilidade dos laços da amizade não são também uma fonte de amarguras? 

“São; porém, deveis lastimar os ingratos e os infiéis: serão muito mais infelizes do que vós. A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta topará mais tarde com corações insensíveis, como o seu próprio o foi. Lembrai-vos de todos os que hão feito mais bem do que vós, que valeram muito mais do que vós e que tiveram por paga a ingratidão. Lembraivos de que o próprio Jesus foi, quando no mundo, injuriado e menosprezado, tratado de velhaco. Seja o bem que houverdes feito a vossa recompensa na Terra e não atenteis no que dizem os que hão recebido os vossos benefícios. A ingratidão é uma prova para a vossa perseverança na prática do bem; ser-vos-á levada em conta e os que vos forem ingratos serão tanto mais punidos, quanto maior lhes tenha sido a ingratidão.” 

938. As decepções oriundas da ingratidão não serão de molde a endurecer o coração e a fechá-lo à sensibilidade? 

“Fora um erro, porquanto o homem de coração, como dizes, se sente sempre feliz pelo bem que faz. Sabe que, se esse bem for esquecido nesta vida, será lembrado em outra e que o ingrato se envergonhará e terá remorsos da sua ingratidão.”

a) - Mas, isso não impede que se lhe ulcere o coração. Ora, daí não poderá nascerlhe a idéia de que seria mais feliz, se fosse menos sensível? 

“Pode, se preferir a felicidade do egoísta. Triste felicidade essa! Saiba, pois, que os amigos ingratos que os abandonam não são dignos de sua amizade e que se enganou a respeito deles. Assim sendo, não há de que lamentar o tê-los perdido. Mais tarde achará outros, que saberão compreendê-lo melhor. Lastimai os que usam para convosco de um procedimento que não tenhais merecido, pois bem triste se lhes apresentará o reverso da medalha. Não vos aflijais, porém, com isso: será o meio de vos colocardes acima deles.” 

A Natureza deu ao homem a necessidade de amar e de ser amado. Um dos maiores gozos que lhe são concedidos na Terra é o de encontrar corações que com o seu simpatizem. Dá-lhe ela, assim, as primícias da felicidade que o aguarda no mundo dos Espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benignidade. Desse gozo está excluído o egoísta.

4 - Uniões antipáticas 

939. Uma vez que os Espíritos simpáticos são induzidos a unir-se, como é que, entre os encarnados, freqüentemente só de um lado há afeição e que o mais sincero amor se vê acolhido com indiferença e, até, com repulsão? Como é, além disso, que a mais viva afeição de dois seres pode mudar-se em antipatia e mesmo em ódio? 

“Não compreendes então que isso constitui uma punição, se bem que passageira? Depois, quantos não são os que acreditam amar perdidamente, porque apenas julgam pelas aparências, e que, obrigados a viver com as pessoas amadas, não tardam a reconhecer que só experimentaram um encantamento material! Não basta uma pessoa estar enamorada de outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades. Vivendo realmente com ela é que poderá apreciá-la. Tanto assim que, em muitas uniões, que a princípio parecem destinadas a nunca ser simpáticas, acabam os que as constituíram, depois de se haverem estudado bem e de bem se conhecerem, por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, porque assente na estima! Cumpre não se esqueça de que é o Espírito quem ama e não o corpo, de sorte que, dissipada a ilusão material, o Espírito vê a realidade. “Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo com freqüência tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efêmera a do corpo. Daí vem que, muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.” 

940. Não constitui igualmente fonte de dissabores, tanto mais amargos quanto envenenam toda a existência, a falta de simpatia entre seres destinados a viver juntos? 

“Amaríssimos, com efeito. Essa, porém, é uma das infelicidades de que sois, as mais das vezes, a causa principal. 
Em primeiro lugar, o erro é das vossas leis. 
Julgas, porventura, que Deus te constranja a permanecer junto dos que te desagradam? 
Depois, nessas uniões, ordinariamente buscais a satisfação do orgulho e da ambição, mais do que a ventura de uma afeição mútua. Sofreis então as conseqüências dos vossos prejuízos.” 

a) - Mas, nesse caso, não há quase sempre uma vítima inocente? 

“Há e para ela é uma dura expiação. Mas, a responsabilidade da sua desgraça recairá sobre os que lhe tiverem sido os causadores. Se a luz da verdade já lhe houver penetrado a alma, em sua fé no futuro haurirá consolação. Todavia, à medida que os preconceitos se enfraquecerem, as causas dessas desgraças íntimas também desaparecerão.”

5 - Temor da morte

941. Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade, Donde lhes vêm esse temor, tendo elas diante de si o futuro? 

“Falece-lhes fundamento para semelhante temor. Mas, que queres! Se procuram persuadi-las, quando crianças, de que há um inferno e um paraíso e que mais certo é irem para o inferno, visto que também lhes disseram que o que está na Natureza constitui pecado mortal para a alma! Sucede então que, tornadas adultas, essas pessoas, se algum juízo têm, não podem admitir tal coisa e se fazem atéias, ou materialistas. São assim levadas a crer que, além da vida presente, nada mais há. Quanto aos que persistiram nas suas crenças da infância, esses temem aquele fogo eterno que os queimará sem os consumir. “Ao justo, nenhum temor inspira a morte, porque, com a fé, tem ele a certeza do futuro. A esperança fá-lo contar com uma vida melhor; e a caridade, a cuja lei obedece, lhe dá a segurança de que, no mundo para onde terá de ir, nenhum ser encontrará cujo olhar lhe seja de temer.” (730) O homem carnal, mais preso à vida corpórea do que à vida espiritual tem, na Terra, penas e gozos materiais. Sua felicidade consiste na satisfação fugaz de todos os seus desejos. Sua alma, constantemente preocupada e angustiada pelas vicissitudes da vida, se conserva numa ansiedade e numa tortura perpétuas. A morte o assusta, porque ele duvida do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças. O homem moral, que se colocou acima das necessidades factícias criadas pelas paixões, já neste mundo experimenta gozos que o homem material desconhece. A moderação de seus desejos lhe dá ao Espírito calma e serenidade. Ditoso pelo bem que faz, não há para ele decepções e as contrariedades lhe deslizam por sobre a alma, sem nenhuma impressão dolorosa deixarem. 

942. Pessoas não haverá que achem um tanto banais esses conselhos para ser-se feliz na Terra; que neles vejam o que chamam lugares comuns, cediças verdades; e que digam, que, afinal, o segredo para ser-se feliz consiste em saber cada um suportar a sua desgraça? 

“Há as que isso dizem e em grande número. Mas, muitas se parecem com certos doentes a quem o médico prescreve a dieta; desejariam curar-se sem remédios e continuando a apanhar indigestões.”

6 - Desgosto da vida. Suicídio

943. Donde nasce o desgosto da vida, que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos? “Efeito da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade. 

“Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da felicidade mais sólida e mais durável que o espera.” 

944. Tem o homem o direito de dispor da sua vida? 

“Não; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário importa numa transgressão desta lei.” 

a) - Não é sempre voluntário o suicídio? 

“O louco que se mata não sabe o que faz.” 

945. Que se deve pensar do suicídio que tem como causa o desgosto da vida? 

“Insensatos! 

Por que não trabalhavam? 

A existência não lhes teria sido tão pesada.” 

946. E do suicídio cujo fim é fugir, aquele que o comete, às misérias e às decepções deste mundo? 

“Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não aos que carecem de energia e de coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Ai, porém, daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade, chamam acaso, ou fortuna! O acaso, ou a fortuna, para me servir da linguagem deles, podem, com efeito, favorecê-los por um momento, mas para lhes fazer sentir mais tarde, cruelmente, a vacuidade dessas palavras.”

a) - Os que hajam conduzido o desgraçado a esse ato de desespero sofrerão as conseqüências de tal proceder? “Oh! Esses, ai deles! Responderão como por um assassínio.” 

947. Pode ser considerado suicida aquele que, a braços com a maior penúria, se deixa morrer de fome? 

“É um suicídio, mas os que lhe foram causa, ou que teriam podido impedi-lo, são mais culpados do que ele, a quem a indulgência espera. Todavia, não penseis que seja totalmente absolvido, se lhe faltaram firmeza e perseverança e se não usou de toda a sua inteligência para sair do atoleiro. Ai dele, sobretudo, se o seu desespero nasce do orgulho. Quero dizer: se for quais homens em quem o orgulho anula os recursos da inteligência, que corariam de dever a existência ao trabalho de suas mãos e que preferem morrer de fome a renunciar ao que chamam sua posição social! Não haverá mil vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em afrontar a crítica de um mundo fútil e egoísta, que só tem boa-vontade para com aqueles a quem nada falta e que vos volta as costas assim precisais dele? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é estultícia, porquanto ele a isso nenhum apreço dá.” 

948. É tão reprovável, como o que tem por causa o desespero, o suicídio daquele que procura escapar à vergonha de uma ação má? 

“O suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso ter-se a de lhe sofrer as conseqüências. Deus, que julga, pode, conforme a causa, abrandar os rigores de Sua justiça.” 

949. Será desculpável o suicídio, quando tenha por fim obstar a que a vergonha caia sobre os filhos, ou sobre a família? 

“O que assim procede não faz bem. Mas, como pensa que o faz, Deus lhe leva isso em conta, pois que é uma expiação que ele se impõe a si mesmo. A intenção lhe atenua a falta; entretanto, nem por isso deixa de haver falta. Demais; eliminai da vossa sociedade os abusos e os preconceitos e deixará de haver desses suicídios.” Aquele que tira de si mesmo a vida, para fugir à vergonha de uma ação má, prova que dá mais apreço à estima dos homens do que à de Deus, visto que volta para a vida espiritual carregado de suas iniqüidades, tendo-se privado dos meios de repará-los durante a vida corpórea. Deus, geralmente, é menos inexorável do que os homens. Perdoa aos que sinceramente se arrependem e atende à reparação. O suicídio nada repara. 

950. Que pensar daquele que se mata, na esperança de chegar mais depressa a uma vida melhor? 

“Outra loucura! Que faça o bem e mais cedo estará de lá chegar, pois, matando-se, retarda a sua entrada num mundo melhor e terá que pedir lhe seja permitido voltar, para concluir a vida a que pôs termo sob o influxo de uma idéia falsa. Uma falta, seja qual for, jamais abre a ninguém o santuário dos eleitos.” 

951. Não é, às vezes, meritório o sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes? 

“Isso é sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não constitui suicídio. Mas, Deus se opõe a todo sacrifício inútil e não o pode ver de bom grado, se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, não raro, quem o faz guarda oculto um pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.” Todo sacrifício que o homem faça à custa da sua própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque resulta da prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que maior apreço dá o homem, não comete atentado o que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes: cumpre um sacrifício. Mas, antes de o cumprir, deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua morte.

952. Comete suicídio o homem que perece vítima de paixões que ele sabia lhe haviam de apressar o fim, porém a que já não podia resistir, por havê-las o hábito mudado em verdadeiras necessidades físicas? 

“É um suicídio moral. Não percebeis que, nesse caso, o homem é duplamente culpado? Há nele então falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de Deus.” a) - Será mais, ou menos, culpado do que o que tira a si mesmo a vida por desespero? “É mais culpado, porque tem tempo de refletir sobre o seu suicídio. Naquele que o faz instantaneamente, há, muitas vezes, uma espécie de desvairamento, que alguma coisa tem da loucura. O outro será muito mais punido, por isso que as penas são proporcionadas sempre à consciência que o culpado tem das faltas que comete.” 

953. Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua morte? 

“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, mau grado às aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?” 

a) - Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o suicídio seja condenável; mas, estamos figurando o caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada de alguns instantes. “É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.” 

b) - Quais, nesse caso, as conseqüências de tal ato? “Uma expiação proporcionada, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as circunstâncias.” 

954. Será condenável uma imprudência que compromete a vida sem necessidade?

“Não há culpabilidade, em não havendo intenção, ou consciência perfeita da prática do mal.” 

955. Podem ser consideradas suicidas e sofrem as conseqüências de um suicídio as mulheres que, em certos países, se queimam voluntariamente sobre os corpos dos maridos? 

“Obedecem a um preconceito e, muitas vezes, mais à força do que por vontade. Julgam cumprir um dever e esse não é o caráter do suicídio. Encontram desculpa na nulidade moral que as caracteriza, em a sua maioria, e na ignorância em que se acham. Esses usos bárbaros e estúpidos desaparecem com o advento da civilização.” 

956. Alcançam o fim objetivado aqueles que, não podendo conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram caras, se matam na esperança de ir juntar-se-lhes? 

“Muito diverso do que esperam é o resultado que colhem. Em vez de se reunirem ao que era objeto de suas afeições, dele se afastam por longo tempo, pois não é possível que Deus recompense um ato de covardia e o insulto que Lhe fazem com o duvidarem da Sua providência. Pagarão esse instante de loucura com aflições maiores do que as que pensaram abreviar e não terão, para compensá-las, a satisfação que esperavam.” (934 e seguintes) 

957. Quais, em geral, com relação ao estado do Espírito, as conseqüências do suicídio? 

“Muito diversas são as conseqüências do suicídio. Não há penas determinadas e, em todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma conseqüência a que o suicida não pode escapar; é o desapontamento. Mas, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.” A observação, realmente, mostra que os efeitos do suicídio não são idênticos. Alguns há, porém, comuns a todos os casos de morte violenta e que são a conseqüência da interrupção brusca da vida. Há, primeiro, a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o Espírito ao corpo, por estar quase sempre esse laço na plenitude da sua força no momento em que é partido, ao passo que, no caso de morte natural, ele se enfraquece gradualmente e muitas vezes se desfaz antes que a vida se haja extinguido completamente. As conseqüências deste estado de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se à ilusão em que, durante mais ou menos tempo, o Espírito se conserva de que ainda pertence ao número dos vivos. (155 e 165) A afinidade que permanece entre o Espírito e o corpo produz nalguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no Espírito, que, assim, a seu mau grado, sente os efeitos da decomposição, donde lhe resulta uma sensação cheia de angústias e de horror, estado esse que também pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu interrupção. Não é geral este efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das conseqüências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a culpa em que incorreu. Assim é que certos Espíritos, que foram muito desgraçados na Terra, disseram ter-se suicidado na existência precedente e submetido voluntariamente a novas provas, para tentarem suportá-las com mais resignação. Em alguns, verifica-se uma espécie de ligação à matéria, de que inutilmente procuram desembaraçar-se, a fim de voarem para mundos melhores, cujo acesso, porém, se lhes conserva interdito. A maior parte deles sofre o pesar de haver feito uma coisa inútil, pois que só decepções encontram. A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis da Natureza. Todas nos dizem, em princípio, que ninguém tem o direito de abreviar voluntariamente a vida. Entretanto, por que não se tem esse direito? Por que não é livre o homem de por termo aos seus sofrimentos? Ao Espiritismo estava reservado demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é uma falta, somente por constituir infração de uma lei moral, consideração de pouco peso para certos indivíduos, mas também um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica, antes o contrário é o que se dá, como no-lo ensinam, não a teoria, porém os fatos que ele nos põe sob as vistas.

CAPÍTULO II 

DAS PENAS E GOZOS FUTUROS

1. Nada. Vida futura. - 2. Intuição das penas e gozos futuros. - 3. Intervenção de Deus nas penas e recompensas. - 4. Natureza das penas e gozos futuros. - 5. Penas temporais. - 6. Expiação e arrependimento. - 7. Duração das penas futuras. - 8. Paraíso, inferno e purgatório.

1 - O Nada. Vida futura

958. Por que tem o homem, instintivamente, horror ao nada? 

“Porque o nada não existe.” 

959. Donde nasce, para o homem, o sentimento instintivo da vida futura? 

“Já temos dito: antes de encarnar, o Espírito conhecia todas essas coisas e a alma conserva vaga lembrança do que sabe e do que viu no estado espiritual.” (393) Em todos os tempos, o homem se preocupou com o seu futuro para lá do túmulo e isso é muito natural. Qualquer que seja a importância que ligue à vida presente, não pode ele furtar-se a considerar quanto essa vida é curta e, sobretudo, precária, pois que a cada instante está sujeita a interromper-se, nenhuma certeza lhe sendo permitida acerca do dia seguinte. Que será dele, após o instante fatal? Questão grave esta, porquanto não se trata de alguns anos apenas, mas da eternidade. Aquele que tem de passar longo tempo, em país estrangeiro, se preocupa com a situação em que lá se achará. Como, então, não nos havia de preocupar a em que nos veremos, deixando este mundo, uma vez que é para sempre? A idéia do nada tem qualquer coisa que repugna à razão. O homem que mais despreocupado seja durante a vida, em chegando o momento supremo, pergunta a si mesmo o que vai ser dele e, sem o querer, espera. Crer em Deus, sem admitir a vida futura, fora um contra-senso. O sentimento de uma existência melhor reside no foro íntimo de todos os homens e não é possível que Deus aí o tenha colocado em vão. A vida futura implica a conservação da nossa individualidade, após a morte. Com efeito, que nos importaria sobreviver ao corpo, se a nossa essência moral houvesse de perder-se no oceano do infinito? As conseqüências, para nós, seriam as mesmas que se tivéssemos de nos sumir no nada.

2 - Intuição das penas e gozos futuros

960. Donde se origina a crença, com que deparamos entre todos os povos, na existência de penas e recompensas porvindouras? 

“É sempre a mesma coisa: pressentimento da realidade, trazido ao homem pelo Espírito nele encarnado. Porque, sabei-o bem, não é debalde que uma voz interior vos fala. O vosso erro consiste em não lhe prestardes bastante atenção. Melhores vos tornaríeis, se nisso pensásseis muito, e muitas vezes.” 

961. Qual o sentimento que domina a maioria dos homens no momento da morte: a dúvida, o temor, ou a esperança? 

“A dúvida, nos cépticos empedernidos; o temor, nos culpados; a esperança, nos homens de bem.” 

962. Como pode haver cépticos, uma vez que a alma traz ao homem o sentimento das coisas espirituais? 

 “Eles são em número muito menor do que se julga. Muitos se fazem de espíritos fortes, durante a vida, somente por orgulho. No momento da morte, porém, deixam de ser fanfarrões.”

A responsabilidade dos nossos atos é a conseqüência da realidade da vida futura. Dizem-nos a razão e a justiça que, na partilha da felicidade a que todos aspiram, não podem estar confundidos os bons e os maus. Não é possível que Deus queira que uns gozem, sem trabalho, de bens que outros só alcançam com esforço e perseverança. A idéia que, mediante a sabedoria de Suas leis, Deus nos dá de Sua justiça e de Sua bondade não nos permite acreditar que o justo e o mau estejam na mesma categoria a Seus olhos, nem duvidar de que recebam, algum dia, um a recompensa, o castigo o outro, pelo bem ou pelo mal que tenham feito. Por isso é que o sentimento inato que temos da justiça nos dá a intuição das penas e recompensas futuras. 

3 - Intervenção de Deus nas penas e recompensas

963. Com cada homem, pessoalmente Deus se ocupa? Não é Ele muito grande e nós muito pequeninos para que cada indivíduo em particular tenha, a Seus olhos, alguma importância? 

“Deus se ocupa com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Nada, para Sua bondade, é destituído de valor.” 

964. Mas, será necessário que Deus atente em cada um dos nossos atos, para nos recompensar ou punir? Esses atos não são, na sua maioria, insignificantes para Ele? 

“Deus tem Suas leis a regerem todas as vossas ações. Se as violais, vossa é a culpa. Indubitavelmente, quando um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere contra ele um julgamento, dizendo-lhe, por exemplo: Foste guloso, vou punir-te. Ele traçou um limite; as enfermidades e muitas vezes a morte são a conseqüência dos excessos. Eis aí a punição; é o resultado da infração da lei. Assim em tudo.” Todas as nossas ações estão submetidas às leis de Deus. Nenhuma há, por mais insignificante que nos pareça, que não possa ser uma violação daquelas leis. Se sofremos as conseqüências dessa violação, só nos devemos queixar de nós mesmos, que desse modo nos fazemos os causadores da nossa felicidade, ou da nossa infelicidade futuras. Esta verdade se torna evidente por meio do apólogo seguinte: “Um pai deu a seu filho educação e instrução, isto é, os meios de se guiar. Cede-lhe um campo para que o cultive e lhe diz: Aqui estão a regra que deves seguir e todos os instrumentos necessários a tornares fértil este campo e assegurares a tua existência. Dei-te a instrução, para compreenderes esta regra. Se a seguires, teu campo produzirá muito e te proporcionará o repouso na velhice. Se a desprezares, nada produzirá e morrerás de fome. Dito isso, deixa-o proceder livremente.” Não é verdade que esse campo produzirá na razão dos cuidados que forem dispensados à sua cultura e que toda negligência redundará em prejuízo da colheita? Na velhice, portanto, o filho será ditoso, ou desgraçado, conforme haja seguido ou não a regra que seu pai lhe traçou. Deus ainda é mais previdente, pois que nos adverte, a cada instante, de que estamos fazendo bem ou mal. Envia-nos os Espíritos para nos inspirarem, porém não os escutamos. Há mais esta diferença: Deus faculta sempre ao homem, concedendo-lhe novas existências, recursos para reparar seus erros passados, enquanto ao filho de quem falamos, se empregou mal o seu tempo, nenhum recurso resta.

4 - Natureza das penas e gozos futuros

965. Têm alguma coisa de material as penas e gozos da alma depois da morte? 

“Não podem ser materiais, di-lo o bom-senso, pois que a alma não é matéria. Nada têm de carnal essas penas e gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os experimentais na Terra, porque o Espírito, uma vez liberto, é mais impressionável. Então, já a matéria não lhe embota as sensações.” (237 a 257) 

966. Por que das penas e gozos da vida futura faz o homem, às vezes, tão grosseira e absurda idéia? 

“Inteligência que ainda se não desenvolveu bastante. Compreende a criança as coisas como o adulto? Isso, ao demais, depende também do que se lhe ensinou: aí é que há necessidade de uma reforma. “Muitíssimo incompleta é a vossa linguagem, para exprimir o que está fora de vós. Teve-se então que recorrer a comparações e tomaste como realidade as imagens e figuras que serviram para essas comparações. À medida, porém, que o homem se instrui, melhor vai compreendendo o que a sua linguagem não pode exprimir.” 

967. Em que consiste a felicidade dos bons Espíritos? 

“Em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor que os une lhes é fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos Espíritos é proporcional à elevação de cada um. Somente os puros Espíritos gozam, é exato, da felicidade suprema, mas nem todos os outros são infelizes. Entre os maus e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral. Os que já estão bastante adiantados compreendem a ventura dos que os precederam e aspiram a alcançá-la. Mas, esta aspiração lhes constitui uma causa de emulação, não de ciúme. Sabem que deles depende o consegui-la e para a conseguirem trabalham, porém com a calma da consciência tranqüila e ditosos se consideram por não terem que sofrer o que sofrem os maus.” 

968. Citais, entre as condições da felicidade dos bons Espíritos, a ausência das necessidades materiais. Mas, a satisfação dessas necessidades não representa para o homem uma fonte de gozos? 

“Sim, gozo do animal. Quando não podes satisfazer a essas necessidades, passas por uma tortura.” 

969. Que se deve entender quando é dito que os Espíritos puros se acham reunidos no seio de Deus e ocupados em Lhe entoar louvores?

“É uma alegoria indicativa da inteligência que eles têm das perfeições de Deus, porque o vêem e compreendem, mas que, como muitas outras, não se deve tomar ao pé da letra. Tudo em a Natureza, desde o grão de areia, canta, isto é, proclama o poder, a sabedoria e a bondade de Deus. Não creias, todavia, que os Espíritos bem-aventurados estejam em contemplação por toda a eternidade. Seria uma bem-aventurança estúpida e monótona. Fora, além disso, a felicidade do egoísta, porquanto a existência deles seria uma inutilidade sem-termo. Estão isentos das tribulações da vida corpórea: já é um gozo. Depois, como dissemos, conhecem e sabem todas as coisas; dão útil emprego à inteligência que adquiriram, auxiliando os progressos dos outros Espíritos. Essa a sua ocupação, que ao mesmo tempo é um gozo.” 

970. Em que consistem os sofrimentos dos Espíritos inferiores? 

“São tão variados como as causas que os determinam e proporcionados ao grau de inferioridade, como os gozos o são ao de superioridade. Podem resumir-se assim: Invejarem o que lhes falta para ser felizes e não obterem; verem a felicidade e não na poderem alcançar; pesar, ciúme, raiva, desespero, motivados pelo que os impede de ser ditosos; remorsos, ansiedade moral indefinível. Desejam todos os gozos e não podem satisfazer: eis o que os tortura.” 

971. É sempre boa a influência que os Espíritos exercem uns sobre os outros? 

“Sempre boa, está claro, da parte dos bons Espíritos. Os Espíritos perversos, esses procuram desviar da senda do bem e do arrependimento os que lhes parecem suscetíveis de se deixarem levar e que são, muitas vezes, os que eles mesmos arrastaram ao mal durante a vida terrena.” 

a) - Assim, a morte não nos livra da tentação?

“Não, mas a ação dos maus Espíritos é sempre menor sobre os outros Espíritos do que sobre os homens, porque lhes falta o auxílio das paixões materiais.” (996) 

972. Como procedem os maus Espíritos para tentar os outros Espíritos, não podendo jogar com as paixões? 

“As paixões não existem materialmente, mas existem no pensamento dos Espíritos atrasados. Os maus dão pasto a esses pensamentos, conduzindo suas vítimas aos lugares onde se lhes ofereça o espetáculo daquelas paixões e de tudo o que as possa excitar.” 

a) - Mas, de que servem essas paixões, se já não têm objeto real? 

“Nisso precisamente é que lhes está o suplício: o avarento vê ouro que lhe não é dado possuir; o devasso, orgias em que não pode tomar parte; o orgulhoso, honras que lhe causam inveja e de que não pode gozar.” 

973. Quais os sofrimentos maiores a que os Espíritos maus se vêem sujeitos? 

“Não há descrição possível das torturas morais que constituem a punição de certos crimes. Mesmo o que as sofre teria dificuldade em vos dar delas uma idéia. Indubitavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensarem que estão condenados sem remissão.” 

Das penas e gozos da alma após a morte forma o homem idéia mais ou menos elevada, conforme o estado de sua inteligência. Quanto mais ele se desenvolve, tanto mais essa idéia se apura e se escoima da matéria; compreende as coisas de um ponto de vista mais racional, deixando de tomar ao pé da letra as imagens de uma linguagem figurada. Ensinando-nos que a alma é um ser todo espiritual, a razão, mais esclarecida, nos diz, por isso mesmo, que ela não pode ser atingida pelas impressões que apenas sobre a matéria atuam. Não se segue, porém, daí que esteja isenta de sofrimentos, nem que não receba o castigo de suas faltas. (237) As comunicações espíritas tiveram como resultado, mostrar o estado futuro da alma, não mais em teoria, porém na realidade. Põem-nos diante dos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo. Ao mesmo tempo, entretanto, no-las mostram como conseqüências perfeitamente lógicas da vida terrestre e, embora despojadas do aparato fantástico que a imaginação dos homens criou, não são menos pessoais para os que fizeram mau uso de suas faculdades. Infinita é a variedade dessas conseqüências. Mas, em tese geral, pode-se dizer: cada um é punido por aquilo em que pecou. Assim é que uns o são pela visão incessante do mal que fizeram; outros, pelo pesar, pelo temor, pela vergonha, pela dúvida, pelo insulamento, pelas trevas, pela separação dos entes que lhes são caros, etc. 

974. Donde procede a doutrina do fogo eterno? “Imagem, semelhante a tantas outras, tomada como realidade.” 

a) - Mas, o temor desse fogo não produzirá bom resultado? 

“Vede se serve de freio, mesmo entre os que o ensinam. Se ensinardes coisas que mais tarde a razão venha a repelir, causareis uma impressão que não será duradoura, nem salutar.” Impotente para, na sua linguagem, definir a natureza daqueles sofrimentos, o homem não encontrou comparação mais enérgica do que a do fogo, pois, para ele, o fogo é o tipo do mais cruel suplício e o símbolo da ação mais violenta. Por isso é que a crença no fogo eterno data da mais remota antigüidade, tendo-a os povos modernos herdado dos mais antigos. Por isso também é que o homem diz, em sua linguagem figurada: o fogo das paixões; abrasar de amor, de ciúme, etc. 

975. Os Espíritos inferiores compreendem a felicidade do justo? 

“Sim, e isso lhes é um suplício, porque compreendem que estão dela privados por sua culpa. Daí resulta que o Espírito, liberto da matéria, aspira à nova vida corporal, pois que cada existência, se for bem empregada, abrevia um tanto a duração desse suplício. É então que procede à escolha das provas por meio das quais possa expiar suas faltas. Porque, ficai sabendo, o Espírito sofre por todo o mal que praticou, ou de que foi causa voluntária, por todo o bem que houvera podido fazer e não fez e por todo o mal que decorra de não haver feito o bem. “Para o Espírito errante, já não há véus. Ele se acha como tendo saído de um nevoeiro e vê o que o distancia da felicidade. Mais sofre então, porque compreende quanto foi culpado. Não tem mais ilusões: vê as coisas na sua realidade.” Na erraticidade, o Espírito descortina, de um lado, todas as suas existências passadas; de outro, o futuro que lhe está prometido e percebe o que lhe falta para atingi-lo. É qual viajor que chega ao cume de uma montanha: vê o caminho que percorreu e o que lhe resta percorrer, a fim de chegar ao fim da sua jornada. 

976. O espetáculo dos sofrimentos dos Espíritos inferiores não constitui, para os bons, uma causa de aflição e, nesse caso, que fica sendo a felicidade deles, se é assim turbada? 

“Não constitui motivo de aflição, pois que sabem que o mal terá fim. Auxiliam os outros a se melhorarem e lhes estendem as mãos. Essa a ocupação deles, ocupação que lhes proporciona gozo quando são bem sucedidos.” a) - Isto se concebe da parte de Espíritos estranhos ou indiferentes. Mas o espetáculo das tristezas e dos sofrimentos daqueles a quem amaram na Terra não lhes perturba a felicidade? “Se não vissem esses sofrimentos, é que eles vos seriam estranhos depois da morte. Ora, a religião vos diz que as almas vos vêem. Mas, eles consideram de outro ponto de vista os vossos sofrimentos. Sabem que estes são úteis ao vosso progresso, se os suportardes com resignação. Afligem-se, portanto, muito mais com a falta de ânimo que vos retarda, do que com os sofrimentos considerados em si mesmos, todos passageiros.” 

977. Não podendo os Espíritos ocultar reciprocamente seus pensamentos e sendo conhecidos todos os atos da vida, dever-se-á deduzir que o culpado está perpetuamente em presença de sua vítima? 

“Não pode ser de outro modo, di-lo o bom-senso.” 

a) - Serão um castigo para o culpado essa divulgação de todos os nossos atos reprováveis e a presença constante dos que deles foram vítimas? “Maior do que se pensa, mas tão-somente até que o culpado tenha expiado suas faltas, quer como Espírito, quer como homem, em novas existências corpóreas.” Quando nos achamos no mundo dos Espíritos, estando patente todo o nosso passado, o bem e o mal que houvermos feito serão igualmente conhecidos. Em vão, aquele que haja praticado o mal tentará escapar ao olhar de suas vítimas: a presença inevitável destas lhe será um castigo e um remorso incessante, até que haja expiado seus erros, ao passo que o homem de bem por toda parte só encontra olhares amigos e benevolentes. Para o mau, não há maior tormento, na Terra, do que a presença de suas vítimas, razão pela qual as evita continuamente. Que será quando, dissipada a ilusão das paixões, compreender o mal que fez, vir patenteados os seus atos mais secretos, desmascarada a sua hipocrisia e não puder subtrair-se à visão delas? Enquanto a alma do homem perverso é presa da vergonha, do pesar e do remorso, a do justo goza perfeita serenidade. 

978. A lembrança das faltas que a alma, quando imperfeita, tenha cometido, não lhe turba a felicidade, mesmo depois de se haver purificado? 

“Não, porque resgatou suas faltas e saiu vitoriosa das provas a que se submetera para esse fim.” 

979. Não serão, para a alma, causa de penosa apreensão, que lhe altera a felicidade, as provas por que ainda tenha de passar para acabar a sua purificação? 

“Para a alma ainda maculada, são. Daí vem que ela não pode gozar de felicidade perfeita, senão quando esteja completamente pura. Para aquela, porém, que já se elevou, nada tem de penoso o pensar nas provas que ainda haja de sofrer.”

Goza da felicidade a alma que chegou a um certo grau de pureza. Domina-a um sentimento de grata satisfação. Sente-se feliz por tudo o que vê, por tudo o que a cerca. Levanta-se-lhe o véu que encobria os mistérios e as maravilhas da Criação e as perfeições divinas em todo o esplendor lhe aparecem. 

980. O laço de simpatia que une os Espíritos da mesma ordem constitui para eles uma fonte de felicidade? 

“Os Espíritos entre os quais há recíproca simpatia para o bem encontram na sua união um dos maiores gozos, visto que não receiam vê-la turbada pelo egoísmo. Formam, no mundo inteiramente espiritual, famílias pela identidade de sentimentos, consistindo nisto a felicidade espiritual, do mesmo modo que no vosso mundo vos grupais em categorias e experimentais certo prazer quando vos achais reunidos. Na afeição pura e sincera que cada um vota aos outros e de que é por sua vez objeto, têm eles um manancial de felicidade, porquanto lá não há falsos amigos, nem hipócritas.” Das primícias dessa felicidade goza o homem na Terra, quando se lhe deparam almas com as quais pode confundir-se numa união pura e santa. Em uma vida mais purificada, inefável e ilimitado será esse gozo, pois aí ele só encontrará almas simpáticas, que o egoísmo não tornará frias. Porque, em a Natureza, tudo é amor: o egoísmo é que o mata. 

981. Com relação ao estado futuro do Espírito, haverá diferença entre um que, em vida, teme a morte e outro que a encara com indiferença e mesmo com alegria? 

“Muito grande pode ser a diferença. Entretanto, apaga-se com freqüência em face das causas determinantes desse temor ou desse desejo. Quer a tema, quer a deseje, pode o homem ser propelido por sentimentos muito diversos e são estes sentimentos que influem no estado do Espírito. É evidente, por exemplo, que naquele que deseja a morte, unicamente porque vê nela o termo de suas tribulações, há uma espécie de queixa contra a Providência e contra as provas que lhe cumpre suportar.” 

982. Será necessário que professemos o Espiritismo e creiamos nas manifestações espíritas, para termos assegurada a nossa sorte na vida futura? 

“Se assim fosse, seguir-se-ia que estariam deserdados todos os que não crêem, ou que não tiveram ensejo de esclarecer-se, o que seria absurdo. Só o bem assegura a sorte futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.” (165-799) A crença no Espiritismo ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as idéias sobre certos pontos do futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque faculta nos inteiremos do que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que nos guia. O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação; afasta-o dos atos que possam retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela ser conseguida. 

5 - Penas temporais

983. Não experimenta sofrimentos materiais o Espírito que expia suas faltas em nova existência? Será então exato dizer-se que, depois da morte, só há para a alma sofrimentos morais? 

“É bem verdade que, quando a alma está reencarnada, as tribulações da vida são-lhe um sofrimento; mas, só o corpo sofre materialmente. “Falando de alguém que morreu, costumais dizer que deixou de sofrer. Nem sempre isto exprime a realidade. Como Espírito, está isento de dores físicas; porém, tais sejam as faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a dores morais mais agudas e pode vir a ser ainda mais desgraçado em nova existência. O mau rico terá que pedir esmola e se verá a braços com todas as privações oriundas da miséria; o orgulhoso, com todas as humilhações; o que abusa de sua autoridade e trata com desprezo e dureza os seus subordinados se verá forçado a obedecer a um superior mais ríspido do que ele o foi. Todas as penas e tribulações da vida são expiação das faltas de outra existência, quando não a conseqüência das da vida atual. Logo que daqui houverdes saído, compreendê-lo-eis. (273, 393 e 399) “O homem que se considera feliz na Terra, porque pode satisfazer às suas paixões, é o que menos esforços emprega para se melhorar. Muitas vezes começa a sua expiação já nessa mesma vida de efêmera felicidade, mas certamente expiará noutra existência tão material quanto aquela.” 

984. As vicissitudes da vida são sempre a punição das faltas atuais? 

“Não; já dissemos: são provas impostas por Deus, ou que vós mesmos escolhestes como Espíritos, antes de encarnardes, para expiação das faltas cometidas em outra existência, porque jamais fica impune a infração das leis de Deus e, sobretudo, da lei de justiça. Se não for punida nesta existência, sê-lo-á necessariamente noutra. Eis porque um, que vos parece justo, muitas vezes sofre. É a punição do seu passado.” (393) 

985. Constitui recompensa a reencarnação da alma em um mundo menos grosseiro? 

“É a conseqüência de sua depuração, porquanto, à medida que se vão depurando, os Espíritos passam a encarnar em mundos cada vez mais perfeitos, até que se tenham despojado totalmente da matéria e lavado de todas as impurezas, para eternamente gozarem da felicidade dos Espíritos puros, no seio de Deus.” Nos mundos onde a existência é menos material do que neste, menos grosseiras são as necessidades e menos agudos os sofrimentos físicos. Lá, os homens desconhecem as paixões más, que, nos mundos inferiores, os fazem inimigos uns dos outros. Nenhum motivo tendo de ódio, ou de ciúme, vivem em paz, porque praticam a lei de justiça, amor e caridade. Não conhecem os aborrecimentos e cuidados que nascem da inveja, do orgulho e do egoísmo, causas do tormento da nossa existência terrestre. (172-182) 

986. Pode o Espírito, que progrediu em sua existência terrena, reencarnar alguma vez no mesmo mundo? 

“Sim; desde que não tenha logrado concluir a sua missão, pode ele próprio pedir lhe seja dado completá-la em nova existência. Mas, então, já não está sujeito a uma expiação.” (173) 

987. Que sucede ao homem que, não fazendo o mal, também nada faz para libertarse da influência da matéria? 

“Pois que nenhum passo dá para a perfeição, tem que recomeçar uma existência de natureza idêntica à precedente. Fica estacionário, podendo assim prolongar os sofrimentos da expiação.” 

988. Há pessoas cuja vida se escoa em perfeita calma; que nada precisando fazer por si mesmas, se conservam isentas de cuidados. Provará essa existência ditosa que elas nada têm que expiar de existência anterior?

 “Conheces muitas dessas pessoas? Enganas-te, se pensas que as há em grande número. Não raro, a calma é apenas aparente. Talvez elas tenham escolhido tal existência, mas, quando a deixam, percebem que não lhes serviu para progredirem. Então, como o preguiçoso, lamentam o tempo perdido. Sabei que o Espírito não pode adquirir conhecimentos e elevar-se senão exercendo a sua atividade. Se adormece na indolência, não se adianta. Assemelha-se a um que (segundo os vossos usos) precisa trabalhar e que vai passear ou deitar-se, com a intenção de nada fazer. Sabei também que cada um terá que dar contas da inutilidade voluntária da sua existência, inutilidade sempre fatal à felicidade futura. Para cada um, o total dessa felicidade futura corresponde à soma do bem que tenha feito, estando o da infelicidade na proporção do mal que haja praticado e daqueles a quem haja desgraçado.” 

989. Pessoas há que, se bem não sejam positivamente más, tornam infelizes, pelos seus caracteres, todos os que as cercam. Que conseqüências lhes advirão disso? 

“Inquestionavelmente, essas pessoas não são boas. Expiarão suas faltas, tendo sempre diante da vista aqueles a quem infelicitaram, valendo-lhes isso por uma exprobração. Depois, noutra existência, sofrerão o que fizeram sofrer.”

6 - Expiação e arrependimento

990. O arrependimento se dá no estado corporal ou no estado espiritual? 

“No estado espiritual; mas, também pode ocorrer no estado corporal, quando bem compreendeis a diferença entre o bem e o mal.’ 

991. Qual a conseqüência do arrependimento no estado espiritual? 

“Desejar o arrependido uma nova encarnação para se purificar. O Espírito compreende as imperfeições que o privam de ser feliz e por isso aspira a uma nova existência em que possa expiar suas faltas.” (332-975) 

992. Que conseqüência produz o arrependimento no estado corporal? 

“Fazer que, já na vida atual, o Espírito progrida, se tiver tempo de reparar suas faltas. Quando a consciência o exprobra e lhe mostra uma imperfeição, o homem pode sempre melhorar-se.” 

993. Não há homens que só têm o instinto do mal e são inacessíveis ao arrependimento? 

“Já te disse que todo Espírito tem que progredir incessantemente. Aquele que, nesta vida, só tem o instinto do mal, terá noutra o do bem e é para isso que renasce muitas vezes, pois preciso é que todos progridam e atinjam a meta. A diferença está somente em que uns gastam mais tempo do que outros, porque assim o querem. Aquele, que só tem o instinto do bem, já se purificou, visto que talvez tenha tido o do mal em anterior existência.” (804)

994. O homem perverso, que não reconheceu suas faltas durante a vida, sempre as reconhece depois da morte? 

“Sempre as reconhece e, então, mais sofre, porque sente em si todo o mal que praticou, ou de que foi voluntariamente causa. Contudo, o arrependimento nem sempre é imediato. Há Espíritos que se obstinam em permanecer no mau caminho, não obstante os sofrimentos por que passam. Porém, cedo ou tarde, reconhecerão errada a senda que tomaram e o arrependimento virá. Para esclarecê-los trabalham os bons Espíritos e também vós podeis trabalhar.” 

995. Haverá Espíritos que, sem serem maus, se conservem indiferentes `a sua sorte? 

“Há Espíritos que de coisa alguma útil se ocupam. Estão na expectativa. Mas, nesse caso, sofrem proporcionalmente. Devendo em tudo haver progresso, neles o progresso se manifesta pela dor.” 

a) - Não desejam esses Espíritos abreviar seus sofrimentos? 

“Desejam-no, sem dúvida, mas falta-lhes energia bastante para quererem o que os pode aliviar. Quantos indivíduos se contam, entre vós, que preferem morrer de miséria a trabalhar?” 

996. Pois que os Espíritos vêem o mal que lhes resulta de suas imperfeições, como se explica que haja os que agravam suas situações e prolongam o estado de inferioridade em que se encontram, fazendo o mal como Espíritos, afastando do bom caminho os homens? 

“Assim procedem os de tardio arrependimento. Pode também acontecer que, depois de se haver arrependido, o Espírito se deixe arrastar de novo para o caminho do mal, por outros Espíritos ainda mais atrasados.” (971) 

997. Vêem-se Espíritos, de notória inferioridade, acessíveis aos bons sentimentos e sensíveis às preces que por eles se fazem. Como se explica que outros Espíritos, que devêramos supor mais esclarecidos, revelam um endurecimento e um cinismo, dos quais coisa alguma consegue triunfar? 

“A prece só tem efeito sobre o Espírito que se arrepende. Com relação aos que, impelidos pelo orgulho, se revoltam contra Deus e persistem nos seus desvarios, chegando mesmo a exagerá-los, como o fazem alguns desgraçados Espíritos, a prece nada pode e nada poderá, senão no dia em que um clarão de arrependimento se produza neles.” (664) Não se deve perder de vista que o Espírito não se transforma subitamente, após a morte do corpo. Se viveu vida condenável, é porque era imperfeito. Ora, a morte não o torna imediatamente perfeito. Pode, pois, persistir em seus erros, em suas falsas opiniões, em seus preconceitos, até que se haja esclarecido pelo estudo, pela reflexão e pelo sofrimento. 

998. A expiação se cumpre no estado corporal ou no estado espiritual? 

“A expiação se cumpre durante a existência corporal, mediante as provas a que o Espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao estado de inferioridade do Espírito.” 

999. Basta o arrependimento durante a vida para que as faltas do Espírito se apaguem e ele ache graça diante de Deus? 

“O arrependimento concorre para a melhoria do Espírito, mas ele tem que expiar o seu passado.” 

a) - Se, diante disto, um criminoso dissesse que, cumprindo-lhe, em todo caso, expiar o seu passado, nenhuma necessidade tem de se arrepender, que é o que daí lhe resultaria? 

“Tornar-se mais longa e mais penosa a sua expiação, desde que ele se torne obstinado no mal.” 

1000. Já desde esta vida poderemos ir resgatando as nossas faltas? 

“Sim, reparando-as. Mas, não creiais que as resgateis mediante algumas privações pueris, ou distribuindo em esmolas o que possuirdes, depois que morrerdes, quando de nada mais precisais. Deus não dá valor a um arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas custa o esforço de bater no peito. A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um serviço, apaga mais faltas do que o suplício da carne suportado durante anos, com objetivo exclusivamente pessoal. (726) “Só por meio do bem se repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta, se não atinge o homem nem no seu orgulho, nem no seus interesses materiais. “De que serve, para sua justificação, que restitua, depois de morrer, os bens mal adquiridos, quando se lhe tornaram inúteis e deles tirou todo o proveito? “De que lhe serve privar-se de alguns gozos fúteis, de algumas superfluidades, se permanece integral o dano que causou a outrem? “De que lhe serve, finalmente, humilhar-se diante de Deus, se, perante os homens, conserva o seu orgulho?” (720-721) 

1001. Nenhum mérito haverá em assegurarmos, para depois de nossa morte, emprego útil aos bens que possuímos? 

“Nenhum mérito não é o termo. Isso sempre é melhor do que nada. A desgraça, porém, é que aquele, que só depois de morto dá, é quase sempre mais egoísta do que generoso. Quer ter o fruto do bem, sem o trabalho de praticá-lo. Duplo proveito tira aquele que, em vida se priva de alguma coisa; o mérito do sacrifício e o prazer de ver felizes os que lhe devem a felicidade. Mas, lá está o egoísmo a dizer-lhe: O que dás tiras aos teus gozos; e, como o egoísmo fala mais alto do que o desinteresse e a caridade, o homem guarda o que possui, pretextando suas necessidades pessoais e as exigências da sua posição! Ah! Lastimai aquele que desconhece o prazer de dar; acha-se verdadeiramente privado de um dos mais puros e suaves gozos. Submetendo-o à prova da riqueza, tão escorregadia e perigosa para o seu futuro, houve Deus por bem conceder-lhe, como compensação, a ventura da generosidade, de já neste mundo pode gozar.” (814) 

1002. Que deve fazer aquele que, em artigo de morte, reconhece suas faltas, quando já não tem tempo de as reparar? Basta-lhe nesse caso arrepender-se? 

“O arrependimento lhe apressa a reabilitação, mas não o absolve. Diante dele não se desdobra o futuro, que jamais se lhe tranca?”

7 - Duração das penas futuras

1003. É arbitrária ou sujeita a uma lei qualquer a duração dos sofrimentos do culpado, na vida futura? 

“Deus nunca obra caprichosamente e tudo, no Universo, se rege por leis, em que a Sua sabedoria e a Sua bondade se revelam.” 1004. Em que se baseia a duração dos sofrimentos do culpado? “No tempo necessário a que se melhore. Sendo o estado de sofrimento ou de felicidade proporcionado ao grau de purificação do Espírito, a duração e a natureza de seus sofrimentos dependem do tempo que ele gaste em melhorar-se. À medida que progride e que os sentimentos se lhe depuram, seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.” 

SÃO LUÍS.

1005. Ao Espírito sofredor, o tempo se afigura tão ou menos longo do que quando estava vivo? 

“Parece-lhe mais longo: para ele não existe o sono. Só para os Espíritos que já chegaram a certo grau de purificação, o tempo, por assim dizer, se apaga diante do infinito.” (240)

PARTE 4ª - CAPÍTULO II

1006. Poderão durar eternamente os sofrimentos do Espírito? 

“Poderiam, se ele pudesse ser eternamente mau, isto é, se jamais se arrependesse e melhorasse, sofreria eternamente. Mas, Deus não criou seres tendo por destino permanecerem votados perpetuamente ao mal. Apenas os criou a todos simples e ignorantes, tendo todos, no entanto, que progredir em tempo mais ou menos longo, conforme decorrer da vontade de cada um. Mais ou menos tardia pode ser a vontade, do mesmo modo que há crianças mais ou menos precoces, porém, cedo ou tarde, ela aparece, por efeito da irresistível necessidade que o Espírito sente de sair da inferioridade e de se tornar feliz. Eminentemente sábia e magnânima é, pois, a lei que rege a duração das penas, porquanto subordina essa duração aos esforços do Espírito. Jamais o priva do seu livrearbítrio: se deste faz ele mau uso, sofre as conseqüências.” 

SÃO LUÍS.

1007. Haverá Espíritos que nunca se arrependem? 

“Há-os de arrependimento muito tardio; porém, pretender-se que nunca se melhorarão fora negar a lei do progresso e dizer que a criança não pode tornar-se homem.” 

SÃO LUÍS. 

1008. Depende sempre da vontade do Espírito a duração das penas? Algumas não haverá que lhe sejam impostas por tempo determinado? 

Sim, ao Espírito podem ser impostas penas por determinado tempo; mas, Deus, que só quer o bem de Suas criaturas, acolhe sempre o arrependimento e infrutífero jamais fica o desejo que o Espírito manifeste de se melhorar.” 

SÃO LUÍS. 

1009. Assim, as penas impostas jamais o são por toda a eternidade? 

“Interrogai o vosso bom-senso, a vossa razão e perguntai-lhes se uma condenação perpétua, motivada por alguns momentos de erro, não seria a negação da bondade de Deus. Que é, com efeito, a duração da vida, ainda quando de cem anos, em face da eternidade? Eternidade! Compreendeis bem esta palavra? Sofrimentos, torturas sem-fim, sem esperanças, por causa de algumas faltas! O vosso juízo não repele semelhante idéia? Que os antigos tenham considerado o Senhor do Universo um Deus terrível, cioso e vingativo, concebe-se. Na ignorância em que se achavam, atribuíam à divindade as paixões dos homens. Esse, todavia, não é o Deus dos cristãos, que classifica como virtudes primordiais o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das ofensas. Poderia Ele carecer das qualidades, cuja posse prescreve, como um dever, às Suas criaturas? Não haverá contradição em se Lhe atribuir a bondade infinita e a vingança também infinita? Dizeis que, acima de tudo, Ele é justo e que o homem não Lhe compreende a justiça. Mas, a justiça não exclui a bondade e Ele não seria bom, se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria das suas criaturas. Teria o direito de fazer da justiça uma obrigação para Seus filhos, se lhes não desse meio de compreendê-la? Aliás, no fazer que a duração das penas dependa dos esforços do culpado não está toda a sublimidade da justiça unida à bondade? Aí é que se encontra a verdade desta sentença: “A cada um segundo as suas obras.” 

SANTO AGOSTINHO.

“Aplicai-vos, por todos os meios ao vosso alcance, em combater, em aniquilar a idéia da eternidade das penas, idéia blasfematória da justiça e da bondade de Deus, gérmen fecundo da incredulidade, do materialismo e da indiferença que invadiram as massas humanas, desde que as inteligências começaram a desenvolver-se. O Espírito, prestes a esclarecer-se, ou mesmo apenas desbastado, logo lhe apreendeu a monstruosa injustiça. Sua razão a repele e, então, raro é que não englobe no mesmo repúdio a pena que o revolta e o Deus a quem a atribui. Daí os males sem conta que hão desabado sobre vós e aos quais vimos trazer remédio. Tanto mais fácil será a tarefa que vos apontamos, quanto é certo que todas as autoridades em quem se apóiam os defensores de tal crença evitaram todas pronunciar-se formalmente a respeito. Nem os concílios, nem os Pais da Igreja resolveram essa grave questão. Muito embora, segundo os Evangelistas e tomadas ao pé da letra as palavras emblemáticas do Cristo, ele tenha ameaçado os culpados com um fogo que se não extingue, com um fogo eterno, absolutamente nada se encontra nas suas palavras capaz de provar que os haja condenado eternamente. “Pobres ovelhas desgarradas, aprendei a ver aproximar-se de vós o bom Pastor, que, longe de vos banir para todo o sempre de sua presença, vem pessoalmente ao vosso encontro, para vos reconduzir ao aprisco. Filhos pródigos, deixai o vosso voluntário exílio; encaminhai vossos passos para a morada paterna. O Pai vos estende os braços e está sempre pronto a festejar o vosso regresso ao seio da família.” 

LAMENNAIS.

“Guerras de palavras! Guerras de palavras! Ainda não basta o sangue que tendes feito correr! Será ainda preciso que se reacendam as fogueiras? Discutem sobre palavras: eternidade das penas, eternidade dos castigos. Ignorais então que o que hoje entendeis por eternidade não é o que os antigos entendiam e designavam por esse termo? Consulte o teólogo as fontes e lá descobrirá, como todos vós, que o texto hebreu não atribuía esta significação ao vocábulo que os gregos, os latinos e os modernos traduziram por penas semfim, irremissíveis. Eternidade dos castigos corresponde à eternidade do mal. Sim, enquanto existir o mal entre os homens, os castigos subsistirão. Importa que os textos sagrados se interpretem no sentido relativo. A eternidade das penas é, pois, relativa e não absoluta. Chegue o dia em que todos os homens, pelo arrependimento, se revistam da túnica da inocência e desde esse dia deixará de haver gemidos e ranger de dentes. Limitada tendes, é certo, a vossa razão humana, porém, tal como a tendes, ela é uma dádiva de Deus e, com auxílio dessa razão, nenhum homem de boa-fé haverá que de outra forma compreenda a eternidade dos castigos. Pois que! Fora necessário admitir-se por eterno o mal. Somente Deus é eterno e não poderia ter criado o mal eterno; do contrário, forçoso seria tirar-se-Lhe o mais magnífico dos Seus atributos: o soberano poder, porquanto não é soberanamente poderoso aquele que cria um elemento destruidor de suas obras. Humanidade! Humanidade! Não mergulhes mais os teus tristes olhares nas profundezas da Terra, procurando aí os castigos. Chora, espera, expia e refugia-te na idéia de um Deus intrinsecamente bom, absolutamente poderoso, essencialmente justo.”  
“Gravitar para a unidade divina, eis o fim da Humanidade. Para atingi-lo, três coisas são necessárias: a Justiça, o Amor e a Ciência. Três coisas lhe são opostas e contrárias: a ignorância, o ódio e a injustiça. Pois bem! Digo-vos, em verdade, que mentis a estes princípios fundamentais, comprometendo a idéia de Deus, com o Lhe exagerardes a severidade. Duplamente a comprometeis, deixando que no Espírito da criatura penetre a suposição de que há nela mais clemência, mais virtude, amor e verdadeira justiça, do que atribuis ao Ser infinito. Destruís mesmo a idéia do inferno, tornando-o ridículo e inadmissível às vossas crenças, como o é aos vossos corações o horrendo espetáculo das execuções, das fogueiras e das torturas da Idade Média! Pois que! Quando banida se acha para sempre das legislações humanas a era das cegas represálias, é que esperais mantê-la no ideal? Oh! Crede-me, crede-me, irmãos em Deus e em Jesus-Cristo, crede-me: ou vos resignais a deixar que pereçam nas vossas mãos todos os vossos dogmas, de preferência a que se modifiquem, ou, então, vivificai-os, abrindo-os aos benfazejos eflúvios que os Bons, neste momento, derramam neles. A idéia do inferno, com as suas fornalhas ardentes, com as suas caldeiras a ferver, pôde ser tolerada, isto é, perdoável num século de ferro; porém, no século dezenove, não passa de vão fantasma, próprio, quando muito, para amedrontar criancinhas e em que estas, crescendo um pouco, logo deixam de crer. Se persistirdes nessa mitologia aterradora, engendrareis a incredulidade, mãe de toda a desorganização social. Tremo, entrevendo toda uma ordem social abalada e a ruir sobre os seus fundamentos, por falta de sanção penal. Homens de fé ardente e viva, vanguardeiros do dia da luz, mãos à obra, não para manter fábulas que envelheceram e se desacreditaram, mas para reavivar, revivificar a verdadeira sanção penal, sob formas condizentes com os vossos costumes, os vossos sentimentos e as luzes da vossa época. “Quem é, com efeito, o culpado? É aquele que, por um desvio, por um falso movimento da alma, se afasta do objetivo da criação, que consiste no culto harmonioso do belo, do bem, idealizados pelo arquétipo humano, pelo Homem-Deus, por Jesus-Cristo. “Que é o castigo? A conseqüência natural, derivada desse falso movimento; uma certa soma de dores necessária a desgostá-lo da sua deformidade, pela experimentação do sofrimento. O castigo é o aguilhão que estimula a alma, pela amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o porto de salvação. O castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção. Querê-lo eterno, por uma falta não eterna, é negar-lhe toda a razão de ser. “Oh! Em verdade vos digo, cessai, cessai de pôr em paralelo, na sua eternidade, o Bem, essência do Criador, com o Mal, essência da criatura. Fora criar uma penalidade injustificável. Afirmai, ao contrário, o abrandamento gradual dos castigos e das penas pelas transgressões e consagrareis a unidade divina, tendo unidos o sentimento e a razão.” 

PAULO, apóstolo.

Com o atrativo de recompensas e temor de castigos, procura-se estimular o homem para o bem e desviá-lo do mal. Se esses castigos, porém, lhe são apresentados de forma que a sua razão se recuse a admiti-los, nenhuma influência terão sobre ele. Longe disso, rejeitará tudo: a forma e o fundo. Se, ao contrário, lhe apresentarem o futuro de maneira lógica, ele não o repelirá. O Espiritismo lhe dá essa explicação. A doutrina da eternidade das penas, em sentido absoluto, faz do Ente Supremo um Deus implacável. Seria lógico dizer-se, de um soberano, que é muito bom, muito magnânimo, muito indulgente, que só quer a felicidade dos que o cercam, mas que ao mesmo tempo é cioso, vingativo, de inflexível rigor e que pune com o castigo extremo as três quartas partes dos seus súditos, por uma ofensa, ou uma infração de suas leis, mesmo quando praticada pelos que não as conheciam? Não haveria aí contradição? Ora, pode Deus ser menos bom do que o seria um homem? Outra contradição. Pois que Deus tudo sabe, sabia, ao criar uma alma, se esta viria a falir ou não. Ela, pois, desde a sua formação, foi destinada à desgraça eterna. Será isto possível, racional? Com a doutrina das penas relativas, tudo se justifica. Deus sabia, sem dúvida, que ela faliria, mas lhe deu meios de se instruir pela sua própria experiência, mediante suas próprias faltas. É necessário, que expie seus erros, para melhor se firmar no bem, mas a porta da esperança não se lhe fecha para sempre e Deus faz que, dos esforços que ela empregue para o conseguir, dependa a sua redenção. Isto toda gente pode compreender e a mais meticulosa lógica pode admitir. Menos cépticos haveria, se deste ponto de vista fossem apresentadas as penas futuras. Na linguagem vulgar, a palavra eterno é muitas vezes empregada figuradamente, para designar uma coisa de longa duração, cujo termo não se prevê, embora se saiba muito bem que esse termo existe. Dizemos, por exemplo, os gelos eternos das altas montanhas, dos pólos, embora saibamos, de um lado, que o mundo físico pode ter fim e, de outro lado, que o estado dessas regiões pode mudar pelo deslocamento normal do eixo da Terra, ou por um cataclismo. Assim, neste caso, o vocábulo - eterno não quer dizer perpétuo ao infinito. Quando sofremos de uma enfermidade duradoura, dizemos que o nosso mal é eterno. Que há, pois, de admirar em que Espíritos que sofrem há anos, há séculos, há milênios mesmo, assim também se exprimam? Não esqueçamos, principalmente, que, não lhes permitindo a sua inferioridade divisar o ponto extremo do caminho, crêem que terão de sofrer sempre, o que lhes é uma punição. Demais, a doutrina do fogo material, das fornalhas e das torturas, tomadas ao Tártaro do paganismo, está hoje completamente abandonada pela alta teologia e só nas escolas esses aterradores quadros alegóricos ainda são apresentados como verdades positivas, por alguns homens mais zelosos do que instruídos, que assim cometem grave erro, porquanto as imaginações juvenis, libertando-se dos terrores, poderão ir aumentar o número dos incrédulos. A Teologia reconhece hoje que a palavra fogo é usada figuradamente e que se deve entender como significando fogo moral (974). Os que têm acompanhado, como nós, as peripécias da vida e dos sofrimentos de além-túmulo, através das comunicações espíritas, hão podido convencer-se de que, por nada terem de material, eles não são menos pungentes. Mesmo relativamente à duração, alguns teólogos começam a admiti-la no sentido restritivo acima indicado e pensam que, com efeito, a palavra eterno se pode referir às penas em si mesmas, como conseqüência de uma lei imutável, e não à sua aplicação a cada indivíduo. No dia em que a Religião admitir esta interpretação, assim como algumas outras também decorrentes do progresso das luzes, muitas ovelhas desgarradas reunirá.

Ressurreição da carne

1010. O dogma da ressurreição da carne será a consagração da reencarnação ensinada pelos Espíritos? 

“Como quereríeis que fosse de outro modo? Conforme sucede com tantas outras, estas palavras só parecem despropositadas, no entender de algumas pessoas, porque as tomam ao pé da letra. Levam, por isso, à incredulidade. Dai-lhes uma interpretação lógica e os que chamais livres pensadores as admitirão sem dificuldades, precisamente pela razão de que refletem. Porque, não vos enganeis, esses livres pensadores o que mais pedem e desejam é crer. Têm, como os outros, ou, talvez, mais que os outros, a sede do futuro, mas não podem admitir o que a ciência desmente. A doutrina da pluralidade das existências é consentânea com a justiça de Deus; só ela explica o que, sem ela, é inexplicável. Como havíeis de pretender que o seu princípio não estivesse na própria religião?” - Assim, pelo dogma da ressurreição da carne, a própria Igreja ensina a doutrina da reencarnação? “É evidente, Demais essa doutrina decorre de muitas coisas que têm passado despercebidas e que dentro em pouco se compreenderão neste sentido. Reconhecer-se-á em breve que o Espiritismo ressalta a cada passo do texto mesmo das Escrituras sagradas. Os Espíritos, portanto, não vêm subverter a religião, como alguns o pretendem. Vêm, ao contrário, confirmá-la, sancioná-la por provas irrecusáveis. Como, porém, são chegados os tempos de não mais empregarem linguagem figurada, eles se exprimem sem alegorias e dão às coisas sentido claro e preciso, que não possa estar sujeito a qualquer interpretação falsa. Eis por que, daqui a algum tempo, muito maior será do que é hoje o número de pessoas sinceramente religiosas e crentes.” 

SÃO LUÍS.

Efetivamente, a Ciência demonstra a impossibilidade da ressurreição, segundo a idéia vulgar. Se os despojos do corpo humano se conservassem homogêneos, embora dispersos e reduzidos a pó, ainda se conceberia que pudessem reunir-se em dado momento. As coisas, porém, não se passam assim. O corpo é formado de elementos diversos: o oxigênio, hidrogênio, azoto, carbono, etc. Pela decomposição, esses elementos se dispersam, mas para servir à formação de novos corpos, de tal sorte que uma mesma molécula, de carbono, por exemplo, terá entrado na composição de muitos milhares de corpos diferentes (falamos unicamente dos corpos humanos, sem ter em conta os dos animais); que um indivíduo tem talvez em seu corpo moléculas que já pertenceram a homens das primitivas idades do mundo; que essas mesmas moléculas orgânicas que absorveis nos alimentos provêm, possivelmente, do corpo de tal outro indivíduo que conhecestes e assim por diante. Existindo em quantidade definida a matéria e sendo indefinidas as suas combinações, como poderia cada um daqueles corpos reconstituir-se com os mesmos elementos? Há aí impossibilidade material. Racionalmente, pois, não se pode admitir a ressurreição da carne, senão como uma figura simbólica do fenômeno da reencarnação. E, então, nada mais há que aberre da razão, que esteja em contradição com os dados da Ciência. É exato que, segundo o dogma, essa ressurreição só no fim dos tempos se dará, ao passo que, segundo a doutrina Espírita, ocorre todos os dias. Mas, nesse quadro do julgamento final, não haverá uma grande e bela imagem a ocultar, sob o véu da alegoria, uma dessas verdades imutáveis, em presença das quais deixará de haver cépticos, desde que lhes seja restituída a verdadeira significação? Dignem-se de meditar a teoria espírita sobre o futuro das almas e sobre a sorte que lhes cabe, por efeito das diferentes provas que lhes cumpre sofrer, e verão que, exceção feita da simultaneidade, o juízo que as condena ou absolve não é uma ficção, como pensam os incrédulos. Notemos mais que aquela teoria é a conseqüência natural da pluralidade dos mundos, hoje perfeitamente admitida, enquanto que, segundo a doutrina do juízo final, a Terra passa por ser o único mundo habitado.

8 - Paraíso, inferno e purgatório

1012. Haverá no Universo lugares circunscritos para as penas e gozos dos Espíritos segundo seus merecimentos? (Nota Especial n°1 (à 34ª edição, em 1974), a que faz remissão a pág. 51: A definição dada na resposta à questão n° 1 de “O Livro dos Espíritos” - cause première - vem sendo tradicionalmente registrada nas traduções publicadas pela FEB, ou sob sua licença e responsabilidade, em língua portuguesa, como causa primária, embora haja quem prefira grafá-la como causa primeira, solução alternativa para mero caso de semântica. Além da de Guillon Ribeiro, foram examinadas as traduções das edições publicadas em 1904 e 1889, bem assim a de Fortúnio - pseudônimo de Joaquim Carlos Travassos - (B. L. Garnier, Editor, Rio, 1875), que é a da 1ª edição em língua portuguesa lançada no Brasil (vide “Reformador” de 1952, págs. 98/99, e de 1973, págs. 230 e segs.), todas norteadas por idêntico critério quanto ao detalhe citado. Com os melhores dicionaristas, no caso, está Domingos de Azevedo, autor do “Grande Dicionário FrancêsPortuguês”, Livraria Bertrand, Lisboa, 1952, 2° volume, pág. 1160: “premier, ière (...) | | Fig. La cause première, a causa primária, Deus.”)

“Já respondemos a esta pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais ou menos felizes ou desgraçados, conforme é mais ou menos adiantado o mundo em que habitam.” - De acordo, então, com o que vindes de dizer, o inferno e o paraíso não existem, tais como o homem os imagina? “São simples alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e inditosos. Entretanto, conforme também há dissemos, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.” 

A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não lhe é possível compreender.

1013. Que se deve entender por purgatório? 

“Dores físicas e morais: o tempo da expiação. Quase sempre, na Terra é que fazeis o vosso purgatório e que Deus vos obriga a expiar as vossas faltas.” O que o homem chama purgatório é igualmente uma alegoria, devendo-se entender como tal, não um lugar determinado, porém, o estado dos Espíritos imperfeitos que se acham em expiação até alcançarem a purificação completa, que os levará à categoria dos Espíritos bem-aventurados. Operando-se essa purificação por meio das diversas encarnações, o purgatório consiste nas provas da vida corporal. 

1014. Como se explica que Espíritos, cuja superioridade se revela na linguagem de que usam, tenham respondido a pessoas muito sérias, a respeito do inferno e do purgatório, de conformidade com as idéias correntes? 

“É que falam uma linguagem que possa ser compreendida pelas pessoas que os interrogam. Quando estas se mostram imbuídas de certas idéias, eles evitam chocá-las muito bruscamente, a fim de lhes não ferir as convicções. Se um Espírito dissesse a um muçulmano, sem precauções oratórias, que Maomet não foi profeta, seria muito mal acolhido.” - Concebe-se que assim procedam os Espíritos que nos querem instruir. Como, porém, se explica que, interrogados acerca da situação em que se achavam, alguns Espíritos tenham respondido que sofriam as torturas do inferno ou do purgatório? “Quando são inferiores e ainda não completamente desmaterializados, os Espíritos conservam uma parte de suas idéias terrenas e, para dar suas impressões, se servem dos termos que lhes são familiares. Acham-se num meio que só imperfeitamente lhes permite sondar o futuro. Essa a causa de alguns Espíritos errantes, ou recém-desencarnados, falarem como o fariam se estivessem encarnados. Inferno pode traduzir por uma vida de provações, extremamente dolorosa, com a incerteza de haver outra melhor; purgatório, por uma vida também de provações, mas com a consciência de melhor futuro. Quando experimentas uma grande dor, não costumas dizer que sofres como um danado? Tudo isso são apenas palavras e sempre ditas em sentido figurado.”

1015. Que se deve entender por - uma alma a penar? 

“Uma alma errante e sofredora, incerta de seu futuro e à qual podeis proporcionar o alívio, que muitas vezes solicita, vindo comunicar-se convosco.” (664) 

1016. Em que sentido se deve entender a palavra céu? 

“Julgas que seja um lugar, como os campos Elíseos dos antigos, onde todos os bons Espíritos estão promiscuamente aglomerados, sem outra preocupação que a de gozar, pela eternidade toda, de uma felicidade passiva? Não; é o espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos os mundos superiores, onde os Espíritos gozam plenamente de suas faculdades, sem as tribulações da vida material, nem as angústias peculiares à inferioridade.” 

1017. Alguns Espíritos disseram estar habitando o quarto, o quinto céus, etc. Que querem dizer com isso? 

“Perguntando-lhes que céu habitam, é que formais idéia de muitos céus dispostos como os andares de uma casa. Eles, então, respondem de acordo com a vossa linguagem. Mas, por estas palavras - quarto e quinto céus - exprimem diferentes graus de purificação e, por conseguinte, de felicidade. É exatamente como quando se pergunta a um Espírito se está no inferno. Se for desgraçado, dirá - sim, porque, para ele, inferno é sinônimo de sofrimento. Sabe, porém, muito bem que não é uma fornalha. Um pagão diria estar no Tártaro.” O mesmo ocorre com outras expressões análogas, tais como: cidade das flores, cidade dos eleitos, primeira, segunda ou terceira esfera, etc., que apenas são alegorias usadas por alguns Espíritos, quer como figuras, quer, algumas vezes, por ignorância da realidade das coisas, e até das mais simples noções científicas. De acordo com a idéia restrita que se fazia outrora dos lugares das penas e das recompensas e, sobretudo, de acordo com a opinião de que a Terra era o centro do Universo, de que o firmamento formava uma abóbada e que havia uma região das estrelas, o céu era situado no alto e o inferno em baixo. Daí as expressões: subir ao céu, estar no mais alto dos céus, ser precipitado nos infernos. Hoje, que a Ciência demonstrou ser a Terra apenas, entre tantos milhões de outros, uns dos menores mundos, sem importância especial; que traçou a história da sua formação e lhe descreveu a constituição; que provou ser infinito o espaço, não haver alto nem baixo no Universo, teve-se que renunciar a situar o céu acima das nuvens e o inferno nos lugares inferiores. Quanto ao purgatório, nenhum lugar lhe fora designado. Estava reservado ao Espiritismo dar de tudo isso a explicação mais racional, mais grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora para a humanidade. Pode-se assim dizer que trazemos em nós mesmos o nosso inferno e o nosso paraíso. O purgatório, achamo-lo na encarnação, nas vidas corporais ou físicas. 

1018. Em que sentido se devem entender estas palavras do Cristo: Meu reino não é deste mundo? 

“Respondendo assim, o Cristo falava em sentido figurado. Queria dizer que o seu reinado se exerce unicamente sobre os corações puros e desinteressados. Ele está onde quer que domine o amor do bem. Ávidos, porém, das coisas deste mundo e apegados aos bens da Terra, os homens com ele não estão.” 

1019. Poderá jamais implantar-se na Terra o reinado do bem? 

“O bem reinará na Terra quando, entre os Espíritos que a vêm habitar, os bons predominarem, porque, então, farão que aí reinem o amor e a justiça, fonte do bem e da felicidade. Por meio do progresso moral e praticando as leis de Deus é que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e dela afastará os maus. Estes, porém, não a deixarão, senão quando daí estejam banidos o orgulho e o egoísmo. “Predita foi a transformação da Humanidade e vos avizinhais do momento em que se dará, momento cuja chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso. Essa transformação se verificará por meio da encarnação de Espíritos melhores, que constituirão na Terra uma geração nova. Então, os Espíritos dos maus, que a morte vai ceifando dia a dia, e todos os que tentem deter a marcha das coisas serão daí excluídos, pois que viriam a estar deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ao mesmo tempo que trabalharão pelo de seus irmãos mais atrasados. Neste banimento de Espíritos da Terra transformada, não percebeis a sublime alegoria do Paraíso perdido e, na vinda do homem para a Terra em semelhantes condições, trazendo em si o gérmen de suas paixões e os vestígios da sua inferioridade primitiva, não descobris a não menos sublime alegoria do pecado original? Considerado deste ponto de vista, o pecado original se prende à natureza ainda imperfeita do homem que, assim, só é responsável por si mesmo, pelas suas próprias faltas e não pelas de seus pais. “Todos vós, homens de fé e de boa-vontade, trabalhai, portanto, com ânimo e zelo na grande obra da regeneração, que colhereis pelo cêntuplo o grão que houverdes semeado. Ai dos que fecham os olhos à luz! Preparam para si mesmos longos séculos de trevas e decepções. Ai dos que fazem dos bens deste mundo a fonte de todas as suas alegrias! Terão que sofrer privações muito mais numerosas do que os gozos de que desfrutaram! Ai, sobretudo, dos egoístas! Não acharão quem os ajude a carregar o fardo de suas misérias.” 

SÃO LUÍS.

CONCLUSÃO

I

Quem, de magnetismo terrestre, apenas conhecesse o brinquedo dos patinhos imantados que, sob a ação do imã, se movimentam em todas as direções numa bacia com água, dificilmente poderia compreender que ali está o segredo do mecanismo do Universo e da marcha dos mundos. O mesmo se dá com quem, do Espiritismo, apenas conhece o movimento das mesas, em o qual só vê um divertimento, um passatempo, sem compreender que esse fenômeno tão simples e vulgar, que a antigüidade e até povos semi-selvagens conheceram, possa ter ligação com as mais graves questões da ordem social. Efetivamente, para o observador superficial, que relação pode ter com a moral e o futuro da Humanidade uma mesa que se move? Quem quer, porém, que reflita se lembrará de que de uma simples panela a ferver e cuja tampa se erguia continuamente, fato que também ocorre desde toda a antigüidade, saiu o possante motor com que o homem transpõe o espaço e suprime as distâncias. Pois bem! Sabei, vós que não credes senão no que pertence ao mundo material, que dessa mesa, que gira e vos faz sorrir desdenhosamente, saiu uma ciência, assim como a solução dos problemas que nenhuma filosofia pudera ainda resolver. Apelo para todos os adversários de boa-fé e os adjuro a que digam se se deram ao trabalho de estudar o que criticam. Porque, em boa lógica, a crítica só tem valor quando o crítico é conhecedor daquilo de que fala. Zombar de uma coisa que se não conhece, que se não sondou com o escalpelo do observador consciencioso, não é criticar, é dar prova de leviandade e triste mostra de falta de critério. Certamente que, se houvéssemos apresentado esta filosofia como obra de um cérebro humano, menos desdenhoso tratamento encontraria e teria merecido as honras do exame dos que pretendem dirigir a opinião. Vem ela, porém, dos Espíritos. Que absurdo! Mal lhe dispensam um simples olhar. Julgam-na pelo título, como o macaco da fábula julgava da noz pela casca. Fazei, se quiserdes, abstração da sua origem. Suponde que este livro é obra de um homem e dizei, do íntimo e em consciência, se, depois de o terdes lido seriamente, achais nele matéria para zombaria.

II

O Espiritismo é o mais terrível antagonista do materialismo. Não é, pois, de admirar que tenha por adversários os materialistas. Mas, como o materialismo é uma doutrina cujos adeptos mal ousam confessar que o são (prova de que não se consideram muito fortes e têm a dominá-los a consciência), eles se acobertam com o manto da razão e da ciência. E, coisa estranha, os mais cépticos chegam a falar em nome da religião, que não conhecem e não compreendem melhor que ao Espiritismo. Por ponto de mira tomam o maravilhoso e o sobrenatural, que não admitem. Ora, dizem, pois que o Espiritismo se funda no maravilhoso, não pode deixar de ser uma suposição ridícula. Não refletem que, condenando, sem restrições, o maravilhoso e o sobrenatural, também condenam a religião. Com efeito, a religião se funda na revelação e nos milagres. Ora, que é a revelação, senão um conjunto de comunicações extraterrenas? Todos os autores sagrados, desde Moisés, têm falado dessa espécie de comunicações. Que são os milagres, senão fatos maravilhosos e sobrenaturais, por excelência, visto que, no sentido litúrgico, constituem derrogações das leis da Natureza? Logo, rejeitando o maravilhoso e o sobrenatural, eles rejeitam as bases mesmas da religião. Não é deste ponto de vista, porém, que devemos encarar a questão.

Ao Espiritismo não compete examinar se há ou não milagres, isto é, se em certos casos houve Deus por bem derrogar as leis eternas que regem o Universo. Permite, a este respeito, inteira liberdade de crença. Diz e prova que os fenômenos em que se baseia, de sobrenaturais só têm a aparência. E parecem tais a algumas pessoas, apenas porque são insólitos e diferentes dos fatos conhecidos. Não são, contudo, mais sobrenaturais do que todos os fenômenos, cuja explicação a Ciência hoje dá e que parecem maravilhosos noutra época. Todos os fenômenos espíritas, sem exceção, resultam de leis gerais. Revelam-nos uma das forças da Natureza, força desconhecida, ou, por melhor dizer, incompreendida até agora, mas que a observação demonstra estar na ordem das coisas. Assim, pois, o Espiritismo se apóia menos no maravilhoso e no sobrenatural do que a própria religião. Conseguintemente, os que o atacam por esse lado mostram que o não conhecem e, ainda quando fossem os maiores sábios, lhes diríamos: se a vossa ciência, que vos instruiu em tantas coisas, não vos ensinou que o domínio da Natureza é infinito, sois apenas meio sábios.


III

Dizeis que desejais curar o vosso século de uma mania que ameaça invadir o mundo. Preferiríeis que o mundo fosse invadido pela incredulidade que procurais propagar? A que se deve atribuir o relaxamento dos laços de família e a maior parte das desordens que minam a sociedade, senão à ausência de toda crença? Demonstrando a existência e a imortalidade da alma, o Espiritismo reaviva a fé no futuro, levanta os ânimos abatidos, faz suportar com resignação as vicissitudes da vida. Ousaríeis chamar a isto um mal? Duas doutrinas se defrontam: uma, que nega o futuro; outra, que lhe proclama e prova a existência; uma, que nada explica, outra, que explica tudo e que, por isso mesmo, se dirige à razão; uma, que é a sanção do egoísmo; outra, que oferece base à justiça, à caridade e ao amor do próximo. A primeira somente mostra o presente e aniquila toda esperança; a segunda consola e desvenda o vasto campo do futuro. Qual a mais preciosa? Algumas pessoas, dentre as mais cépticas, se fazem apóstolos da fraternidade e do progresso. Mas, a fraternidade pressupõe desinteresse, abnegação da personalidade. Com que direito impondes um sacrifício àquele a quem dizeis que, com a morte, tudo se lhe acabará; que amanhã, talvez, ele não será mais do que uma velha máquina desmantelada e atirada ao monturo? Que razões terá ele para impor a si mesmo uma privação qualquer? Não será mais natural que trate de viver o melhor possível, durante os breves instantes que lhe concedeis? Daí o desejo de possuir muito para melhor gozar. Do desejo nasce a inveja dos que possuem mais e, dessa inveja à vontade de apoderar-se do que a estes pertence, o passo é curto. Que é que o detém? A lei? A lei, porém, não abrange todos os casos. Direis que a consciência, o sentimento do dever. Mas, em que baseias o sentimento do dever? Terá razão de ser esse sentimento, de par com a crença de que tudo se acaba com a vida? Onde essa crença exista, uma só máxima é racional: cada um por si, não passando de vãs palavras as idéias de fraternidade, de consciência, de dever, de humanidade, mesmo de progresso. Oh! Vós que proclamais semelhantes doutrinas, não sabeis quão grande é o mal que fazeis à sociedade, nem de quantos crimes assumis a responsabilidade! Para o céptico, tal coisa não existe. Só à matéria rende ele homenagem.

IV

O progresso da Humanidade tem seu princípio na aplicação da lei de justiça, de amor e de caridade, lei que se funda na certeza do futuro. Tirai-lhe essa certeza e lhe tirareis a pedra fundamental. Dessa lei derivam todas as outras, porque ela encerra todas as condições da felicidade do homem. Só ela pode curar as chagas dasociedade. Comparando as idades e os povos, pode ele avaliar quanto a sua condição melhora, à medida que essa lei vai sendo mais bem compreendida e praticada. Ora, se, aplicando-a parcial e incompletamente, aufere o homem tanto bem, que não conseguirá quando fizer dela a base de todas as suas instituições sociais! Será isso possível? Certo, porquanto, desde que ele já deu dez passos, possível lhe é dar vinte e assim por diante. Do futuro se pode, pois, julgar pelo passado. Já vemos que pouco a pouco se extinguem as antipatias de povo para povo. Diante da civilização, diminuem as barreiras que os separavam. De um extremo a outro do mundo, eles se estendem as mãos. Maior justiça preside à elaboração das leis internacionais. As guerras se tornam cada vez mais raras e não excluem os sentimentos de humanidade. Nas relações, a uniformidade se vai estabelecendo. Apagam-se as distinções de raças e de castas e os que professam crenças diversas impõem silêncio aos prejuízos de seita, para se confundirem na adoração de um único Deus. Falamos dos povos que marcham à testa da civilização. (789-793) A todos estes respeitos, no entanto, longe ainda estamos da perfeição e muitas ruínas antigas, ainda se têm que abater, até que não restem mais vestígios da barbaria. Poderão acaso essas ruínas sustentar-se contra a força irresistível do progresso, contra essa força viva que é, em si mesma, uma lei da Natureza? Sendo a geração atual mais adiantada do que a anterior, por que não o será mais do que a presente a que lhe há de suceder? Sê-lo-á, pela força das coisas. Primeiro, porque, com as gerações, todos os dias se extinguem alguns campeões dos velhos abusos, o que permite à sociedade formar-se de elementos novos, livres dos velhos preconceitos. Em segundo lugar, porque, desejando o progresso, o homem estuda os obstáculos e se aplica a removê-los. Desde que é incontestável o movimento progressivo, não há que duvidar do progresso vindouro. O homem quer ser feliz e é natural esse desejo. Ora, buscando progredir, o que ele procura é aumentar a soma da sua felicidade, sem o que o progresso careceria de objeto. Em que consistiria para ele o progresso, se lhe não devesse melhorar a posição? Quando, porém, conseguir a soma de gozos que o progresso intelectual lhe pode proporcionar, verificará que não está completa a sua felicidade. Reconhecerá ser esta impossível, sem a segurança nas relações sociais, segurança que somente no progresso moral lhe será dado achar. Logo, pela força mesma das coisas, ele próprio dirigirá o progresso para essa senda e o Espiritismo lhe oferecerá a mais poderosa alavanca para alcançar tal objetivo.

V

Os que dizem que as crenças espíritas ameaçam invadir o mundo, proclamam, ipso facto, a força do Espiritismo, porque jamais poderia tornar-se universal uma idéia sem fundamento e destituída de lógica. Assim, se o Espiritismo se implanta por toda parte, se, principalmente nas classes cultas, recruta adeptos, como todos facilmente reconhecerão, é que tem um fundo de verdade. Baldados, contra essa tendência, serão todos os esforços dos seus detratores e a prova é que o próprio ridículo, de que procuram cobri-lo, longe de lhe amortecer o ímpeto, parece ter-lhe dado novo vigor, resultado que plenamente justifica o que repetidas vezes os Espíritos hão dito: “Não vos inquieteis com a oposição; tudo o que contra vós fizerem se tornará o vosso favor e os vossos maiores adversários, sem o quererem, servirão à vossa causa. Contra a vontade de Deus não poderá prevalecer a mávontade dos homens.” Por meio do Espiritismo, a Humanidade tem que entrar numa nova fase, a do progresso moral que lhe é conseqüência inevitável. Não mais, pois, vos espanteis da rapidez com que as idéias espíritas se propagam. A causa dessa celeridade reside na satisfação que trazem a todos os que as aprofundam e que nelas vêem alguma coisa mais do que fútil passatempo.. Ora, como cada um o que acima de tudo quer é a sua felicidade, nada há de surpreendente em que cada um se apegue a uma idéia que faz ditosos os que a esposam. Três períodos distintos apresenta o desenvolvimento dessas idéias: primeiro, o da curiosidade, que a singularidade dos fenômenos produzidos desperta; segundo, o do raciocínio e da filosofia; terceiro, o da aplicação e das conseqüências. O período da curiosidade passou; a curiosidade dura pouco. Uma vez satisfeita, muda de objeto. O mesmo não acontece com o que desafia a meditação séria e o raciocínio. Começou o segundo período, o terceiro virá inevitavelmente. O Espiritismo progrediu principalmente depois que foi sendo mais bem compreendido na sua essência íntima, depois que lhe perceberam o alcance, porque tange a corda mais sensível do homem: a da sua felicidade, mesmo neste mundo. Aí a causa da sua propagação, o segredo da força que o fará triunfar. Enquanto a sua influência não atinge as massas, ele vai felicitando os que o compreendem. Mesmo os que nenhum fenômeno têm testemunhado, dizem: à parte esses fenômenos, há a filosofia, que me explica o que NENHUMA OUTRA me havia explicado. Nela encontro, por meio unicamente do raciocínio, uma solução racional para os problemas que no mais alto grau interessam ao meu futuro. Ela me dá calma, firmeza, confiança; livra-me do tormento da incerteza. Ao lado de tudo isto, secundária se torna a questão dos fatos materiais. Quereis, vós todos que o atacais, um meio de combatê-lo com êxito? Aqui o tendes. Substituí-o por alguma coisa melhor; indicai solução MAIS FILOSÓFICA para todas as questões que ele resolveu; dai ao homem OUTRA CERTEZA que o faça mais feliz, porém compreendei bem o alcance desta palavra certeza, porquanto o homem não aceita, como certo, senão o que lhe parece lógico. Não vos contenteis com dizer: isto não é assim; demasiado fácil é semelhante afirmativa. Provai, não por negação, mas por fatos, que isto não é real, nunca o foi e NÃO PODE ser. Se não é, dizei o que o é, em seu lugar. Provai, final mente, que as conseqüências do Espiritismo não são tornar melhor o homem e, portanto, mais feliz, pela prática da mais pura moral evangélica, moral a que se tecem muitos louvores, mas que muito pouco se pratica. Quando houverdes feito isso, tereis o direito de o atacar. O Espiritismo é forte porque assenta sobre as próprias bases da religião; Deus, a alma, as penas e as recompensas futuras; sobretudo, porque mostra que essas penas e recompensas são corolários naturais da vida terrestre e, ainda, porque, no quadro que apresenta do futuro, nada há que a razão mais exigente possa recusar. Que compensação ofereceis aos sofrimentos deste mundo, vós cuja doutrina consiste unicamente na negação do futuro? Enquanto vos apoiais na incredulidade, ele se apóia na confiança em Deus; ao passo que convida os homens à felicidade, à esperança, à verdadeira fraternidade, vós lhes ofereceis o nada por perspectiva e o egoísmo por consolação. Ele tudo explica, vós nada explicais. Ele prova pelos fatos, vós nada provais. Como quereis que se hesite entre as duas doutrinas?

VI

Falsíssima idéia formaria do Espiritismo quem julgasse que a sua força lhe vem da prática das manifestações materiais e que, portanto, obstando-se a tais manifestações, se lhe terá minado a base. Sua força está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão, ao bomsenso. na antigüidade, era objeto de estudos misteriosos, que cuidadosamente se ocultavam do vulgo. Hoje, para ninguém tem segredos. Fala uma linguagem clara, sem ambigüidades. Nada há nele de místico, nada de alegorias susceptíveis de falsas interpretações. Quer ser por todos compreendido, porque chegados são os tempos de fazer-se que os homens conheçam a verdade. Longe de se opor à difusão da luz, deseja-a para todo o mundo. Não reclama crença cega; quer que o homem saiba por que crê. Apoiando-se na razão, será sempre mais forte do que os que se apóiam no nada. 
Os obstáculos que tentassem oferecer à liberdade das manifestações poderiam pôrlhe fim? Não, porque produziriam o efeito de todas as perseguições: o de excitar a curiosidade e o desejo de conhecer o que foi proibido. De outro lado, se as manifestações espíritas fossem privilégio de um único homem, sem dúvida que, segregado esse homem, as manifestações cessariam. Infelizmente para os seus adversários, elas estão ao alcance de toda gente e todos a elas recorrem, desde o mais pequenino até o mais graduado, desde o palácio até a mansarda. Poderão proibir que sejam obtidas em público. Sabe-se, porém, precisamente que em público não é onde melhor se dão e sim na intimidade. Ora, podendo todos ser médiuns, quem poderá impedir que uma família, no seu lar; um indivíduo, no silêncio de seu gabinete; o prisioneiro, no seu cubículo, entrem em comunicação com os Espíritos, a despeito dos esbirros e mesmo na presença deles? Se as proibirem num país, poderão obstar a que se verifiquem nos países vizinhos, no mundo inteiro, uma vez que nos dois hemisférios não há lugar onde não existam médiuns? Para se encarcerarem todos os médiuns, preciso fora que se encarcerasse a metade do gênero humano. Chegassem mesmo, o que não seria mais fácil, a queimar todos os livros espíritas e no dia seguinte estariam reproduzidos, porque inatacável é a fonte donde dimanam e porque ninguém pode encarcerar ou queimar os Espíritos, seus verdadeiros autores. O Espiritismo não é obra de um homem. Ninguém pode inculcar-se como seu criador, pois tão antigo é ele quanto a criação. Encontramo-lo por toda parte, em todas as religiões, principalmente na religião Católica e aí com mais autoridade do que em todas as outras, porquanto nela se nos depara o princípio de tudo que há nele: os Espíritos em todos os graus de elevação, suas relações ocultas e ostensivas com os homens, os anjos guardiães, a reencarnação, a emancipação da alma durante a vida, a dupla vista, todos os gêneros de manifestações, as aparições e até as aparições tangíveis. Quanto aos demônios, esses não são senão os maus Espíritos e, salvo a crença de que aqueles foram destinados a permanecer perpetuamente no mal, ao passo que a senda do progresso se conserva aberta aos segundos, não há entre uns e outros mais do que simples diferença de nomes. Que faz a moderna ciência espírita? Reúne em corpo de doutrina o que estava esparso: explica, com os termos próprios, o que só era dito em linguagem alegórica; poda o que a superstição e a ignorância engendraram, para só deixar o que é real e positivo. Esse o seu papel! O de fundadora não lhe pertence. Mostra o que existe, coordena, porém não cria, por isso que suas bases são de todos os tempos e de todos os lugares. Quem, pois, ousaria considerar-se bastante forte para abafá-la com sarcasmos, ou, ainda, com perseguições? Se a proscreverem de um lado, renascerá noutras partes, no próprio terreno donde a tenham banido, porque ela está em a Natureza e ao homem não é dado aniquilar uma força da Natureza, nem opor veto aos decretos de Deus. Que interesse, aos demais, haveria em obstar-se a propagação das idéias espíritas? É exato que elas se erguem contra os abusos que nascem do orgulho e do egoísmo. Mas, se é certo que desses abusos há quem aproveite, à coletividade humana eles prejudicam. A coletividade, portanto, será favorável a tais idéias, contando-se-lhes por adversários sérios apenas os interessados em manter aqueles abusos. As idéias espíritas, ao contrário, são um penhor de ordem e tranqüilidade, porque, pela sua influência, os homens se tornam melhores uns para com os outros, menos ávidos das coisas materiais e mais resignados aos decretos da Providência.

VII

O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: o das manifestações, o dos princípios e da filosofia que delas decorrem e o da aplicação desses princípios. Daí, três classes, ou, antes, três graus de adeptos: 1° os que crêem nas manifestações e se limitam a compro vá-las; para esses, o Espiritismo é uma ciência experimental; 2° os que lhe percebem as conseqüências morais; 3° os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral. Qualquer que seja o ponto de vista, científico ou moral, sob que considerem esses estranhos fenômenos, todos compreendem constituírem eles uma ordem, inteiramente nova, de idéias que surge e da qual não pode deixar de resultar uma profunda modificação no estado da Humanidade e compreendem que essa modificação não pode deixar de operar-se no sentido do bem. Quanto aos adversários, também podemos classificá-los em três categorias. 1ª - A dos que negam sistematicamente tudo o que é novo, ou deles não venha, e que falam sem conhecimento de causa. A esta classe pertencem todos os que não admitem senão o que possa ter o testemunho dos sentidos. Nada viram, nada querem ver e ainda menos aprofundar. Ficariam mesmo aborrecidos se vissem as coisas muito claramente, porque forçoso lhes seria convir em que não têm razão. Para eles, o Espiritismo é uma quimera, uma loucura, uma utopia, não existe: está dito tudo. São os incrédulos de caso pensado. Ao lado desses, podem colocar-se os que não se dignam de dar aos fatos a mínima atenção, sequer por desencargo de consciência, a fim de poderem dizer: Quis ver e nada vi. Não compreendem que seja preciso mais de meia hora para alguém se inteirar de uma ciência. 2ª - A dos que, sabendo muito bem o que pensar da realidade dos fatos, os combatem, todavia, por motivos de interesse pessoal. Para estes, o Espiritismo existe, mas lhes receiam as conseqüências. Atacam-no como a um inimigo. 3ª - A dos que acham na moral espírita censura por demais severa aos seus atos ou às suas tendências. Tomado ao sério, o Espiritismo os embaraçaria; não o rejeitam, nem o aprovam: preferem fechar os olhos. Os primeiros são movidos pelo orgulho e pela presunção; os segundos, pela ambição; os terceiros, pelo egoísmo. Concebe-se que, nenhuma solidez tendo, essas causas de oposição venham a desaparecer com o tempo, pois em vão procuraríamos uma quarta classe de antagonistas, a dos que em patentes provas contrárias se apoiassem demonstrando estudo laborioso e porfiado da questão. Todos apenas opõem a negação, nenhum aduz demonstração, séria e irrefutável. Fora presumir da natureza humana supor que ela possa transformar-se de súbito, por efeito das idéias espíritas. A ação que estas exercem não é certamente idêntica, nem do mesmo grau, em todos os que as professam. Mas, o resultado dessa ação, qualquer que seja, ainda que extremamente fraco, representa sempre uma melhora. Será, quando menos, o de dar a prova da existência de um mundo extracorpóreo, o que implica a negação das doutrinas materialistas. Isto deriva da só observação dos fatos, porém, para os que compreendem o Espiritismo filosófico e nele vêem outra coisa, que não somente fenômenos mais ou menos curiosos, diversos são os seus efeitos. O primeiro e mais geral consiste e desenvolver o sentimento religioso até naquele que, sem ser materialista, olha com absoluta indiferença para as questões espirituais. Daí lhe advém o desprezo pela morte. Não dizemos o desejo de morrer; longe disso, porquanto o espírita defenderá sua vida como qualquer outro, mas uma indiferença que o leva a aceitar, sem queixa, nem pesar, uma morte inevitável, como coisa mais de alegrar do que de temer, pela certeza que tem do estado que se lhe segue. O segundo efeito, quase tão geral quanto o primeiro, é a resignação nas vicissitudes da vida. O Espiritismo dá a ver as coisas de tão alto, que, perdendo a vida terrena três quartas partes da sua importância, o homem não se aflige tanto com as tribulações que a acompanham. Daí, mais coragem nas aflições, mais moderação nos desejos. Daí, também, o banimento da idéia de abreviar os dias da existência, por isso que a ciência espírita ensina que, pelo suicídio, sempre se perde o que se queria ganhar. A certeza de um futuro, que temos a faculdade de tornar feliz, a possibilidade de estabelecermos relações com os entes que nos são caros, oferecem ao espírita suprema consolação. O horizonte se lhe dilata ao infinito, graças ao espetáculo, a que assiste incessantemente, da vida de além-túmulo, cujas misteriosas profundezas lhe é facultado sondar. O terceiro efeito é o estimular no homem a indulgência para com os defeitos alheios. Todavia, cumpre dizê-lo, o princípio egoísta e tudo que dele decorre são o que há de mais tenaz no homem e, por conseguinte, de mais difícil de desarraigar. Toda gente faz voluntariamente sacrifícios, contanto que nada custem e de nada privem. Para a maioria dos homens, o dinheiro tem ainda irresistível atrativo e bem poucos compreendem a palavra supérfluo, quando de suas pessoas se trata. Por isso mesmo, a abnegação da personalidade constitui sinal de grandíssimo progresso. 

VIII

Perguntam algumas pessoas: Ensinam os Espíritos qualquer moral nova, qualquer coisa superior ao que disse o Cristo? Se a moral deles não é senão a do Evangelho, de que serve o Espiritismo? Este raciocínio se assemelha notavelmente ao do califa Omar, com relação à biblioteca de Alexandria: “Se ela não contém, dizia ele, mais do que o que está no Alcorão, é inútil. Logo deve ser queimada. Se contém coisa diversa, é nociva. Logo, também deve ser queimada.” Não, o Espiritismo não traz moral diferente da de Jesus. Mas, perguntamos, por nossa vez: Antes que viesse o Cristo, não tinham os homens a lei dada por Deus a Moisés? A doutrina do Cristo não se acha contida no Decálogo? Dir-se-á, por isso, que a moral de Jesus era inútil? Perguntaremos, ainda, aos que negam utilidade à moral espírita: Por que tão pouco praticada é a do Cristo? E por que, exatamente os que com justiça lhe proclamam a sublimidade, são os primeiros a violar-lhe o preceito capital: o da caridade universal? Os Espíritos vêm não só confirmá-la, mas também mostrar-nos a sua utilidade prática. Tornam inteligíveis e patentes verdades que haviam sido ensinadas sob a forma alegórica. E, justamente com a moral, trazem-nos a definição dos mais abstratos problemas da psicologia. Jesus veio mostrar aos homens o caminho do verdadeiro bem. Por que, tendo-o enviado para fazer lembrada Sua lei que estava esquecida, não havia Deus de enviar hoje os Espíritos, a fim de a lembrarem novamente aos homens, e com maior precisão, quando eles a olvidam, para tudo sacrificar ao orgulho e à cobiça? Quem ousaria pôr limites ao poder de Deus e traçar-Lhe normas? Quem nos diz que, como o afirmam os Espíritos, não estão chegando os tempos preditos e que não chegamos aos em que verdades mal compreendidas, ou falsamente interpretadas, devam ser ostensivamente reveladas ao gênero humano, para lhe apressar o adiantamento? Não haverá alguma coisa de providencial nessas manifestações que se produzem simultaneamente em todos os pontos do globo? Não é um único homem, um profeta quem nos vem advertir. A luz surge por toda parte. É todo um mundo novo que se desdobra às nossas vistas. Assim como a invenção do microscópio nos revelou o mundo dos infinitamente pequenos, de que não suspeitávamos; assim como o telescópio nos revelou milhões de mundos de cuja existência também não suspeitávamos, as comunicações espíritas nos revelam o mundo invisível que nos cerca, nos acotovela constantemente e que, à nossa revelia, toma parte em tudo o que fazemos. Decorrido que seja mais algum tempo, a existência desse mundo, que nos espera, se tornará tão incontestável como a do mundo microscópico e dos globos disseminados pelo espaço. Nada, então, valerá o nos terem feito conhecer um mundo todo; o nos haverem iniciado nos mistérios da vida de além-túmulo? É exato que essas descobertas, se se lhes pode dar este nome, contrariam algum tanto certas idéias aceitas. Mas, não é real que todas as grandes descobertas científicas hão igualmente modificado, subvertido até, as mais correntes idéias? E o nosso amor-próprio não teve que se curvar diante da evidência? O mesmo acontecerá com relação ao Espiritismo, que, em breve, gozará do direito de cidade entre os conhecimentos humanos. As comunicações com os seres de além-túmulo deram em resultado fazer-nos compreender a vida futura, fazer-nos vê-la, iniciar-nos no conhecimento das penas e gozos que nos estão reservados, de acordo com os nossos méritos e, desse modo, encaminhar para o espiritualismo os que no homem somente viam a matéria, a máquina organizada. Razão, portanto, tivemos para dizer que o Espiritismo, com os fatos, matou o materialismo. Fosse este único resultado por ele produzido e já muita gratidão lhe deveria a ordem social. ele, porém, faz mais: mostra os inevitáveis efeitos do mal e, conseguintemente, a necessidade do bem. Muito maior do que se pensa é, e cresce todos os dias, o número daqueles em que ele há melhorado os sentimentos, neutralizado as más tendências e desviado do mal. É que para esses o futuro deixou de ser coisa imprecisa, simples esperança, por se haver tornado uma verdade que se compreende e explica, quando se vêem e ouvem os que partiram lamentar-se ou felicitar-se pelo que fizeram na Terra. Quem disso é testemunha entra a refletir e sente a necessidade de a si mesmo se conhecer, julgar e emendar.

IX

Os adversários do Espiritismo não se esqueceram de armar-se contra ele de algumas divergências de opiniões sobre certos pontos de doutrina. Não é de admirar que, no início de uma ciência, quando ainda são incompletas as observações e cada um a considera do seu ponto de vista, apareçam sistemas contraditórios. Mas, já três quartos desses sistemas caíram diante de um estudo mais aprofundado, a começar pelo que atribuía todas as comunicações ao Espírito do mal, como se a Deus fora impossível enviar bons Espíritos aos homens: doutrina absurda, porque os fatos a desmentem; ímpia, porque importa na negação do poder e da bondade do Criador.
Os Espíritos sempre disseram que nos não inquietássemos com essas divergências e que a unidade se estabeleceria. Ora, a unidade já se fez quanto à maioria dos pontos e as divergências tendem cada vez mais a desaparecer. Tendo-se-lhes perguntado: Enquanto se não faz a unidade, sobre que pode o homem, imparcial e desinteressado, basear-se para formar juízo? Eles responderam: “Nuvem alguma obscurece a luz verdadeiramente pura; o diamante sem jaça é o que tem mais valor: julgai, pois, dos Espíritos pela pureza de seus ensinos. Não olvideis que, entre eles, há os que ainda se não despojaram das idéias que levaram da vida terrena. Sabei distingui-los pela linguagem de que usam. Julgai-os pelo conjunto do que vos dizem. Vede se há encadeamento lógico nas suas idéias; se nestas nada revela ignorância, orgulho ou malevolência; em suma, se suas palavras trazem todas o cunho de sabedoria que a verdadeira superioridade manifesta. Se o vosso mundo fosse inacessível ao erro, seria perfeito, e longe disso se acha ele. Ainda estais aprendendo a distinguir do erro a verdade. Faltam-vos as lições da experiência para exercitar o vosso juízo e fazer-vos avançar. A unidade se produzirá do lado em que o bem jamais esteve de mistura com o mal; desse lado é que os homens se coligarão pela força mesma das coisas, porquanto reconhecerão que aí é que está a verdade. “Aliás, que importam algumas dissidências, mais de forma que de fundo! Notai que os princípios fundamentais são os mesmos por toda parte e vos hão de unir num pensamento comum: o amor de Deus e a prática do bem. Quaisquer que se suponham ser o modo de progressão ou as condições normais da existência futura, o objetivo final é um só: fazer o bem. Ora, não há duas maneiras de fazê-lo.” Se é certo que, entre os adeptos do Espiritismo, se contam os que divergem de opinião sobre alguns pontos da teoria, menos certo não é que todos estão de acordo quanto aos pontos fundamentais. Há, portanto, unidade, excluídos apenas os que, em número muito reduzido, ainda não admitem a intervenção dos Espíritos nas manifestações; os que as atribuem a causas puramente físicas, o que é contrário a este axioma: Todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente; ou ainda a um reflexo do nosso próprio pensamento, o que os fatos desmentem. Os outros pontos são secundários e em nada comprometem as bases fundamentais. Pode, pois haver escolas que procurem esclarecer-se acerca das partes ainda controvertidas da ciência; não deve haver seitas rivais umas das outras. Antagonismo só poderia existir entre os que querem o bem e os que quisessem ou praticassem o mal. Ora, não há espírita sincero e compenetrado das grandes máximas morais ensinadas pelos Espíritos que possa querer o mal, nem desejar mal ao seu próximo, sem distinção de opiniões. Se errônea for alguma destas, cedo ou tarde a luz para ela brilhará, se a buscar de boa-fé e sem prevenções. Enquanto isso não se dá, um laço comum existe que as deve unir a todos num só pensamento; uma só meta para todas. Pouco, por conseguinte, importa qual seja o caminho, uma vez que conduza a essa meta. Nenhuma deve impor-se por meio do constrangimento material ou moral e em caminho falso estaria unicamente aquela que lançasse anátema sobre outra, porque então procederia evidentemente sob a influência de maus Espíritos. O argumento supremo deve ser a razão. A moderação garantirá melhor a vitória da verdade do que as diatribes envenenadas pela inveja e pelo ciúme. Os bons Espíritos só pregam a união e o amor ao próximo, e nunca um pensamento malévolo ou contrário à caridade pode provir de fonte pura. Ouçamos sobre este assunto, e para terminar, os conselhos do Espírito Santo Agostinho: “Por bem largo tempo, os homens se têm estraçalhado e anatematizado mutuamente em nome de um Deus de paz e misericórdia, ofendendo-O com semelhante sacrilégio. O Espiritismo é o laço que um dia os unirá, porque lhes mostrará onde está a verdade, onde o erro. Durante muito tempo, porém, ainda haverá escribas e fariseus que O negarão, como negaram o Cristo. Quereis saber sob a influência de que Espíritos estão as diversas seitas que entre si fizeram partilha do mundo? Julgai-o pelas suas obras e pelos seus princípios. Jamais os bons Espíritos foram os instigadores do mal; jamais aconselharam ou legitimaram o assassínio e a violência; jamais estimularam os ódios dos partidos, nem a sede das riquezas e das honras, nem a avidez dos bens da Terra. Os que são bons, humanitários e benevolentes para com todos, esses os Seus prediletos e prediletos de Jesus, porque seguem a estrada que este lhes indicou para chegarem até Ele.” 

SANTO AGOSTINHO.


Nota Especial n°2 (à 34ª edição, em 1974), referida à pág. 472: Em edições anteriores a esta, as questões n°s 1012 a 1019 figuraram sob os n°s 1011 a 1018, respectivamente, sem ter sido atribuído número à questão imediatamente seguinte à de n° 1010, mantendo-se, não obstante, o texto em sua incolumidade original. O lapso, nasceu, no passado, de compreensível equívoco, pois na seqüência da numeração das questões o Codificador salteou o n° 1011 na 2ª edição francesa, definitiva, de março de 1860. Todavia, o texto foi mantido assim, mesmo nas quatorze edições que se seguiram até a desencarnação de Allan Kardec.