OBJETIVO DO BLOG
Este blog tem por objetivo o estudo das Leis de Deus extraído diretamente do Livro dos Espíritos de Allan Kardec trazida pelos emissários do Cristo de Deus e recebida pelos médiuns que auxiliavam Kardec e naquele momento, Ele achou por bem nos enviar, visto que muitas criaturas já encontram capacitadas a entender, através de estudo e experiências, o bê a bá de sua Infinita Criação.
Convido às criaturas humildes, sem preconceito, isentas de personalismo, ávidas por compreender o mecanismo da Criação Divina, cientes que só "Ele tem o farol do Infinito".
Sugiro que estejamos sempre abertos ao:
1 - dialogo em uma discussão,
2 - madura,
3 - respeitosa,
4 - ecumênica no mais extenso da acepção dessa palavra,
5 - sem extremismo ou
6 - partidarismo religioso, político, científico ou mais lá que o seja,
7 - dispostas a analisar as postagens aqui colocadas,
8 - trazendo assuntos de interesse comum e específicos sobre as
9 - áreas do saber humano,
10 - tendo sempre como objeto a elevação moral Crística, como fundamento da evolução espiritual das criaturas humanas e espirituais.
1 - dialogo em uma discussão,
2 - madura,
3 - respeitosa,
4 - ecumênica no mais extenso da acepção dessa palavra,
5 - sem extremismo ou
6 - partidarismo religioso, político, científico ou mais lá que o seja,
7 - dispostas a analisar as postagens aqui colocadas,
8 - trazendo assuntos de interesse comum e específicos sobre as
9 - áreas do saber humano,
10 - tendo sempre como objeto a elevação moral Crística, como fundamento da evolução espiritual das criaturas humanas e espirituais.
Das leis morais
CAPÍTULO
I
DA
LEI DIVINA OU NATURAL
- Caracteres da lei natural. - 2. Origem e conhecimento da lei natural. - 3. O bem e o mal - 4. Divisão da lei natural.
Caracteres
da lei natural
614.
Que se deve entender por lei natural?
“A
lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a
felicidade do homem.
Indica-lhe
o que deve fazer ou deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela
se afasta.”
615.
É eterna a lei de Deus?
“Eterna
e imutável como o próprio Deus.”
616.
Será possível que Deus em certa época haja prescrito aos homens
o que noutra época lhes proibiu?
“Deus
não se engana. Os homens é que são obrigados a modificar suas
leis, por imperfeitas. As de Deus, essas são perfeitas. A harmonia
que reina no universo material, como no universo moral, se funda em
leis estabelecidas por Deus desde toda a eternidade.”
617.
As leis divinas, que é o que compreendem no seu âmbito?
Concernem a alguma outra coisa, que não somente ao procedimento
moral?
“Todas
as da Natureza são leis divinas, pois que Deus é o autor de tudo. O
sábio
estuda
as leis da matéria, o homem de bem estuda e pratica as da alma.”
a)
- Dado é ao homem aprofundar umas e outras?
“É,
mas em uma única existência não lhe basta para isso.”
Efetivamente,
que são alguns anos para a aquisição de tudo o de que precisa o
ser, a fim de se considerar perfeito, embora apenas se tenha em conta
a distância que vai do selvagem ao homem civilizado? Insuficiente
seria, para tanto, a existência mais longa que se possa imaginar.
Ainda com mais forte razão o será quando curta, como é para a
maior parte dos homens.
Entre
as leis divinas, umas regulam o movimento e as relações da matéria
bruta: as leis físicas, cujo estudo pertence ao domínio da Ciência.
As
outras dizem respeito especialmente ao homem considerado em si mesmo
e nas suas relações com Deus e com seus semelhantes. Contém as
regras da vida do corpo, bem como as da vida da alma: são as leis
morais.
618.
São as mesmas, para todos os mundos, as leis divinas?
“A
razão está a dizer que devem ser apropriadas à natureza de cada
mundo e adequadas ao grau de progresso dos seres que os habitam.”
2.
Origem e Conhecimento da lei natural
619.
A todos os homens facultou Deus os meios de conhecerem Sua lei?
“Todos
podem conhecê-la, mas nem todos a compreendem. Os homens de bem e os
que se decidem a investigá-la são os que melhor a compreendem.
Todos, entretanto, a compreenderão um dia, porquanto forçoso é que
o progresso se efetue.”
A
justiça das diversas encarnações do homem é uma conseqüência
deste princípio, pois que, em cada nova existência, sua
inteligência se acha mais desenvolvida e ele compreende melhor o que
é bem e o que é mal. Se numa só existência tudo lhe devesse ficar
ultimado, qual seria a sorte de tantos milhões de seres que morrem
todos os dias no embrutecimento da selvageria, ou nas trevas da
ignorância, sem que deles tenha dependido
o
se instruírem?
620.
Antes de se unir ao corpo, a alma compreende melhor a lei de Deus
do que depois de encarnada?
“Compreende-a
de acordo com o grau de perfeição que tenha atingido e dela guarda
a intuição quando unida ao corpo. Os maus instintos, porém, fazem
ordinariamente que o homem a esqueça.”
621.
Onde está escrita a lei de Deus?
“Na
consciência.”
a)
- Visto que o homem traz em sua consciência a lei de Deus, que
necessidade havia de lhe ser ela revelada?
“Ele
a esquecera e desprezara. Quis então Deus lhe fosse lembrada.”
622.
Confiou Deus a certos homens a missão de revelarem a Sua lei?
“Indubitavelmente.
Em todos os tempos houve homens que tiveram essa missão.
São
Espíritos superiores, que encarnam com o fim de fazer progredir a
Humanidade.”
623.
Os que hão pretendido instruir os homens na lei de Deus não se
têm enganado algumas vezes, fazendo-os transviar-se por meio de
falsos princípios?
“Certamente
hão dado causa a que os homens se transviassem aqueles que não eram
inspirados por Deus e que, por ambição, tomaram sobre si um encargo
que lhes não fora cometido. Todavia, como eram, afinal, homens de
gênios, mesmo entre os erros que ensinaram, grandes verdades muitas
vezes se encontram.”
624.
Qual o caráter do verdadeiro profeta?
“O
verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado por Deus. Podeis
reconhecêlo pelas suas palavras e pelos seus atos. Impossível é
que Deus se sirva da boca do mentiroso para ensinar a verdade.”
625.
Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para
lhe servir de guia e modelo?
“Jesus.”
Para
o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a
Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais
perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da
lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm
aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava.
Quanto
aos que, pretendendo instruir o homem na lei de Deus, o têm
transviado, ensinando-lhes falsos princípios, isso aconteceu por
haverem deixado que os dominassem sentimentos demasiado terrenos e
por terem confundido as leis que regulam as condições da vida da
alma, com as que regem a vida do corpo. Muitos hão apresentado como
leis divinas simples leis humanas estatuídas para servir às paixões
e dominar os homens.
626.
Só por Jesus foram reveladas as leis divinas e naturais? Antes do
seu
aparecimento,
o conhecimento dessas leis só por intuição os homens o tiveram?
“Já
não dissemos que elas estão escritas por toda parte? Desde os
séculos mais longínquos, todos os que meditaram sobre a sabedoria
hão podido compreendê-las e ensinálas.
Pelos
ensinos, mesmo incompletos, que espalharam, prepararam o terreno para
receber a semente. Estando as leis divinas escritas no livro da
Natureza, possível foi ao homem conhecê-las, logo que as quis
procurar. Por isso é que os preceitos que consagram foram, desde
todos os tempos, proclamados pelos homens de bem; e também por isso
é que elementos delas se encontram, se bem que incompletos ou
adulterados pela ignorância, na doutrina moral de todos os povos
saídos da barbárie.”
627.
Uma vez que Jesus ensinou as verdadeiras leis de Deus, qual a
utilidade do ensino que os Espíritos dão? Terão que nos ensinar
mais alguma coisa?
“Jesus
empregava amiúde, na sua linguagem, alegorias e parábolas, porque
falava de conformidade com os tempos e os lugares. Faz-se mister
agora que a verdade se torne inteligível para todo mundo. Muito
necessário é que aquelas leis sejam explicadas e desenvolvidas, tão
poucos são os que as compreendem e ainda menos os que as praticam. A
nossa missão consiste em abrir os olhos e os ouvidos a todos,
confundindo os orgulhosos e desmascarando os hipócritas: os que
vestem a capa da virtude e da religião, a fim de ocultarem suas
torpezas. O ensino dos Espíritos tem que ser claro e sem equívocos,
para que ninguém possa pretextar ignorância e para que todos o
possam julgar e apreciar com a razão. Estamos incumbidos de preparar
o reino do bem que Jesus anunciou. Daí a necessidade de que a
ninguém seja possível interpretar a lei de Deus ao sabor de suas
paixões, nem falsear o sentido de uma lei toda de amor e de
caridade.”
628.
Por que a verdade não foi sempre posta ao alcance de toda gente?
“Importa
que cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz: o homem
precisa habituar-se a ela, pouco a pouco; do contrário, fica
deslumbrado.
“Jamais
permitiu Deus que o homem recebesse comunicações tão completas e
instrutivas como as que hoje lhe são dadas. Havia, como sabeis, na
antigüidade alguns indivíduos possuidores do que eles próprios
consideravam uma ciência sagrada e da qual faziam mistério para os
que, aos seus olhos, eram tidos por profanos. Pelo que conheceis das
leis que regem estes fenômenos, deveis compreender que esses
indivíduos apenas
recebiam
algumas verdades esparsas, dentro de um conjunto equívoco e, na
maioria dos casos, emblemático. Entretanto, para o estudioso, não
há nenhum sistema antigo de filosofia, nenhuma tradição, nenhuma
religião, que seja desprezível, pois em tudo há germens de grandes
verdades que, se
bem
pareçam contraditórias entre si, dispersas que se acham em meio de
acessórios sem fundamento, facilmente coordenáveis se vos
apresentam, graças à explicação que o Espiritismo dá de uma
imensidade de coisas que até agora se vos afiguraram sem razão
alguma e cuja realidade está hoje irrecusavelmente demonstrada. Não
desprezeis, portanto, os objetos de estudo que esses materiais
oferecem. Ricos eles são de tais objetos e podem contribuir
grandemente para vossa instrução.”
3.
O bem e o mal
629.
Que definição se pode dar da moral?
“A
moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do
mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem
quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de
Deus.”
630.
Como se pode distinguir o bem do mal?
“O
bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é
contrário.
Assim,
fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é
infringi-la.”
631.
Tem meios o homem de distinguir por si mesmo o que é bem do que é
mal?
“Sim,
quando crê em Deus e o quer saber. Deus lhe deu inteligência para
distinguir um do outro.”
632.
Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar-se na
apreciação do bem e do mal e crer que pratica o bem quando em
realidade pratica o mal?
“Jesus
disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem.
Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.”
633.
A regra do bem e do mal, que se poderia chamar de reciprocidade
ou de solidariedade, é inaplicável ao proceder pessoal do
homem para consigo mesmo. Achará ele, na lei natural, a regra desse
proceder e um guia seguro?
“Quando
comeis em excesso, verificais que isso vos faz mal. Pois bem, é Deus
quem vos dá a medida daquilo de que necessitais. Quando excedeis
dessa medida, sois punidos. Em tudo é assim. A lei natural traça
para o homem o limite das suas necessidades.
Se
ele ultrapassa esse limite, é punido pelo sofrimento. Se atendesse
sempre à voz que lhe diz - basta, evitaria a maior parte dos
males, cuja culpa lança à Natureza.”
634.
Por que está o mal na natureza das coisas? Falo do mal moral. Não
podia Deus ter criado a Humanidade em melhores condições?
“Já
te dissemos: os Espíritos foram criados simples e ignorantes.Deus
deixa que o homem escolha o caminho. Tanto pior para ele, se toma o
caminho mau: mais longa será sua peregrinação. Se não existissem
montanhas, não compreenderia o homem que se pode subir e descer; se
não existissem rochas, não compreenderia que há corpos duros. É
preciso que o Espírito ganhe experiência; é preciso, portanto, que
conheça o bem e o mau. Eis por que se une ao corpo.”
635.
Das diferentes posições sociais nascem necessidades que não são
idênticas para todos os homens. Não parece poder inferir-se daí
que a lei natural não constitui regra uniforme?
“Essas
diferentes posições são da natureza das coisas e conformes à lei
do
progresso.
Isso não infirma a unidade da lei natural, que se aplica a tudo.”
As
condições de existência do homem mudam de acordo com os tempos e
os lugares, do que lhe resultam necessidades diferentes e posições
sociais apropriadas a essas necessidades. Pois que está na ordem das
coisas, tal diversidade é conforme à lei de Deus, lei que não
deixa de ser una quanto ao seu princípio. À razão cabe distinguir
as necessidades reais das factícias ou convencionais.
636.
São absolutos, para todos os homens, o bem e o mal?
“A
lei de Deus é a mesma para todos; porém, o mal depende
principalmente da vontade que se tenha de o praticar. O bem é sempre
o bem e o mal sempre o mal, qualquer que seja a posição do homem.
Diferença só há quanto ao grau da responsabilidade.”
637.
Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de
carne humana?
“Eu
disse que o mal depende da vontade. Pois bem! Tanto mais culpado é o
homem, quanto melhor sabe o que faz.”
As
circunstâncias dão relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas
vezes, comete o homem faltas, que, nem por serem conseqüência da
posição em que a sociedade o colocou, se tornam menos
repreensíveis. Mas, a sua responsabilidade é proporcionada aos
meios de que ele dispõe para compreender o bem e o mal. Assim, mais
culpado é, aos olhos de Deus,
o
homem instruído que pratica uma simples injustiça, do que o
selvagem ignorante que se entrega aos seus instintos.
638.
Parece, às vezes, que o mal é uma conseqüência da força das
coisas. Tal, por exemplo, a necessidade em que o homem se vê,
nalguns casos, de destruir, até mesmo o seusemelhante. Poder-se-á
dizer que há, então, infração da lei de Deus?
“Embora
necessário, o mal não deixa de ser o mal. Essa necessidade
desaparece, entretanto, à medida que a alma se depura, passando de
uma a outra existência. Então, mais culpado é o homem, quando o
pratica, porque melhor o compreende.”
639.
Não sucede freqüentemente resultar o mal, que o homem pratica,
da posição em que os outros homens o colocam? Quais, nesse caso, os
culpados?
“O
mal recai sobre quem lhe foi o causador. Nessas condições, aquele
que é levado a praticar o mal pela posição em que seus semelhantes
o colocam tem menos culpa do que os que, assim procedendo, o
ocasionaram. Porque, cada um será punido, não só pelo mal que haja
feito, mas também pelo mal a que tenha dado lugar.”
640.
Aquele que não pratica o mal, mas que se aproveita do mal
praticado por outrem, é tão culpado quanto este?
“É
como se o houvera praticado. Aproveitar do mal é participar dele.
Talvez não fosse capaz de praticá-lo; mas, desde que, achando-o
feito, dele tira partido, é que o aprova; é que o teria praticado,
se pudera, ou se ousara.”
641.
Será tão repreensível, quanto fazer o mal, o desejá-lo?
“Conforme.
Há virtude em resistir-se voluntariamente ao mal que se deseja
praticar, sobretudo quando há possibilidade de satisfazer-se a esse
desejo. Se apenas não o pratica por falta de ocasião, é culpado
quem o deseja.”
642.
Para agradar a Deus e assegurar a sua posição futura, bastará
que o homem não pratique o mal?
“Não;
cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto
responderá por todo mal que haja resultado de não haver
praticado o bem.”
643.
Haverá quem, pela sua posição, não tenha possibilidade de
fazer o bem?
“Não
há quem não possa fazer o bem. Somente o egoísta nunca encontra
ensejo de o praticar. Basta que se esteja em relações com outros
homens para que se tenha ocasião de fazer o bem, e não há dia da
existência que não ofereça, a quem não se ache cego pelo egoísmo,
oportunidade de praticá-lo. Porque, fazer o bem não consiste, para
o homem, apenas em ser caridoso, mas em ser útil, na medida do
possível, todas as vezes que o seu
concurso
venha a ser necessário.”
644.
Para certos homens, o meio onde se acham colocados não representa
a causa primária de muitos vícios e crimes?
“Sim,
mas ainda aí há uma prova que o Espírito escolheu, quando em
liberdade, levado pelo desejo de expor-se à tentação para ter o
mérito da resistência.”
645.
Quando o homem se acha, de certo modo, mergulhado na atmosfera do
vício, o mal não se lhe torna um arrastamento quase irresistível?
“Arrastamento,
sim; irresistível, não; porquanto, mesmo dentro da atmosfera do
vício, com grandes virtudes às vezes deparas. São Espíritos que
tiveram a força de resistir e que, ao mesmo tempo, receberam a
missão de exercer boa influência sobre os seus semelhantes.”
646.
Estará subordinado a determinadas condições o mérito do bem
que se pratique? Por outra: Será de diferentes graus o mérito que
resulta da prática do bem?
“O
mérito do bem está na dificuldade em praticá-lo. Nenhum
merecimento há em fazê-lo sem esforço e quando nada custe. Em
melhor conta tem Deus o pobre que divide com outro o seu único
pedaço de pão, do que o rico que apenas dá do que lhe sobra,
disse-o Jesus, a propósito do óbolo da viúva.”
4.Divisão
da lei natural
647.
A lei de Deus se acha contida toda no preceito do amor ao próximo,
ensinado por Jesus?
“Certamente
esse preceito encerra todos os deveres dos homens uns para com os
outros. Cumpre, porém, se lhes mostre a aplicação que comporta, do
contrário deixarão de cumpri-lo, como o fazem presentemente.
Demais, a lei natural abrange todas as circunstâncias da vida e esse
preceito compreende só uma parte da lei. Aos homens são necessárias
regras precisas; os preceitos gerais e muito vagos deixam grande
número de portas abertas à interpretação.”
648.
Que pensais da divisão da lei natural em dez partes,
compreendendo as leis de adoração, trabalho, reprodução,
conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade,
liberdade e, por fim, a de justiça, amor e caridade?
“Essa
divisão da lei de Deus em dez partes é a de Moisés e de natureza a
abranger todas as circunstâncias da vida, o que é essencial. Podes,
pois, adotá-la, sem que, por isso, tenha qualquer coisa de absoluta,
como não o tem nenhum dos outros sistemas de classificação, que
todos dependem do prisma pelo qual se considere o que quer que seja.
A última lei é a mais importante, por ser a que faculta ao homem
adiantar-se mais na vida espiritual, visto que resume todas as
outras.”
CAPÍTULO
II
DA
LEI DE ADORAÇÃO
- Objetivo da adoração. - 2. Adoração exterior. - 3. Vida contemplativa. - 4. A prece. - 5.Politeísmo. - 6. Sacrifícios.
1.
Objetivo da adoração
649.
Em que consiste a adoração?
“Na
elevação do pensamento a Deus. Deste, pela adoração, aproxima o
homem sua alma.”
650.
Origina-se de um sentimento inato a adoração, ou é fruto de
ensino?
“Sentimento
inato, como o da existência de Deus. A consciência da sua fraqueza
leva o homem a curvar-se diante daquele que o pode proteger.”
651.
Terá havido povos destituídos de todo sentimento de adoração?
“Não,
que nunca houve povos de ateus. Todos compreendem que acima de tudo
há um Ente Supremo.”
652.
Poder-se-á considerar a lei natural como fonte originária da
adoração?
“A
adoração está na lei natural, pois resulta de um sentimento inato
no homem. Por essa razão é que existe entre todos os povos, se bem
que sob formas diferentes.”
2.
Adoração exterior
653.
Precisa de manifestações exteriores a adoração?
“A
adoração verdadeira é do coração. Em todas as vossas ações,
lembrai-vos sempre de que o Senhor tem sobre vós o seu olhar.”
a)
- Será útil a adoração exterior?
“Sim,
se não consistir num vão simulacro. É sempre útil dar um bom
exemplo. Mas, os que somente por afetação e amor-próprio o fazem,
desmentindo com o proceder a aparente piedade, mau exemplo dão e não
imaginam o mal que causam.”
654.
Tem Deus preferência pelos que O adoram desta ou daquela maneira?
“Deus
prefere os que O adoram do fundo do coração, com sinceridade,
fazendo o bem e evitando o mal, aos que julgam honrá-Lo com
cerimônias que os não tornam melhores para com os seus semelhantes.
“Todos
os homens são irmãos e filhos de Deus. Ele atrai a Si todos os que
lhe obedecem às leis, qualquer que seja a forma sob que as exprimam.
“É
hipócrita aquele cuja piedade se cifra nos atos exteriores. Mau
exemplo dá todo aquele cuja adoração é afetada e contradiz o seu
procedimento.
“Declaro-vos
que somente nos lábios e não na alma tem religião aquele que
professa adorar o Cristo, mas que é orgulhoso, invejoso e cioso,
duro e implacável para com outrem, ou ambicioso dos bens deste
mundo. Deus, que tudo vê, dirá: o que conhece a verdade é cem
vezes mais culpado do mal que faz, do que o selvagem ignorante que
vive no deserto.
E
como tal será tratado no dia da justiça. Se um cego, ao passar, vos
derriba, perdoá-lo-eis; se for um homem que enxerga perfeitamente
bem, queixar-vos-eis e com razão.
“Não
pergunteis, pois, se alguma forma de adoração há que mais
convenha, porque eqüivaleria a perguntardes se mais agrada a Deus
ser adorado num idioma do que noutro. Ainda uma vez vos digo: até
Ele não chegam os cânticos, senão quando passam pela porta do
coração.”
655.
Merece censura aquele que pratica uma religião em que não crê
do fundo dalma, fazendo-o apenas pelo respeito humano e para não
escandalizar os que pensam de modo diverso?
“Nisto,
como em muitas outras coisas, a intenção constitui a regra. Não
procede mal aquele que, assim fazendo, só tenha em vista respeitar
as crenças de outrem. Procede melhor do que um que as ridicularize,
porque, então, falta à caridade. Aquele, porém, que a pratique por
interesse e por ambição se torna desprezível aos olhos de Deus e
dos homens.
A
Deus não podem agradar os que fingem humilhar-se diante Dele
tão-somente para granjear o aplauso dos homens.”
656.
À adoração individual será preferível a adoração em comum?
“Reunidos
pele comunhão dos pensamentos e dos sentimentos, mais força têm os
homens para atrair a si os bons Espíritos. O mesmo se dá quando se
reúnem para adorar a Deus. Não creias, todavia, que menos valiosa
seja a adoração particular, pois que cada um pode adorar a Deus
pensando Nele.”
3.
Vida contemplativa
657.
Têm, perante Deus, algum mérito os que se consagram à vida
contemplativa, uma vez que nenhum mal fazem e só em Deus pensam?
“Não,
porquanto, se é certo que não fazem o mal, também o é que não
fazem o bem e são inúteis. Demais, não fazer o bem já é um mal.
Deus quer que o homem pense Nele, mas não quer que só Nele pense,
pois que lhe impôs deveres a cumprir na Terra. Quem passa todo o
tempo na meditação e na contemplação nada faz de meritório aos
olhos de Deus, porque vive uma vida toda pessoal e inútil à
Humanidade e Deus lhe pedirá contas do bem que não houver feito.”
4.
A Prece
658.
Agrada a Deus a prece?
“A
prece é sempre agradável a Deus, quando ditada pelo coração,
pois, para Ele, aintenção é tudo. Assim, preferível Lhe é a
prece do íntimo à prece lida, por muito bela que seja, se for lida
mais com os lábios do que com o coração. Agrada-Lhe a prece,
quando dita com fé, com fervor e sinceridade. Mas, não creias que O
toque a do homem fútil, orgulhoso e egoísta, a menos que
signifique, de sua parte, um ato de sincero arrependimento e de
verdadeira humildade.”
659.
Qual o caráter geral da prece?
“A
prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar Nele; é
aproximar-se Dele; é pôr-se em comunicação com Ele. A três
coisas podemos propor-nos por meio da prece: louvar, pedir,
agradecer.”
660.
A prece torna melhor o homem?
“Sim,
porquanto aquele que ora com fervor e confiança se faz mais forte
contra as tentações do mal e Deus lhe envia bons Espíritos para
assisti-lo. É este um socorro que jamais se lhe recusa, quando
pedido com sinceridade.”
a)
- Como é que certas pessoas, que oram muito, são, não obstante,
de mau caráter, ciosas, invejosas, impertinentes, carentes de
benevolência e de indulgência e até, algumas vezes, viciosas?
“O
essencial não é orar muito, mas orar bem. Essas pessoas supõem que
todo o mérito está na longura da prece e fecham os olhos para os
seus próprios defeitos. Fazem da prece uma ocupação, um emprego do
tempo, nunca, porém, um estudo de si mesmas. A ineficácia,
em tais casos, não é do remédio, sim da maneira por que o
aplicam.”
661.
Poderemos utilmente pedir a Deus que perdoe as nossas faltas?
“Deus
sabe discernir o bem do mal; a prece não esconde as faltas. Aquele
que a Deus pede perdão de suas faltas só o obtém mudando de
proceder. As boas ações são a melhor prece, por isso que os atos
valem mais que as palavras.”
662.
Pode-se, com utilidade, orar por outrem?
“O
Espírito de quem ora atua pela sua vontade de praticar o bem. Atrai
a si, mediante a prece, os bons Espíritos e estes se associam ao bem
que deseje fazer.”
O
pensamento e a vontade representam em nós um poder de ação que
alcança muito além dos limites da nossa esfera corporal. A prece
que façamos por outrem é um ato dessa vontade. Se for ardente e
sincera, pode chamar, em auxílio daquele por quem oramos, os bons
Espíritos, que lhe virão sugerir bons pensamentos e dar a força de
que necessitem seu corpo e sua alma. Mas, ainda aqui, a prece do
coração é tudo, a dos lábios nada vale.
663.
Podem as preces, que por nós mesmos fizermos, mudar a natureza
das nossas provas e desviar-lhes o curso?
“As
vossas provas estão nas mãos de Deus e algumas há que têm de ser
suportadas até ao fim; mas, Deus sempre leva em conta a resignação.
A prece traz para junto de vós os bons Espíritos e, dando-vos estes
a força de suportá-las corajosamente, menos rudes elas vos parecem.
Hemos dito que a prece nunca é inútil, quando bem feita, porque
fortalece aquele que ora, o que já constitui grande resultado.
Ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará, bem o sabes. Demais, não é
possível que Deus mude a ordem da Natureza ao sabor de cada um,
porquanto o que, do vosso ponto de vista mesquinho e do da vossa vida
efêmera, vos parece um grande mal é quase sempre um grande bem na
ordem geral do Universo. Além disso, de quantos males não se
constitui o homem o próprio autor, pela sua imprevidência ou pelas
suas faltas? Ele é punido naquilo em que pecou. Todavia, as súplicas
justas são atendidas mais vezes do que supondes. Julgais, de
ordinário, que Deus não vos ouviu, porque não fez a vosso favor um
milagre, enquanto que vos assiste por meios tão naturais que vos
parecem obra do acaso ou da força das coisas. Muitas vezes também,
as mais das vezes mesmo, ele vos sugere a idéia que vos fará sair
da dificuldade pelo vosso próprio esforço.”
664.
Será útil que oremos pelos mortos e pelos Espíritos sofredores?
E, neste caso, como lhes podem as nossas preces proporcionar alívio
e abreviar os sofrimentos? Têm elas o poder de abrandar a justiça
de Deus?
“A
prece não pode ter por efeito mudar os desígnios de Deus, mas a
alma por quem se ora experimenta alívio, porque recebe assim um
testemunho do interesse que inspira àquele que por ela pede e também
porque o desgraçado sente sempre um refrigério, quando encontra
almas caridosas que se compadecem de suas dores. Por outro lado,
mediante a prece, aquele que ora concita o desgraçado ao
arrependimento e ao desejo de fazer o que é necessário para ser
feliz. Neste sentido é que se lhe pode abreviar a pena, se, por sua
parte, ele secunda a prece com a boa-vontade. O desejo de
melhorar-se, despertado pela prece, atrai para junto do Espírito
sofredor Espíritos melhores, que o vão esclarecer, consolar e
dar-lhe esperanças. Jesus orava pelas ovelhas desgarradas,
mostrando-vos, desse modo, que culpados vos tornaríeis, se não
fizésseis o mesmo pelos que mais necessitam das vossas preces.”
(A
resposta do Espírito São Luís.)
665.
Que se deve pensar da opinião dos que rejeitam a prece em favor
dos mortos, por não se achar prescrita no Evangelho?
“Aos
homens disse o Cristo: Amai-vos uns aos outros. Esta recomendação
contém a de empregar o homem todos os meios possíveis para
testemunhar aos outros homens afeição, sem haver entrado em
minúcias quanto à maneira de atingir ele esse fim. Se é certo que
nada pode fazer que o Criador, imagem da justiça perfeita, deixe de
aplicá-la a todas as ações do Espírito, não menos certo é que a
prece que lhe dirigis por aquele que vos inspira afeição constitui,
para este, um testemunho de que dele vos lembrais, testemunho que
forçosamente contribuirá para lhe suavizar os sofrimentos e
consolá-lo. Desde que ele manifeste o mais ligeiro arrependimento,
mas só então, é socorrido. Nunca, porém, será deixado na
ignorância de que uma alma simpática com ele se ocupou. Ao
contrário, será deixado na doce crença de que a intercessão dessa
alma lhe foi útil. Daí resulta necessariamente, de sua parte, um
sentimento de gratidão e afeto pelo que lhe deu essa prova de
amizade ou de piedade. Em conseqüência, crescerá num e noutro,
reciprocamente, o amor que o Cristo recomendava aos homens. Ambos,
pois, se fizeram assim obedientes à lei de amor e de união de todos
os seres, lei divina, de que resultará a unidade, objetivo e
finalidade do Espírito.”
666.
Pode-se orar aos Espíritos?
“Pode-se
orar aos bons Espíritos, como sendo os mensageiros de Deus e os
executores
de Suas vontades. O poder deles, porém, está em relação com a
superioridade que tenham alcançado e dimana sempre do Senhor de
todas as coisas, sem cuja permissão nada se faz. Eis por que as
preces que se lhes dirigem só são eficazes, se bem aceitas por
Deus.”
5.
Politeísmo
667.
Por que razão, não obstante ser falsa, a crença politeísta é
uma das mais antigas e espalhadas?
“A
concepção de um Deus único não poderia existir no homem, senão
como resultado do desenvolvimento de suas idéias. Incapaz, pela sua
ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma determinada,
atuando sobre a matéria, conferiu-Lhe o homem atributos da natureza
corpórea, isto é, uma forma e um aspecto e, desde então, tudo o
que parecia ultrapassar os limites da inteligência comum era, para
ele, uma divindade. Tudo o que não compreendia devia ser obra de uma
potência sobrenatural. Daí a crer em tantas potências distintas
quantos os efeitos que observava, não havia mais que um passo. Em
todos os tempos, porém, houve homens instruídos, que compreenderam
ser impossível a existência desses poderes múltiplos a governarem
o mundo, sem uma direção superior, e que, em conseqüência, se
elevaram à concepção de um Deus único.”
(Resposta
dada pelo Sr. Monod (Espírito), pastor protestante em Paris, morto
em abril de 1856. )
668.
Tendo-se produzido em todos os tempos e sendo conhecidos desde as
primeiras idades do mundo, não haverão os fenômenos espíritas
contribuído para a difusão da crença na pluralidade dos deuses?
“Sem
dúvida, porquanto, chamando deus a tudo o que era
sobre-humano, os homens tinham por deuses os Espíritos. Daí veio
que, quando um homem, pelas suas ações, pelo seu gênio, ou por um
poder oculto que o vulgo não lograva compreender, se distinguia dos
demais, faziam dele um deus e, por sua morte, lhe rendiam culto.”
A
palavra deus tinha, entre os antigos, acepção muito ampla. Não
indicava, como presentemente, uma personificação do Senhor da
Natureza. Era uma qualificação genérica, que se dava a todo ser
existente fora das condições da Humanidade. Ora, tendo-lhes as
manifestações espíritas revelado a existência de seres
incorpóreos a atuarem como potência da Natureza, a esses seres
deram eles o nome de deuses, como lhes damos atualmente o de
Espíritos. Pura questão de palavras, com a única diferença
de que, na ignorância em que se achavam, mantida intencionalmente
pelos que nisso tinham interesse, eles erigiram templos e altares
muito lucrativos a tais deuses, ao passo que hoje os consideramos
simples criaturas como nós, mais ou menos perfeitas e despidas de
seus invólucros terrestres. Se estudarmos atentamente os diversos
atributos das divindades pagãs, reconheceremos, sem esforço, todos
os de que vemos dotados os Espíritos nos diferentes graus da escala
espírita, o estado físico em que se encontram nos mundos
superiores, todas as propriedades do perispírito e os papéis que
desempenham nas coisas da Terra.
Vindo
iluminar o mundo com a sua divina luz, o Cristianismo não se propôs
destruir uma coisa que está na Natureza. Orientou, porém, a
adoração para Aquele a quem é devida.
Quanto
aos Espíritos, a lembrança deles se há perpetuado, conforme os
povos, sob diversos nomes, e suas manifestações, que nunca deixaram
de produzir-se, foram interpretadas de maneiras diferentes e muitas
vezes exploradas sob o prestígio do mistério. Enquanto para a
religião essas manifestações eram fenômenos miraculosos, para os
incrédulos sempre foram embustes. Hoje, mercê de um estudo mais
sério, feito à luz meridiana, o Espiritismo, escoimado das idéias
supersticiosas que o ensombraram durante séculos, nos revela um dos
maiores e mais sublimes princípios da Natureza.
6.
Sacrifícios
669.
Remonta à mais alta antigüidade o uso dos sacrifícios humanos.
Como se explica que o homem tenha sido levado a crer que tais coisas
pudessem agradar a Deus?
“Principalmente,
porque não compreendia Deus como sendo a fonte da bondade.
Nos
povos primitivos a matéria sobrepuja o espírito; eles se entregam
aos instintos do animal selvagem. Por isso é que, em geral, são
cruéis; é que neles o senso moral, ainda não se acha desenvolvido.
Em segundo lugar, é natural que os homens primitivos acreditassem
ter uma criatura animada muito mais valor, aos olhos de Deus, do que
um corpo material.
Foi
isto que os levou a imolarem, primeiro, animais e, mais tarde,
homens. De conformidade com a falsa crença que possuíam, pensavam
que o valor do sacrifício era proporcional à importância da
vítima. Na vida material, como geralmente a praticais, se houverdes
de oferecer a alguém um presente, escolhê-lo-eis sempre de tanto
maior valor quanto mais afeto e consideração quiserdes testemunhar
a esse alguém. Assim tinha que ser,
com
relação a Deus, entre homens ignorantes.”
a)
- De modo que os sacrifícios de animais precederam os sacrifícios
humanos?
“Sobre
isso não pode haver a menor dúvida.”
b)
- Então, de acordo com a explicação que vindes de dar, não foi
de um sentimento de crueldade que se originaram os sacrifícios
humanos?
“Não;
originaram-se de uma idéia errônea quanto à maneira de agradar a
Deus.
Considerai
o que se deu com Abraão. Com o correr dos tempos, os homens entraram
a abusar dessas práticas, imolando seus inimigos comuns, até mesmo
seus inimigos particulares. Deus, entretanto, nunca exigiu
sacrifícios, nem de homens, nem, sequer, de animais. Não há como
imaginar-se que se Lhe possa prestar culto, mediante a destruição
inútil
de Suas criaturas.”
670.
Dar-se-á que alguma vez possam ter sido agradáveis a Deus os
sacrifícios humanos praticados com piedosa intenção?
“Não,
nunca. Deus, porém, julga pela intenção. Sendo ignorantes os
homens, natural era que supusessem praticar ato louvável imolando
seus semelhantes. Nesses casos, Deus atentava unicamente na idéia
que presidia ao ato e não neste. À proporção que se foram
melhorando, os homens tiveram que reconhecer o erro em que laboravam
e que reprovar tais sacrifícios, com que não podiam conformar-se as
idéias de Espíritos esclarecidos. Digo - esclarecidos, porque os
Espíritos tinham então a envolvê-los o véu material; mas, por
meio do livre-arbítrio, possível lhes era vislumbrar suas origens e
fim, e muitos, por intuição, já compreendiam o mal que praticavam,
se bem que nem por isso deixassem de praticá-lo, para satisfazer às
suas paixões.”
671.
Que devemos pensar das chamadas guerras santas? O sentimento que
impele os povos fanáticos, tendo em vista agradar a Deus, a
exterminarem o mais possível os que não partilham de suas crenças,
poderá equiparar-se, quanto à origem, ao sentimento que os excitava
outrora a sacrificarem seus semelhantes?
“São
impelidos pelos maus Espíritos e, fazendo a guerra aos seus
semelhantes, contravêm à vontade de Deus, que manda ame cada um o
seu irmão, como a si mesmo. Todas as religiões, ou, antes, todos os
povos adoram um mesmo Deus, qualquer que seja o nome que lhe dêem.
Por que
então
há de um fazer guerra a outro, sob o fundamento de ser a religião
deste diferente da sua, ou por não ter ainda atingido o grau de
progresso da dos povos cultos? Se são desculpáveis os povos de não
crerem na palavra daquele que o Espírito de Deus animava e que Deus
enviou, sobretudo os que não o viram e não lhe testemunharam os
atos, como pretenderdes que creiam nessa palavra de paz, quando lhes
ides levá-la de espada em punho? Eles têm que ser esclarecidos e
devemos esforçar-nos por fazê-los conhecer a doutrina do Salvador,
mediante a persuasão e com brandura, nunca a ferro e fogo. Em vossa
maioria, não acreditais nas comunicações que temos com certos
mortais; como quereríeis que estranhos acreditassem na vossa
palavra, quando desmentis com os atos a doutrina que pregais?”
672.
A oferenda feita a Deus, de frutos da terra, tinha a Seus olhos
mais mérito do que o sacrifício dos animais?
“Já
vos respondi, declarando que Deus julga segundo a intenção e que
para Ele pouca importância tinha o fato. Mais agradável
evidentemente era a Deus que Lhe oferecessem frutos da terra, em vez
do sangue das vítimas. Como temos dito e sempre repetiremos, a prece
proferida do fundo da alma é cem vezes mais agradável a Deus do que
todas as oferendas que lhe possais fazer. Repito que a intenção é
tudo, que o fato nada vale.”
673.
Não seria um meio de tornar essas oferendas agradáveis a Deus
consagrá-las a minorar os sofrimentos daqueles a quem falta o
necessário e, neste caso, o sacrifício dos animais, praticado com
fim útil, não se tornaria meritório, ao passo que era abusivo
quando para nada servia, ou só aproveitava aos que de nada
precisavam? Não haveria qualquer coisa de verdadeiramente piedoso em
consagrar-se aos pobres as primícias dos
bens
que Deus nos concede na Terra?
“Deus
abençoa sempre os que fazem o bem. O melhor meio de honrá-Lo
consiste em minorar os sofrimentos dos pobres e dos aflitos. Não
quero dizer com isto que Ele desaprove as cerimônias que praticais
para lhe dirigirdes as vossas preces. Muito dinheiro, porém, aí se
gasta que poderia ser empregado mais utilmente do que o é. Deus ama
a simplicidade em tudo. O homem que se atém às exterioridades e não
ao coração é um Espírito de vistas acanhadas. Dizei, em
consciência, se Deus deve atender mais à forma do que ao fundo.”
CAPÍTULO
III
DA
LEI DO TRABALHO
- Necessidade do trabalho. - 2. Limite do trabalho. Repouso.
Necessidade
do trabalho
647.
A necessidade do trabalho é lei da Natureza?
“O
trabalho é lei da Natureza, por isso mesmo que constitui uma
necessidade, e a civilização obriga o homem a trabalhar mais,
porque lhe aumenta as necessidades e os gozos.”
675.
Por trabalho só se devem entender as ocupações materiais?
“Não;
o Espírito trabalha, assim como o corpo. Toda ocupação útil é
trabalho.”
676.
Por que o trabalho se impõe ao homem?
“Por
ser uma conseqüência da sua natureza corpórea. É expiação e, ao
mesmo tempo, meio de aperfeiçoamento da sua inteligência. Sem o
trabalho, o homem permaneceria sempre na infância, quanto à
inteligência. Por isso é que seu alimento, sua segurança e seu
bem-estar dependem do seu trabalho e da sua atividade. Ao
extremamente fraco de corpo outorgou Deus a inteligência, em
compensação. Mas é sempre um trabalho.”
677.
Por que provê a Natureza, por si mesma, a todas as necessidades
dos animais?
“Tudo
em a Natureza trabalha. Como tu, trabalham os animais, mas o trabalho
deles, de acordo com a inteligência de que dispõem, se limita a
cuidarem da própria conservação. Daí vem que o do homem visa
duplo fim: a conservação do corpo e o desenvolvimento da faculdade
de pensar, o que também é uma necessidade e o eleva acima de si
mesmo. Quando digo que o trabalho dos animais se cifra no cuidarem da
própria conservação, refiro-me ao objetivo com que trabalham.
Entretanto, provendo às suas necessidades materiais, eles se
constituem, inconscientemente, executores dos desígnios do Criador
e, assim, o trabalho que executam também concorre para a realização
do objetivo final da Natureza, se bem quase nunca lhe descubrais o
resultado imediato.”
678.
Em os mundos mais aperfeiçoados, os homens se acham submetidos à
mesma necessidade de trabalhar?
“A
natureza do trabalho está em relação com a natureza das
necessidades. Quanto menos materiais são estas, menos material é o
trabalho. Mas, não deduzais daí que o homem se conserve inativo e
inútil. A ociosidade seria um suplício, em vez de ser um
benefício.”
679.
Achar-se-á isento da lei do trabalho o homem que possua bens
suficientes para lhe assegurarem a existência?
“Do
trabalho material, talvez; não, porém, da obrigação de tornar-se
útil, conforme aos meios de que disponha, nem de aperfeiçoar a sua
inteligência ou a dos outros, o que também é trabalho. Aquele a
quem Deus facultou a posse de bens suficientes a lhe garantirem a
existência não está, é certo, constrangido a alimentar-se com o
suor do seu rosto, mas tanto maior lhe é a obrigação de ser útil
aos seus semelhantes, quanto mais
ocasiões
de praticar o bem lhe proporciona o adiantamento que lhe foi feito.”
680.
Não há homens que se encontram impossibilitados de trabalhar no
que quer que seja e cuja existência é, portanto, inútil?
“Deus
é justo e, pois, só condena aquele que voluntariamente tornou
inútil a sua existência, porquanto esse vive a expensas do trabalho
dos outros. Ele quer que cada um seja útil, de acordo com as suas
faculdades.”
681.
A lei da Natureza impõe aos filhos a obrigação de trabalharem
para seus pais?
“Certamente,
do mesmo modo que os pais têm que trabalhar para seus filhos. Foi
por isso que Deus fez do amor filial e do amor paterno um sentimento
natural. Foi para que, por essa afeição recíproca, os membros de
uma família se sentissem impelidos a ajudaremse mutuamente, o que,
aliás, com muita freqüência se esquece na vossa sociedade atual.”
Limite
do trabalho. Repouso
682.
Sendo uma necessidade para todo aquele que trabalha, o repouso não
é também uma lei da Natureza?
“Sem
dúvida. O repouso serve para a reparação das forças do corpo e
também é necessário para dar um pouco mais de liberdade à
inteligência, a fim de que se eleve acima da matéria.”
683.
Qual o limite do trabalho?
“O
das forças. Em suma, a esse respeito Deus deixa inteiramente livre o
homem.”
684.
Que se deve pensar dos que abusam de sua autoridade, impondo a
seus inferiores excessivo trabalho?
“Isso
é uma das piores ações. Todo aquele que tem o poder de mandar é
responsável pelo excesso de trabalho que imponha a seus inferiores,
porquanto, assim fazendo, transgride a lei de Deus.”
685.
Tem o homem o direito de repousar na velhice?
“Sim,
que a nada é obrigado, senão de acordo com as suas forças.”
a)
- Mas, que há de fazer o velho que precisa trabalhar para viver e
não pode?
“O
forte deve trabalhar para o fraco. Não tendo este família, a
sociedade deve fazer as vezes desta. É a lei de caridade.”
Não
basta se diga ao homem que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso
que aquele que tem de prover à sua existência por meio do trabalho
encontre em que se ocupar, o que nem sempre acontece. Quando se
generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um
flagelo, qual a miséria. A ciência econômica procura remédio para
isso no equilíbrio entre a produção e o consumo. Mas, esse
equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre
intermitências, durante as quais não deixa o trabalhador de ter que
viver. Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e
sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse
elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a
educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral
pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os
caracteres, à que incute hábitos, porquanto a
educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se
a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na
torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a
seus próprios instintos, serão de espantar as conseqüências
desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida,
compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem
e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de
respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe
permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A
desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação
bem
entendida
pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o
penhor da segurança de todos.
CAPÍTULO
IV
DA
LEI DE REPRODUÇÃO
- População do globo. - 2. Sucessão e aperfeiçoamento das raças. -3. Obstáculos à reprodução. - 4. Casamento e celibato. -5. Poligamia.
1.
População do globo
686.
É lei da Natureza a reprodução dos seres vivos?
“Evidentemente.
Sem a reprodução, o mundo corporal pereceria.”
687.
Indo sempre a população na progressão crescente que vemos,
chegará tempo em que seja excessiva na Terra?
“Não,
Deus a isso provê e mantém sempre o equilíbrio. Ele coisa alguma
inútil faz.
O
homem, que apenas vê um canto do quadro da Natureza, não pode
julgar da harmonia do conjunto.”
2.
Sucessão e aperfeiçoamento das raças
688.
Há, neste momento, raças humanas que evidentemente decrescem.
Virá momento em que terão desaparecido da Terra?
“Assim
acontecerá, de fato. É que outras lhes terão tomado o lugar, como
outras um dia tomarão o da vossa.”
689.
Os homens atuais formam uma criação nova, ou são descendentes
aperfeiçoados
dos seres primitivos?
“São
os mesmos Espíritos que voltaram, para se aperfeiçoar em novos
corpos, mas que ainda estão longe da perfeição. Assim, a atual
raça humana, que, pelo seu crescimento, tende a invadir toda a Terra
e a substituir as raças que se extinguem, terá sua fase de
crescimento e de desaparição. Substituí-la-ão outras raças mais
aperfeiçoadas, que descenderão da atual, como os homens civilizados
de hoje descendem dos seres brutos e selvagens dos tempos
primitivos.”
690.
Do ponto de vista físico, são de criação especial os corpos da
raça atual, ou procedem dos corpos primitivos, mediante reprodução?
“A
origem das raças se perde na noite dos tempos. Mas, como pertencem
todas àgrande família humana, qualquer que tenha sido o tronco de
cada uma, elas puderam aliarse entre si e produzir tipos novos.”
691.
Qual, do ponto de vista físico, o caráter distintivo e dominante
das raças primitivas?
“Desenvolvimento
da força bruta, à custa da força intelectual. Agora, dá-se o
contrário: o homem faz mais pela inteligência do que pela força do
corpo. Todavia, faz cem vezes mais, porque soube tirar proveito das
forças da Natureza, o que não conseguem os animais.”
692.
Será contrário à lei da Natureza o aperfeiçoamento das raças
animais e vegetais pela Ciência? Seria mais conforme a essa lei
deixar que as coisas seguissem seu curso normal?
“Tudo
se deve fazer para chegar à perfeição e o próprio homem é um
instrumento deque Deus se serve para atingir Seus fins. Sendo a
perfeição a meta para que tende a Natureza, favorecer essa
perfeição é corresponder às vistas de Deus.”
a)
- Mas, geralmente, os esforços que o homem emprega para conseguir
a melhoria das raças nascem de um sentimento pessoal e não
objetivam senão o acréscimo de seus gozos. Isto não lhe diminui o
mérito?
“Que
importa seja nulo o seu merecimento, desde que o progresso se
realize? Cabelhe tornar meritório, pela intenção, o seu trabalho.
Demais, mediante esse trabalho, ele exercita e desenvolve a
inteligência e sob este aspecto é que maior proveito tira.”
3.
Obstáculos à reprodução
693.
São contrários à lei da Natureza as leis e os costumes humanos
que têm por fim ou por efeito criar obstáculos à reprodução?
“Tudo
o que embaraça a Natureza em sua marcha é contrário à lei geral.”
a)
- Entretanto, há espécies de seres vivos, animais e plantas,
cuja reprodução indefinida seria nociva a outras espécies e das
quais o próprio homem acabaria por ser vítima. Pratica ele ato
repreensível, impedindo essa reprodução?
“Deus
concedeu ao homem, sobre todos os seres vivos, um poder de que ele
deve usar, sem abusar. Pode, pois, regular a reprodução, de acordo
com as necessidades. A ação inteligente do homem é um contrapeso
que Deus dispôs para restabelecer o equilíbrio entre as forças da
Natureza e é ainda isso o que o distingue dos animais, porque ele
obra com conhecimento de causa. Mas, os mesmos animais também
concorrem para a existência desse equilíbrio, porquanto o instinto
de destruição que lhes foi dado faz com que, provendo à própria
conservação, obstem ao desenvolvimento excessivo, quiçá perigoso,
das espécies animais e vegetais de que se alimentam.”
694.
Que se deve pensar dos usos, cujo efeito consiste em obstar à
reprodução, para satisfação da sensualidade?
“Isso
prova a predominância do corpo sobre a alma e quanto o homem é
material.”
4.
Casamento e celibato
695.
Será contrário à lei da Natureza o casamento, isto é, a união
permanente de dois seres?
“É
um progresso na marcha da Humanidade.”
696.
Que efeito teria sobre a sociedade humana a abolição do
casamento?
“Seria
uma regressão à vida dos animais.”
O
estado de natureza é o da união livre e fortuita dos sexos. O
casamento constitui um dos primeiros atos de progresso nas sociedades
humanas, porque estabelece a solidariedade fraterna e se observa
entre todos os povos, se bem que em condições diversas.
A
abolição do casamento seria, pois, regredir à infância da
Humanidade e colocaria o homem abaixo mesmo de certos animais que lhe
dão o exemplo de uniões constantes.
697.
Está na lei da Natureza, ou somente na lei humana, a
indissolubilidade absoluta do casamento?
“É
uma lei humana muito contrária à da Natureza. Mas os homens podem
modificar suas leis; só as da Natureza são imutáveis.”
698.
O celibato voluntário representa um estado de perfeição
meritório aos olhos de Deus?
“Não,
e os que assim vivem, por egoísmo, desagradam a Deus e enganam o
mundo.”
699.
Da parte de certas pessoas, o celibato não será um sacrifício
que fazem com o fim de se votarem, de modo mais completo, ao serviço
da Humanidade?
“Isso
é muito diferente. Eu disse: por egoísmo. Todo sacrifício pessoal
é meritório, quando feito para o bem. Quanto maior o sacrifício,
tanto maior o mérito.”
Não
é possível que Deus se contradiga, nem que ache mau o que Ele
próprio fez.
Nenhum
mérito, portanto, pode haver na violação da Sua lei. Mas, se o
celibato, em si mesmo, não é um estado meritório, outro tanto não
se dá quando constitui, pela renúncia às alegrias da família, um
sacrifício praticado em prol da Humanidade. Todo sacrifício
pessoal, tendo em vista o bem e sem qualquer idéia egoísta,
eleva o homem acima da sua condição material.
5.
Poligamia
700.
A igualdade numérica, que mais ou menos existe entre os sexos,
constitui indício da proporção em que devam unir-se?
“Sim,
porquanto tudo, em a Natureza, tem um fim.”
701.
Qual das duas, a poligamia ou a monogamia, é mais conforme à lei
da Natureza?
“A
poligamia é lei humana cuja abolição marca um progresso social. O
casamento, segundo as vistas de Deus, tem que se fundar na afeição
dos seres que se unem. Na poligamia não há afeição real: há
apenas sensualidade.”
Se
a poligamia fosse conforme à lei da Natureza, devera ter
possibilidade de tornarse universal, o que seria materialmente
impossível, dada a igualdade numérica dos sexos.
Deve
ser considerada como um uso ou legislação especial apropriada a
certos costumes e que o aperfeiçoamento social fez que desaparecesse
pouco a pouco.
CAPÍTULO
V
DA
LEI DE CONSERVAÇÃO
- Instinto de Conservação. - 2. Meios de conservação. - 3. Gozo dos bens terrenos. - 4. Necessário e supérfluo. - 5. Privações voluntárias. Mortificações.
1.
Instinto de Conservação
702.
É lei da Natureza o instinto de conservação?
“Sem
dúvida. Todos os seres vivos o possuem, qualquer que seja o grau de
sua inteligência. Nuns, é puramente maquinal, raciocinado em
outros.”
703.
Com que fim outorgou Deus a todos os seres vivos o instinto de
conservação?
“Porque
todos têm que concorrer para cumprimento dos desígnios da
Providência.
Por
isso foi que Deus lhes deu a necessidade de viver. Acresce que a vida
é necessária ao aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem
instintivamente, sem disso se aperceberem.”
2.
Meios de conservação
704.
Tendo dado ao homem a necessidade de viver, Deus lhe facultou, em
todos os tempos, os meios de o conseguir?
“Certo,
e se ele os não encontra, é que não os compreende. Não fora
possível que Deus criasse para o homem a necessidade de viver, sem
lhe dar os meios de consegui-lo.
Essa
a razão por que faz que a Terra produza de modo a proporcionar o
necessário aos que a habitam, visto que só o necessário é útil.
O supérfluo nunca o é.”
705.
Por que nem sempre a terra produz bastante para fornecer ao homem
o necessário?
“É
que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe.
Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado
da sua imperícia ou da sua imprevidência. A terra produziria sempre
o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se
o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ela
emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário. Olha
o árabe no deserto.
Acha
sempre de que viver, porque não cria para si necessidades factícias.
Desde que haja desperdiçado a metade dos produtos em satisfazer a
fantasias, que motivos tem o homem para se espantar de nada encontrar
no dia seguinte e para se queixar de estar desprovido de tudo, quando
chegam os dias de penúria? Em verdade vos digo, imprevidente não é
a Natureza, é o homem, que não sabe regrar o seu viver.”
706.
Por bens da Terra unicamente se devem entender os produtos do
solo?
“O
solo é a fonte primacial donde dimanam todos os outros recursos,
pois que, em definitiva, estes recursos são simples transformações
dos produtos do solo. Por bens da Terra se deve, pois, entender tudo
de que o homem pode gozar neste mundo.”
707.
É freqüente a certos indivíduos faltarem os meios de
subsistência, ainda quando os cerca a abundância. A que se deve
atribuir isso?
“Ao
egoísmo dos homens, que nem sempre fazem o que lhes cumpre. Depois e
as mais das vezes, devem-no a si mesmos. Buscai e achareis; estas
palavras não querem dizer que, para achar o que deseje, basta que o
homem olhe para a terra, mas que lhe é preciso procurá-lo, não com
indolência, e sim com ardor e perseverança, sem desanimar ante os
obstáculos, que muito amiúde são simples meios de que se utiliza a
Providência, para lhe experimentar a constância, a paciência e a
firmeza.”
Se
é certo que a Civilização multiplica as necessidades, também o é
que multiplica as fontes de trabalho e os meios de viver. Forçoso,
porém, é convir em que, a tal respeito, muito ainda lhe resta
fazer. quando ela houver concluído a sua obra, ninguém deverá
haver que possa queixar-se de lhe faltar o necessário, a não ser
por própria culpa. A desgraça, para muitos, provém de inveredarem
por uma senda diversa da que a Natureza lhes traça. É então que
lhes falece a inteligência para o bom êxito. Para todos há lugar
ao Sol, mas com a condição de que cada um ocupe o seu e não o dos
outros. A Natureza não pode ser responsável pelos defeitos da
organização social, nem pelas conseqüências da ambição e do
amor-próprio.
Fora
preciso, entretanto, ser-se cego, para se não reconhecer o progresso
que, por esse lado, têm feito os povos mais adiantados. Graças aos
louváveis esforços que, juntas, a Filantropia e a Ciência não
cessam de despender para melhorar a condição material dos homens e
mau grado ao crescimento incessante das populações, a insuficiência
da produção se acha atenuada, pelo menos em grande parte, e os anos
mais calamitosos do presente não se podem de modo algum comparar aos
de outrora. A higiene pública, elemento tão essencial da força e
da saúde, a higiene pública, que nossos pais não conheceram, é
objeto de esclarecida solicitude. O infortúnio e o sofrimento
encontram onde se refugiem. Por toda parte a Ciência contribui para
acrescer o bem-estar. Poder-se-á dizer que já se haja chegado à
perfeição? Oh! Não, certamente; mas, o que já se fez deixa prever
o que, com perseverança, se logrará conseguir, se o homem se
mostrar bastante avisado para procurar a sua felicidade nas coisas
positivas e sérias e não em utopias que o levam a recuar em vez de
fazê-lo avançar.
708.
Não há situações em as quais os meios de subsistência de
maneira alguma dependem da vontade do homem, sendo-lhe a privação
do de que mais imperiosamente necessita uma conseqüência da força
mesma das coisas?
“É
isso uma prova, muitas vezes cruel, que lhe compete sofrer e à qual
sabia ele de antemão que viria a estar exposto. Seu mérito então
consiste em submeter-se à vontade de Deus, desde que a sua
inteligência nenhum meio lhe faculta de sair da dificuldade. Se a
morte vier colhê-lo, cumpre-lhe recebê-la sem murmurar, ponderando
que a hora da verdadeira libertação soou e que o desespero no
derradeiro momento pode ocasionar-lhe a perda do fruto de toda a sua
resignação. ”
709.
Terão cometido crime os que, em certas situações críticas, se
viram na contingência de sacrificar seus semelhantes, para matar a
fome? Se houve crime, não teve este a atenuá-lo a necessidade de
viver, que resulta do instinto de conservação?
“Já
respondi, quando disse que há mais merecimento em sofrer todas as
provações da vida com coragem e abnegação. Em tal caso, há
homicídio e crime de lesa-natureza, falta que é duplamente punida.”
710.
Nos mundos de mais apurada organização, têm os seres vivos
necessidade de alimentar-se?
“Têm,
mas seus alimentos estão em relação com a sua natureza. Tais
alimentos não seriam bastante substanciosos para os vossos estômagos
grosseiros; assim como os deles não poderiam digerir os vossos
alimentos.”
3.
Gozo dos bens terrenos
711.
O uso dos bens da Terra é um direito de todos os homens?
“Esse
direito é conseqüente da necessidade de viver. Deus não imporia um
dever sem dar ao homem o meio de cumpri-lo.”
712.
Com que fim pôs Deus atrativos no gozo dos bens materiais?
“Para
instigar o homem ao cumprimento da sua missão e para experimentá-lo
por meio da tentação.”
a)
- Qual o objetivo dessa tentação?
“Desenvolver-lhe
a razão, que deve preservá-lo dos excessos.”
Se
o homem só fosse instigado a usar dos bens terrenos pela utilidade
que têm, sua indiferença houvera talvez comprometido a harmonia do
Universo. Deus imprimiu a esse uso o atrativo do prazer, porque assim
é o homem impelido ao cumprimento dos desígnios providenciais. Mas,
além disso, dando àquele uso esse atrativo, quis Deus também
experimentar o homem por meio da tentação, que o arrasta para o
abuso, de que deve a razão defendê-lo.
713.
Traçou a Natureza limites aos gozos?
“Traçou,
para vos indicar o limite do necessário. Mas, pelos vossos excessos,
chegais à saciedade e vos punis a vós mesmos.”
714.
Que se deve pensar do homem que procura nos excessos de todo
gênero o requinte dos gozos?
“Pobre
criatura! Mais digna é de lástima que de inveja, pois bem perto
está da morte!”
a)
- Perto da morte física, ou da morte moral?
“De
ambas.”
O
homem, que procura nos excessos de todo gênero o requinte do gozo,
coloca-se abaixo do bruto, pois que este sabe deter-se, quando
satisfeita a sua necessidade, Abdica da razão que Deus lhe deu por
guia e quanto maiores forem seus excessos, tanto maior preponderância
confere ele à sua natureza animal sobre a sua natureza espiritual.
As doenças, são, ao mesmo tempo, o castigo à transgressão da lei
de Deus.
4.
Necessário e supérfluo
715.
Como pode o homem conhecer o limite do necessário?
“Aquele
que é ponderado o conhece por intuição. Muitos só chegam a
conhecê-lo por experiência e à sua própria custa.”
716.
Mediante a organização que nos deu, não traçou a Natureza o
limite das nossas necessidades?
“Sem
dúvida, mas o homem é insaciável. Por meio da organização que
lhe deu, a Natureza lhe traçou o limite das necessidades; porém, os
vícios lhe alteraram a constituição e lhe criaram necessidades que
não são reais.”
717.
Que se há de pensar dos que açambarcam os bens da Terra para se
proporcionarem
o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário?
“Olvidam
a lei de Deus e terão que responder pela privações que houverem
causado aos outros.”
Nada
tem de absoluto o limite entre o necessário e o supérfluo. A
Civilização criou necessidades que o selvagem desconhece e os
Espíritos que ditaram os preceitos acima não pretendem que o homem
civilizado deva viver como o selvagem. Tudo é relativo, cabendo à
razão regrar as coisas. A Civilização desenvolve o senso moral e,
ao mesmo tempo, o sentimento de caridade, que leva os homens a se
prestarem mútuo apoio. Os que vivem à custa das privações dos
outros exploram, em seu proveito, os benefícios da Civilização.
Desta
têm apenas o verniz, como muitos há que da religião só têm a
máscara.
5.
Privações voluntárias. Mortificações
718.
A lei de conservação obriga o homem a prover às necessidades do
corpo?
“Sim,
porque, sem força e saúde, impossível é o trabalho.”
719.
Merece censura o homem, por procurar o bem-estar?
“É
natural o desejo do bem-estar. Deus só proíbe o abuso, por ser
contrário à conservação. Ele não condena a procura do bem-estar,
desde que não seja conseguido à custa de outrem e não venha a
diminuir-vos nem as forças físicas, nem as forças morais.”
720.
São meritórias aos olhos de Deus as privações voluntárias,
com o objetivo de uma expiação igualmente voluntária?
“Fazei
o bem aos vossos semelhantes e mais mérito tereis.”
a)
- Haverá privações voluntárias que sejam meritórias?
“Há:
a privação dos gozos inúteis, porque desprende da matéria o homem
e lhe eleva a alma. Meritório é resistir à tentação que arrasta
ao excesso ou ao gozo das coisas inúteis; é o homem tirar do que
lhe é necessário para dar aos que carecem do bastante. Se a
privação não passar de simulacro, será uma irrisão.”
721.
É meritória, de qualquer ponto de vista, a vida de mortificações
ascéticas que desde a mais remota antigüidade teve praticantes no
seio de diversos povos?
“Procurai
saber a quem ela aproveita e tereis a resposta. Se somente serve para
quem a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo, seja qual for
o pretexto com que entendam de colori-la. Privar-se a si mesmo e
trabalhar para os outros, tal a verdadeira mortificação, segundo a
caridade cristã.”
722.
Será racional a abstenção de certos alimentos, prescrita a
diversos povos?
“Permitido
é ao homem alimentar-se de tudo o que lhe não prejudique a saúde.
Alguns
legisladores, porém, com um fim útil, entenderam de interdizer o
uso de certos alimentos e, para maior autoridade imprimirem às suas
leis, apresentaram-nas como emanadas de Deus.”
723.
A alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à
lei da Natureza?
“Dada
a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do
contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como
um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei
do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua
organização.”
724.
Será meritório abster-se o homem da alimentação animal, ou de
outra qualquer, por expiação?
“Sim,
se praticar essa privação em benefício dos outros. Aos olhos de
Deus, porém, só há mortificação, havendo privação séria e
útil. Por isso é que qualificamos de hipócritas os que apenas
aparentemente se privam de alguma coisa.”
725.
Que se deve pensar das mutilações operadas no corpo do homem ou
dos animais?
“A
que propósito, semelhante questão? Ainda uma vez: inquiri sempre
vós mesmos se é útil aquilo de que porventura se trate. A Deus não
pode agradar o que seja inútil e o que for nocivo Lhe será sempre
desagradável. Porque, ficai sabendo, Deus só é sensível aos
sentimentos que elevam para Ele a alma. Obedecendo-Lhe à lei e não
a violando é que podereis forrar-vos ao jugo da vossa matéria
terrestre.”
726.
Visto que os sofrimentos deste mundo nos elevam, se os suportarmos
devidamente,
dar-se-á que também nos elevam os que nós mesmos nos criamos?
“Os
sofrimentos naturais são os únicos que elevam, porque vêm de Deus.
Os sofrimentos voluntários de nada servem, quando não concorrem
para o bem de outrem.
Supões
que se adiantam no caminho do progresso os que abreviam a vida,
mediante rigores sobre-humanos, como o fazem os bonzos, os faquires e
alguns fanáticos de muitas seitas?
Por
que de preferência não trabalham pelo bem de seus semelhantes?
Vistam o indigente; consolem o que chora; trabalhem pelo que está
enfermo; sofram privações para alívio dos infelizes e então suas
vidas serão úteis e, portanto, agradáveis a Deus. Sofrer alguém
voluntariamente, apenas por seu próprio bem, é egoísmo; sofrer
pelos outros é caridade: tais os preceitos do Cristo.”
727.
Uma vez que não devemos criar sofrimentos voluntários, que
nenhuma utilidade tenham para outrem, deveremos cuidar de
preservar-nos dos que prevejamos ou nos ameacem?
“Contra
os perigos e os sofrimentos é que o instinto de conservação foi
dado a todos os seres. Fustigai o vosso espírito e não o vosso
corpo, mortificai o vosso orgulho, sufocai o vosso egoísmo, que se
assemelha a uma serpente a vos roer o coração, e fareis muito mais
pelo vosso adiantamento do que infligindo-vos rigores que já não
são deste século.”
CAPÍTULO
VI
DA
LEI DE DESTRUIÇÃO
1.
Destruição necessária e destruição abusiva. - 2. Flagelos
destruidores. - 3. Guerras. - 4. Assassínio. - 5. Crueldade. - 6.
Duelo. - 7. Pena de morte.
1.
Destruição necessária e destruição abusiva
728.
É lei da Natureza a destruição?
“Preciso
é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que
chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por
fim a renovação e melhoria dos seres vivos.”
a)
- O instinto de destruição teria sido dado aos seres vivos por
desígnios
providencias?
“As
criaturas são instrumentos de que Deus se serve para chegar aos fins
que objetiva. Para se alimentarem, os seres vivos reciprocamente se
destroem, destruição esta que obedece a um duplo fim: manutenção
do equilíbrio na reprodução, que poderia tornarse excessiva, e
utilização dos despojos do invólucro exterior que sofre a
destruição. Esse invólucro é simples acessório e não a parte
essencial do ser pensante. A parte essencial é o princípio
inteligente, que não se pode destruir e se elabora nas metamorfoses
diversas por que passa.”
729.
Se a regeneração dos seres faz necessária a destruição, por
que os cerca a Natureza de meios de preservação e conservação?
“A
fim de que a destruição não se dê antes de tempo. Toda destruição
antecipada obsta ao desenvolvimento do princípio inteligente. Por
isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse a necessidade de
viver e de se reproduzir.”
730.
Uma vez que a morte nos faz passar a uma vida melhor, nos livra
dos males desta, sendo, pois, mais de desejar do que de temer, por
que lhe tem o homem, instintivamente, tal horror, que ela lhe é
sempre motivo de apreensão?
“Já
dissemos que o homem deve procurar prolongar a vida, para cumprir a
sua tarefa. Tal o motivo por que Deus lhe deu o instinto de
conservação, instinto que o sustenta nas provas. A não ser assim,
ele muito freqüentemente se entregaria ao desânimo. A voz íntima,
que o induz a repelir a morte, lhe diz que ainda pode realizar alguma
coisa pelo seu progresso. A ameaça de um perigo constitui aviso,
para que se aproveite da dilação que Deus lhe concede. Mas,
ingrato, o homem rende graças mais vezes à sua estrela do que ao
seu Criador.”
731.
Por que, ao lado dos meios de conservação, colocou a Natureza os
agentes de destruição?
“É
o remédio ao lado do mal. Já dissemos: para manter o equilíbrio e
servir de contrapeso.”
732.
Será idêntica, em todos os mundos, a necessidade de destruição?
“Guarda
proporções com o estado mais ou menos material dos mundos. Cessa,
quando o físico e o moral se acham mais depurados. Muito diversas
são as condições de existência nos mundos mais adiantados do que
o vosso.”
733.
Entre os homens da Terra existirá sempre a necessidade da
destruição?
“Essa
necessidade se enfraquece no homem, à medida que o Espírito
sobrepuja a matéria. Assim é que, como podeis observar, o horror à
destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral.”
734.
Em seu estado atual, tem o homem direito ilimitado de destruição
sobre os animais?
“Tal
direito se acha regulado pela necessidade, que ele tem, de prover ao
seu sustento e à sua segurança. O abuso jamais constitui direito.”
735.
Que se deve pensar da destruição, quando ultrapassa os limites
que as necessidades e a segurança traçam? Da caça, por exemplo,
quando não objetiva senão o prazer de destruir sem utilidade?
“Predominância
da bestialidade sobre a natureza espiritual. Toda destruição que
excede os limites da necessidade é uma violação da lei de Deus. Os
animais só destroem para satisfação de suas necessidades; enquanto
que o homem, dotado de livre-arbítrio, destrói sem necessidade.
Terá que prestar contas do abuso da liberdade que lhe foi concedida,
pois isso significa que cede aos maus instintos.”
736.
Especial merecimento terão os povos que levam ao excesso o
escrúpulo, quanto à destruição dos animais?
“Esse
excesso, no tocante a um sentimento louvável em si mesmo, se torna
abusivo e o seu merecimento fica neutralizado por abusos de muitas
outras espécies. Entre tais povos, há mais temor supersticioso do
que verdadeira bondade.”
2.
Flagelos destruidores
737.
Com que fim fere Deus a Humanidade por meio de flagelos
destruidores?
“Para
fazê-la progredir mais depressa. Já não dissemos ser a destruição
uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos, que, em
cada nova existência, sobem um degrau na escala do aperfeiçoamento?
Preciso
é
que se veja o objetivo, para que os resultados possam ser apreciados.
Somente do vosso ponto de vista pessoal os apreciais; daí vem que os
qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo que vos causam.
Essas subversões, porém, são freqüentemente necessárias para que
mais pronto se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para que
se realize em alguns anos o que teria exigido muitos séculos.”
738.
Para conseguir a melhora da Humanidade, não podia Deus empregar
outros meios que não os flagelos destruidores?
“Pode
e os emprega todos os dias, pois que deu a cada um os meios de
progredir pelo conhecimento do bem e do mal. O homem, porém, não se
aproveita desses meios.
Necessário,
portanto, se torna que seja castigado no seu orgulho e que se lhe
faça sentir a sua fraqueza.”
a)
- Mas, nesses flagelos, tanto sucumbe o homem de bem como o
perverso. Será justo isso?
“Durante
a vida, o homem tudo refere ao seu corpo; entretanto, de maneira
diversa pensa depois da morte. Ora, conforme temos dito, a vida do
corpo bem pouca coisa é. Um século no vosso mundo não passa de um
relâmpago na eternidade. Logo, nada são os sofrimentos de
alguns dias ou de alguns meses, de que tanto vos queixais.
Representam um ensino que se vos dá e que vos servirá no futuro. Os
Espíritos, que preexistem e sobrevivem a tudo, formam o mundo real.
Esses os filhos de Deus e o objeto de toda a Sua solicitude. Os
corpos são meros disfarces com que eles aparecem no mundo. Por
ocasião das grandes calamidades que dizimam os homens, o espetáculo
é semelhante ao de um exército cujos soldados, durante a guerra,
ficassem com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general
se preocupa mais com seus soldados do que com os uniformes deles.”
b)
- Mas, nem por isso as vítimas desses flagelos deixam de o ser.
“Se
considerásseis a vida qual ela é e quão pouca coisa representa com
relação ao infinito, menos importância lhe daríeis. Em outra
vida, essas vítimas acharão ampla compensação aos seus
sofrimentos, se souberem suportá-los sem murmurar.”
Venha
por um flagelo a morte, ou por uma causa comum, ninguém deixa por
isso de morrer, desde que haja soado a hora da partida. A única
diferença, em caso de flagelo, é que maior número parte ao mesmo
tempo.
Se,
pelo pensamento, pudéssemos elevar-nos de maneira a dominar a
Humanidade e abrangê-la em seu conjunto, esses tão terríveis
flagelos não nos pareceriam mais do que passageiras tempestades no
destino do mundo.
739.
Têm os flagelos destruidores utilidade, do ponto de vista físico,
não obstante os males que ocasionam?
“Têm.
Muitas vezes mudam as condições de uma região. Mas, o bem que
deles resulta só as gerações vindouras o experimentam.”
740.
Não serão os flagelos, igualmente, provas morais para o homem,
por poremno a braços com as mais aflitivas necessidades?
“Os
flagelos são provas que dão ao homem ocasião de exercitar a sua
inteligência, de demonstrar sua paciência e resignação ante a
vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus
sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se
o não domina o egoísmo.”
741.
Dado é ao homem conjurar os flagelos que o afligem?
“Em
parte, é; não, porém, como geralmente o entendem. Muitos flagelos
resultam da imprevidência do homem. À medida que adquire
conhecimentos e experiência, ele os vai podendo conjurar, isto é,
prevenir, se lhes sabe pesquisar as causas. Contudo, entre os males
que afligem a Humanidade, alguns há de caráter geral, que estão
nos decretos da Providência e dos quais cada indivíduo recebe, mais
ou menos, o contragolpe. A esses nada pode o homem opor, a não ser
sua submissão à vontade de Deus. Esses mesmos males, entretanto,
ele muitas vezes os agrava pela sua negligência.”
Na
primeira linha dos flagelos destruidores, naturais e independentes do
homem, devem ser colocados a peste, a fome, as inundações, as
intempéries fatais às produções da terra. Não tem, porém, o
homem encontrado na Ciência, nas obras de arte, no aperfeiçoamento
da agricultura, nos afolhamentos e nas irrigações, no estudo das
condições higiênicas, meios de impedir, ou, quando menos, de
atenuar muitos desastres? Certas regiões, outrora assoladas por
terríveis flagelos, não estão hoje preservadas deles? Que não
fará, portanto, o homem pelo seu bem-estar material, quando souber
aproveitar-se de todos os recursos da sua inteligência e quando aos
cuidados da sua conservação pessoal, souber
aliar
o sentimento de verdadeira caridade para com os seus semelhantes? (
3.
Guerras
742.
Que é que impele o homem à guerra?
“Predominância
da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das
paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem - o
do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um
estado normal. À medida que o homem progride, menos freqüente se
torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com
humanidade,
quando a sente necessária.”
743.
Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?
“Sim,
quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus.
Nessa época, todos os povos serão irmãos.”
744.
Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?
“A
liberdade e o progresso.”
a)
- Desde que a guerra deve ter por efeito produzir o advento da
liberdade, como pode freqüentemente ter por objetivo e resultado a
escravização?
“Escravização
temporária, para esmagar os povos, a fim de fazê-los progredir mais
depressa.”
745.
Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu?
“Grande
culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias
para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto
responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para
satisfazer à sua ambição.”
4.
Assassínio
746.
É crime aos olhos de Deus o assassínio?
“Grande
crime, pois que aquele que tira a vida ao seu semelhante corta o fio
de uma existência de expiação ou de missão. Aí é que
está o mal.”
747.
É sempre do mesmo grau a culpabilidade em todos os casos de
assassínio?
“Já
o temos dito: Deus é justo, julga mais pela intenção do que pelo
fato.”
748.
Em caso de legítima defesa, escusa Deus o assassínio?
“Só
a necessidade o pode escusar. Mas, desde que o agredido possa
preservar sua vida, sem atentar contra a de seu agressor, deve
fazê-lo.”
749.
Tem o homem culpa dos assassínios que pratica durante a guerra?
“Não,
quando constrangido pela força; mas é culpado das crueldades que
cometa, sendo-lhe também levado em conta o sentimento de humanidade
com que proceda.”
750.
Qual o mais condenável aos olhos de Deus, o parricídio ou o
infanticídio?
“Ambos
o são igualmente, porque todo crime é um crime.”
751.
Como se explica que entre alguns povos, já adiantados sob o ponto
de vista intelectual, o infanticídio seja um costume e esteja
consagrado pela legislação?
“O
desenvolvimento intelectual não implica a necessidade do bem. Um
Espírito, superior em inteligência, pode ser mau. Isso se dá com
aquele que muito tem vivido sem se melhorar: apenas sabe.”
5.
Crueldade
752.
Poder-se-á ligar o sentimento de crueldade ao instinto de
destruição?
“É
o instinto de destruição no que tem de pior, porquanto, se, algumas
vezes, a destruição constitui uma necessidade, com a crueldade
jamais se dá o mesmo. Ela resulta sempre de uma natureza má.”
753.
Por que razão a crueldade forma o caráter predominante dos povos
primitivos?
“Nos
povos primitivos, como lhes chamas, a matéria prepondera sobre o
Espírito.
Eles
se entregam aos instintos do bruto e, como não experimentam outras
necessidades além das da vida do corpo, só da conservação pessoal
cogitam e é o que os torna, em geral, cruéis. Demais, os povos de
imperfeito desenvolvimento se conservam sob o império de Espíritos
também imperfeitos, que lhes são simpáticos, até que povos mais
adiantados venham destruir ou enfraquecer essa influência.”
754.
A crueldade não derivará da carência de senso moral?
“Dize
- da falta de desenvolvimento do senso moral; não digas da carência,
porquanto
o senso moral existe, como princípio, em todos os homens. É esse
senso moral que dos seres cruéis fará mais tarde seres bons e
humanos. Ele, pois, existe no selvagem, mas como o princípio do
perfume no gérmen da flor que ainda não desabrochou.”
Em
estado rudimentar ou latente, todas as faculdades existem no homem.
Desenvolvem-se,
conforme lhes sejam mais ou menos favoráveis as circunstâncias. O
desenvolvimento excessivo de uma detém ou neutraliza o das outras. A
sobreexcitação dos instintos materiais abafa, por assim dizer, o
senso moral, como o desenvolvimento do senso moral enfraquece pouco a
pouco as faculdades puramente animais.
755.
Como pode dar-se que, no seio da mais adiantada civilização, se
encontrem seres às vezes cruéis quanto os selvagens?
“Do
mesmo modo que numa árvore carregada de bons frutos se encontram
verdadeiros
abortos. São, se quiseres, selvagens que da civilização só têm o
exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros. Espíritos de ordem
inferior e muito atrasados podem encarnar entre homens adiantados, na
esperança de também se adiantarem, Mas, desde que a prova é por
demais pesada, predomina a natureza primitiva.”
756.
A sociedade dos homens de bem se verá algum dia expurgada dos
seres malfazejos?
“A
Humanidade progride. Esses homens, em quem o instinto do mal domina e
que se acham deslocados entre pessoas de bem, desaparecerão
gradualmente, como o mau grão se separa do bom, quando este é
joeirado. Mas, desaparecerão para renascer sob outros invólucros.
Como então terão mais experiência, compreenderão melhor o bem e o
mal.
Tens
disso um exemplo nas plantas e nos animais que o homem há conseguido
aperfeiçoar, desenvolvendo neles qualidades novas. Pois bem, só ao
cabo de muitas gerações o desenvolvimento se torna completo. É a
imagem das diversas existências do homem.”
6.
Duelo
757.
Pode-se considerar o duelo como um caso de legítima defesa?
“Não;
é um assassínio e um costume absurdo, digno dos bárbaros. Com uma
civilização mais adiantada e mais moral, o homem
compreenderá que o duelo é tão ridículo quanto os combates que
outrora se consideravam como o juízo de Deus.”
758.
Poder-se-á considerar o duelo como um assassínio por parte
daquele que, conhecendo a sua própria fraqueza, tem a quase certeza
de que sucumbirá?
“É
um suicídio.”
a)
- E quando as probabilidades são as mesmas para ambos os
duelistas, haverá assassínio ou suicídio?
“Um
e outro.”
Em
todos os casos, mesmo quando as probabilidades são idênticas para
ambos os combatentes, o duelista incorre em culpa, primeiro, porque
atenta friamente e de propósito deliberado contra a vida de seu
semelhante; depois, porque expõe inutilmente a sua própria vida,
sem proveito para ninguém.”
759.
Que valor tem o que se chama ponto de honra, em matéria de
duelo?
“Orgulho
e vaidade: dupla chaga da Humanidade.”
a)
- Mas, não há casos em que a honra se acha verdadeiramente
empenhada e em que uma recusa fora covardia?
“Isso
depende dos usos e costumes. Cada país e cada século tem a esse
respeito um modo de ver diferente. Quando os homens forem melhores e
estiverem mais adiantados em moral, compreenderão que o verdadeiro
ponto de honra está acima das paixões terrenas e que não é
matando, nem se deixando matar, que repararão agravos.”
Há
mais grandeza e verdadeira honra em confessar-se culpado o homem, se
cometeu falta, ou em perdoar, se de seu lado esteja a razão, e,
qualquer que seja o caso, em desprezar os insultos, que o não podem
atingir.
7.
Pena de morte
760.
Desaparecerá algum dia, da legislação humana, a pena de morte?
“Incontestavelmente
desaparecerá e a sua supressão assinalará um progresso da
Humanidade. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, a pena de
morte será completamente abolida na Terra. Não mais precisarão os
homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me a uma época ainda
muito distante de vós.”
Sem
dúvida, o progresso social ainda muito deixa a desejar. Mas, seria
injusto para com a sociedade moderna quem não visse um progresso nas
restrições postas à pena de morte, no seio dos povos mais
adiantados, e à natureza dos crimes a que a sua aplicação se acha
limitada. Se compararmos as garantias de que, entre esses mesmos
povos, a justiça procura cercar o acusado, a humanidade de que usa
para com ele, mesmo quando o reconhece culpado, com o que se
praticava em tempos que ainda não vão muito longe, não poderemos
negar o avanço do gênero humano na senda do progresso.
761.
A lei de conservação dá ao homem o direito de preservar sua
vida. Não usará ele desse direito, quando elimina da sociedade um
membro perigoso?
“Há
outros meios de ele se preservar do perigo, que não matando. Demais,
é preciso abrir e não fechar ao criminoso a porta do
arrependimento.”
762.
A pena de morte, que pode vir a ser banida das sociedades
civilizadas, não terá sido de necessidade em épocas menos
adiantadas?
“Necessidade
não é o termo. O homem julga necessária uma coisa, sempre que não
descobre outra melhor. À proporção que se instrui, vai
compreendendo melhormente o que é justo e o que é injusto e repudia
os excessos cometidos, nos tempos de ignorância, em nome da
justiça.”
763.
Será um indício de progresso da civilização a restrição dos
casos em que se aplica a pena de morte?
“Podes
duvidar disso? Não se revolta o teu Espírito, quando lês a
narrativa das carnificinas humanas que outrora se faziam em nome da
justiça e, não raro, em honra da Divindade; das torturas que se
infligiam ao condenado e até ao simples acusado, para lhe arrancar,
pela agudeza do sofrimento, a confissão de um crime que muitas vezes
não cometera? Pois bem! Se houvesses vivido nessas épocas, terias
achado tudo isso natural e talvez mesmo, se foras juiz, fizesses
outro tanto. Assim é que o que pareceu justo, numa época, parece
bárbaro em outra. Só as leis divinas são eternas; as humanas mudam
com o progresso e continuarão a mudar, até que tenham sido postas
de acordo com aquelas.”
764.
Disse Jesus: Quem matou com a espada, pela espada perecerá. Estas
palavras não consagram a pena de talião e, assim a morte dada ao
assassino não constitui uma aplicação dessa pena?
“Tomai
cuidado! Muito vos tendes enganado a respeito dessas palavras, como
acerca de outras. A pena de talião é a justiça de Deus. É
Deus quem a aplica. Todos vós sofreis essa pena a cada instante,
pois que sois punidos naquilo em que haveis pecado, nesta
existência ou em outra. Aquele que foi causa do sofrimento para
seus semelhantes virá a achar-se numa condição em que sofrerá o
que tenha feito sofrer. Este o sentido das palavras de Jesus. Mas,
não vos disse ele também: Perdoai aos vossos inimigos? E não vos
ensinou a pedir a Deus que vos perdoe as ofensas como houverdes vós
mesmos perdoado, isto é, na mesma proporção em que
houverdes perdoado, compreendei-o bem?”
765.
Que se deve pensar da pena de morte imposta em nome de Deus?
“É
tomar o homem o lugar de Deus na distribuição da justiça. Os que
assim procedem mostram quão longe estão de compreender Deus e que
muito ainda têm que expiar. A pena de morte é um crime, quando
aplicada em nome de Deus, e os que a impõem se sobrecarregam de
outros tantos assassínios.”
CAPÍTULO
VII
DA
LEI DE SOCIEDADE
- Necessidade da vida social. - 2. Vida de insulamento. Voto de silêncio. - 3. Laços de família.
1.
Necessidade da vida social
766.
A vida social está em a Natureza?
“Certamente.
Deus fez o homem para viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente a
palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de
relação.”
767.
É contrário à lei da Natureza o insulamento absoluto?
“Sem
dúvida, pois que por instinto os homens buscam a sociedade e todos
devem concorrer para o progresso, auxiliando-se mutuamente.”
768.
Procurando a sociedade, não fará o homem mais do que obedecer a
um sentimento pessoal, ou há nesse sentimento algum providencial
objetivo de ordem mais geral?
“O
homem tem que progredir. Insulado, não lhe é isso possível, por
não dispor de todas as faculdades. Falta-lhe o contacto com os
outros homens. No insulamento, ele se embrutece e estiola.”
Homem
nenhum possui faculdades completas. Mediante a união social é que
elas umas às outras se completam, para lhe assegurarem o bem-estar e
o progresso. Por isso é que, precisando uns dos outros, os homens
foram feitos para viver em sociedade e não insulados.
2.
Vida de insulamento. Voto de silêncio
769.
Concebe-se que, como princípio geral, a vida social esteja na
Natureza. Mas, uma vez que também todos os gostos estão na
Natureza, por que será condenável o do insulamento absoluto, desde
que cause satisfação ao homem?
“Satisfação
egoísta. Também há homens que experimentam satisfação na
embriaguez.
Merece-te isso aprovação? Não pode agradar a Deus uma vida pela
qual o homem se condena a não ser útil a ninguém.”
770.
Que se deve pensar dos que vivem em absoluta reclusão, fugindo ao
pernicioso contacto do mundo?
“Duplo
egoísmo.”
a)
- Mas, não será meritório esse retraimento se tiver por fim uma
expiação,impondo-se aquele que o busca uma privação penosa?
“Fazer
maior soma de bem do que de mal constitui a melhor expiação.
Evitando um mal, aquele que por tal motivo se insula cai noutro, pois
esquece a lei de amor e de caridade.”
771.
Que pensar dos que fogem do mundo para se votarem ao mister de
socorrer os desgraçados?
“Esses
se elevam, rebaixando-se. Têm o duplo mérito de se colocarem acima
dos gozos materiais e de fazerem o bem, obedecendo à lei do
trabalho.”
a)
- E dos que buscam no retiro a tranqüilidade que certos trabalhos
reclamam?
“Isso
não é retraimento absoluto do egoísta. Esses não se insulam da
sociedade, porquanto para ela trabalham.”
772.
Que pensar do voto de silêncio prescrito por algumas seitas,
desde a mais remota antigüidade?
“Perguntai,
antes, a vós mesmos se a palavra é faculdade natural e por que Deus
a concedeu ao homem. Deus condena o abuso e não o uso das faculdades
que lhe outorgou.
Entretanto,
o silêncio é útil, pois no silêncio pões em prática o
recolhimento; teu espírito se torna mais livre e pode entrar em
comunicação conosco. Mas o voto de silêncio é uma tolice.
Sem dúvida obedecem a boa intenção os que consideram essas
privações como atos de virtude. Enganam-se, no entanto, porque não
compreendem suficientemente as verdadeiras leis de Deus.”
O
voto de silêncio absoluto, do mesmo modo que o voto de insulamento,
priva o homem das relações sociais que lhe podem facultar ocasiões
de fazer o bem e de cumprir a lei do progresso.
3.Laços
de família
773.
Por que é que, entre os animais, os pais e os filhos deixam de
reconhecer-se, desde que estes não mais precisam de cuidados?
“Os
animais vivem vida material e não vida moral. A ternura da mãe
pelos filhos tem por princípio o instinto de conservação dos seres
que ela deu à luz. Logo que esses seres podem cuidar de si mesmos,
está ela com a sua tarefa concluída; nada mais lhe exige a
Natureza. Por isso é que os abandona, a fim de se ocupar com os
recém-vindos.”
774.
Há pessoas que, do fato de os animais ao cabo de certo tempo
abandonarem suas crias, deduzem não serem os laços de família,
entre os homens, mais do que resultado dos costumes sociais e não
efeito de uma lei da Natureza. Que devemos pensar a esse respeito?
“Diverso
do dos animais é o destino do homem. Por que, então, quererem
identificálo com estes? Há no homem alguma coisa mais, além das
necessidades físicas: há a necessidade de progredir. Os laços
sociais são necessários ao progresso e os de família mais
apertados tornam os primeiros. Eis por que os segundos constituem uma
lei da Natureza. Quis Deus que, por essa forma, os homens aprendessem
a amar-se como irmãos.”
775.
Qual seria, para a sociedade, o resultado do relaxamento dos laços
de família?
“Uma
recrudescência do egoísmo.”
CAPÍTULO
VI
DA
LEI DO PROGRESSO
- Estado de natureza. - 2. Marcha do progresso. - 3. Povos degenerados. - 4. Civilização. - 5. Progresso da legislação humana. - 6. Influência do Espiritismo no progresso.
1.
Estado da natureza
776.
Serão coisas idênticas o estado de natureza e a lei natural?
“Não,
o estado de natureza é o estado primitivo. A civilização é
incompatível com o estado de natureza, ao passo que a lei natural
contribui para o progresso da Humanidade.”
O
estado de natureza é a infância da Humanidade e o ponto de partida
do seu desenvolvimento intelectual e moral. Sendo perfectível e
trazendo em si o gérmen do seu aperfeiçoamento, o homem não foi
destinado a viver perpetuamente no estado de natureza, como não o
foi a viver eternamente na infância. Aquele estado é transitório
para o homem, que dele sai por virtude do progresso e da civilização.
A lei natural, ao contrário, rege a Humanidade inteira e o homem se
melhora à medida que melhor a compreende e pratica.
777.
Tendo o homem, no estado de natureza, menos necessidades, isento
se acha das tribulações que para si mesmo cria, quando num estado
de maior adiantamento.
Diante
disso, que se deve pensar da opinião dos que consideram aquele
estado como o da mais perfeita felicidade na Terra?
“Que
queres! É a felicidade do bruto. Há pessoas que não compreendem
outra. É ser feliz à maneira dos animais. As crianças também são
mais felizes do que os homens feitos.”
778.
Pode o homem retrogradar para o estado de natureza?
“Não,
o homem tem que progredir incessantemente e não pode volver ao
estado de infância. Desde que progride, é porque Deus assim o quer.
Pensar que possa retrogradar à sua primitiva condição fora negar a
lei do progresso.”
2.
Marcha do progresso
779.
A força para progredir, haure-a o homem em si mesmo, ou o
progresso é apenas fruto de um ensinamento?
“O
homem se desenvolve por si mesmo, naturalmente. Mas, nem todos
progridem simultaneamente e do mesmo modo. Dá-se então que os mais
adiantados auxiliam o progresso dos outros, por meio do contacto
social.”
780.
O progresso moral acompanha sempre o progresso intelectual?
“Decorre
deste, mas nem sempre o segue imediatamente.” (192-365)
a)
- Como pode o progresso intelectual engendrar o progresso moral?
“Fazendo
compreensíveis o bem e o mal. O homem, desde então, pode escolher.
O desenvolvimento do livre-arbítrio acompanha o da inteligência e
aumenta a responsabilidade dos atos.”
b)
- Como é, nesse caso, que, muitas vezes, sucede serem os povos
mais instruídos os mais pervertidos também?
“O
progresso completo constitui o objetivo. Os povos, porém, como os
indivíduos, só passo a passo o atingem. Enquanto não se lhes haja
desenvolvido o senso moral, pode mesmo acontecer que se sirvam da
inteligência para a prática do mal. O moral e a inteligência são
duas forças que só com o tempo chegam a equilibrar-se.”
781.
Tem o homem o poder de paralisar a marcha do progresso?
“Não,
mas tem, às vezes, o de embaraçá-la.”
a)
- Que se deve pensar dos que tentam deter a marcha do progresso e
fazer que a Humanidade retrograde?
“Pobres
seres, que Deus castigará! Serão levados de roldão pela torrente
que procuram deter.”
Sendo
o progresso uma condição da natureza humana, não está no poder do
homem opor-se-lhe. É uma força viva, cuja ação pode ser
retardada, porém não anulada, por leis humanas más. Quando estas
se tornam incompatíveis com ele, despedaça-as juntamente com os que
se esforcem por mantê-las. Assim será, até que o homem tenha posto
suas leis em concordância com a justiça divina, que quer que todos
participem do bem e não a vigência de leis feitas pelo forte em
detrimento do fraco.
782.
Não há homens que de boa-fé obstam ao progresso, acreditando
favorecê-lo, porque, do ponto de vista em que se colocam, o vêem
onde ele não existe?
“Assemelham-se
a pequeninas pedras que, colocadas debaixo da roda de uma grande
viatura, não a impedem de avançar.”
783.
Segue sempre marcha progressiva e lenta o aperfeiçoamento da
Humanidade?
“Há
o progresso regular e lento, que resulta da força das coisas.
Quando, porém, um povo não progride tão depressa quanto devera,
Deus o sujeita, de tempos a tempos, a um abalo físico ou moral que o
transforma.”
O
homem não pode conservar-se indefinidamente na ignorância, porque
tem de atingir a finalidade que a Providência lhe assinou. Ele se
instrui pela força das coisas. As revoluções morais, como as
revoluções sociais, se infiltram nas idéias pouco a pouco;
germinam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o
desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de
estar em harmonia com as necessidades
novas
e com as novas aspirações.
Nessas
comoções, o homem quase nunca percebe senão a desordem e a
confusão momentâneas que o ferem nos seus interesses materiais.
Aquele, porém, que eleva o pensamento acima da sua própria
personalidade, admira os desígnios da Providência, que do mal faz
sair o bem. São a procela, a tempestade que saneiam a atmosfera,
depois de a terem agitado violentamente.
784.
Bastante grande é a perversidade do homem. Não parece que, pelo
menos do ponto de vista moral, ele, em vez de avançar, caminha aos
recuos?
“Enganas-te.
Observa bem o conjunto e verás que o homem se adianta, pois que
melhor compreende o que é mal, e vai dia a dia reprimindo os abusos.
Faz-se mister que o mal chegue ao excesso, para tornar compreensível
a necessidade do bem e das reformas.”
785.
Qual o maior obstáculo ao progresso?
“O
orgulho e o egoísmo. Refiro-me ao progresso moral, porquanto o
intelectual se efetua sempre. À primeira vista, parece mesmo que o
progresso intelectual reduplica a atividade daqueles vícios,
desenvolvendo a ambição e o gosto das riquezas, que, a seu turno,
incitam o homem a empreender pesquisas que lhe esclarecem o Espírito.
Assim é que tudo se prende, no mundo moral, como no mundo físico, e
que do próprio mal pode nascer o bem. Curta, porém, é a duração
desse estado de coisas, que mudará à proporção que o homem
compreender melhor que, além da que o gozo dos bens terrenos
proporciona, uma felicidade existe maior e infinitamente mais
duradoura.” (Vide: Egoísmo, cap. XII.)
Há
duas espécies de progresso, que uma a outra se prestam mútuo apoio,
mas que, no entanto, não marcham lado a lado: o progresso
intelectual e o progresso moral. Entre os povos civilizados, o
primeiro tem recebido, no correr deste século, todos os incentivos.
Por isso mesmo atingiu um grau a que ainda não chegara antes da
época atual. Muito falta para que o segundo se ache no mesmo nível.
Entretanto, comparando-se os costumes sociais de hoje com os de
alguns séculos atrás, só um cego negaria o progresso realizado.
Ora, sendo assim, por que haveria essa marcha ascendente de parar,
com relação, de preferência, ao moral, do que com relação ao
intelectual? Por que será impossível que entre o dezenove e o
vigésimo quarto século haja, a esse respeito, tanta diferença
quanta entre o décimo quarto século e o século dezenove? Duvidar
fora pretender que a Humanidade está no apogeu da perfeição, o que
seria absurdo, ou que ela não é perfectível moralmente, o que a
experiência desmente.
3.
Povos degenerados
786.
Mostra-nos a História que muitos povos, depois de abalos que os
revolveramprofundamente, recaíram na barbaria. Onde, neste caso, o
progresso?
“Quando
tua casa ameaça ruína, mandas demoli-la e constróis outra mais
sólida e mais cômoda. Mas, enquanto esta não se apronta, há
perturbação e confusão na tua morada.
“Compreende
mais o seguinte: eras pobre e habitavas um casebre; tornando-te rico,
deixaste-o para habitar um palácio. Então, um pobre diabo, como
eras antes, vem tomar o lugar que ocupavas e fica muito contente,
porque estava sem ter onde se abrigar. Pois bem!
Aprende
que os Espíritos que, encarnados, constituem o povo degenerado não
são os que o constituíam ao tempo do seu esplendor. Os de então,
tendo-se adiantado, passaram para habitações mais perfeitas e
progrediram, enquanto os outros, menos adiantados, tomaram o lugar
que ficara vago e que também, a seu turno, terão um dia que
deixar.”
787.
Não há raças rebeldes, por sua natureza, ao progresso?
“Há,
mas vão aniquilando-se corporalmente, todos os dias.”
a)
- Qual será a sorte futura das almas que animam essas raças?
“Chegarão,
como todas as demais, à perfeição, passando por outras
existências. Deus a ninguém deserda.”
b)
- Assim, pode dar-se que os homens mais civilizados tenham sido
selvagens e antropófagos?
“Tu
mesmo o foste mais de uma vez, antes de seres o que és.”
788.
Os povos são individualidades coletivas que como os indivíduos,
passam pela infância, pela idade da madureza e pela decrepitude.
Esta verdade, que a História comprova, não será de molde a fazer
supor que os povos mais adiantados deste século terão seu declínio
e sua extinção, como os da antigüidade?
“Os
povos, que apenas vivem a vida do corpo, aqueles cuja grandeza
unicamente assenta na força e na extensão territorial, nascem,
crescem e morrem, porque a força de um povo se exaure, como a de um
homem. Aqueles, cujas leis egoísticas obstam ao progresso das luzes
e da caridade, morrem, porque a luz mata as trevas e a caridade mata
o egoísmo.
Mas,
para os povos, como para os indivíduos, há a vida da alma. Aqueles,
cujas leis se harmonizam com as leis eternas do Criador, viverão e
servirão de farol aos outros povos.”
789.
O progresso fará que todos os povos da Terra se achem um dia
reunidos, formando uma só nação?
“Uma
nação única, não; seria impossível, visto que da diversidade dos
climas se originam costumes e necessidades diferentes, que constituem
as nacionalidades, tornando indispensáveis sempre leis apropriadas a
esses costumes e necessidades. A caridade, porém, desconhece
latitudes e não distingue a cor dos homens. Quando, por toda parte,
a lei de Deus servir de base à lei humana, os povos praticarão
entre si a caridade, como os indivíduos. Então,viverão felizes e
em paz, porque nenhum cuidará de causar dano ao seu vizinho, nem de
viver a expensas dele.”
A
Humanidade progride, por meio dos indivíduos que pouco a pouco se
melhoram e instruem. Quando estes preponderam pelo número, tomam a
dianteira e arrastam os outros.
De
tempos a tempos, surgem no seio dela homens de gênio que lhe dão um
impulso; vêm depois, como instrumentos de Deus, os que têm
autoridade e, nalguns anos fazem-na adiantar-se de muitos séculos.
O
progresso dos povos também realça a justiça da reencarnação.
Louváveis esforços empregam os homens de bem para conseguir que uma
nação se adiante, moral e intelectualmente. Transformada, a nação
será mais ditosa neste mundo e no outro, concebese.
Mas,
durante a sua marcha lenta através dos séculos, milhares de
indivíduos morrem todos os dias. Qual a sorte de todos os que
sucumbem ao longo do trajeto? Privá-los-á, a sua relativa
inferioridade da felicidade reservada aos que chegam por último? Ou
também relativa será a felicidade que lhes cabe? Não é possível
que a justiça divina haja consagrado semelhante injustiça. Com a
pluralidade das existências, é igual para todos o direito à
felicidade, porque ninguém fica privado do progresso. Podendo, os
que viveram ao tempo da barbaria, voltar, na época da civilização,
a viver no seio do mesmo povo, ou de outro, é claro que todos tiram
proveito da marcha ascensional.
Outra
dificuldade, no entanto, apresenta aqui o sistema da unicidade das
existências.
Segundo
este sistema, a alma é criada no momento em que nasce o ser humano.
Então, se um homem é mais adiantado do que outro, é que Deus criou
para ele uma alma mais adiantada. Por que esse favor? Que merecimento
tem esse homem, que não viveu mais do que outro, que talvez haja
vivido menos, para ser dotado de uma alma superior? Esta, porém, não
é a dificuldade principal. Se os homens vivessem um milênio,
conceber-se-ia que, nesse período milenar, tivessem tempo de
progredir. Mas, diariamente morrem criaturas em todas as idades;
incessantemente se renovam na face do planeta, de tal sorte que todos
os dias aparece uma multidão delas e outra desaparece. Ao cabo de
mil anos, já não há naquela nação vestígio de seus antigos
habitantes. Contudo, de bárbara, que era, ela
se
tornou policiada. Que foi o que progrediu? Foram os indivíduos
outrora bárbaros? Mas, esses morreram há muito tempo. Teriam sido
os recém-chegados? Mas, se suas almas foram criadas no momento em
que eles nasceram, essas almas não existiam na época da barbaria e
forçoso será então admitir-se que os esforços que se despendem
para civilizar um povo têm o poder, não de melhorar almas
imperfeitas, porém de fazer que Deus crie almas mais perfeitas.
Comparemos
esta teoria do progresso com a que os Espíritos apresentaram. As
almas vindas no tempo da civilização tiveram sua infância, como
todas as outras, mas já tinham vivido antes e vêm adiantadas
por efeito do progresso realizado anteriormente. Vêm atraídas por
meio que lhes é simpático e que se acha em relação com o estado
em que atualmente se encontram. De sorte que, os cuidados dispensados
à civilização de um povo não têm como conseqüência fazer que,
de futuro, se criem almas mais perfeitas; têm sim, o de atrair as
que já progrediram, quer tenham vivido no seio do povo que se
figura, ao tempo da sua barbaria, quer venham de outra parte. Aqui se
nos depara igualmente a chave do progresso da Humanidade inteira.
Quando todos os povos estiverem no mesmo nível, no tocante ao
sentimento do bem, a Terra será ponto de reunião exclusivamente de
bons Espíritos, que viverão fraternalmente unidos. Os maus,
sentindo-se aí repelidos e deslocados, irão procurar, em mundos
inferiores, o meio que lhes convém, até que sejam dignos de volver
ao nosso, então transformado. Da teoria vulgar ainda resulta que os
trabalhos de melhoria social só às gerações presentes e futuras
aproveitam, sendo de resultados nulos para as gerações passadas,
que cometeram o erro de vir muito cedo e que ficam sendo o que podem
ser, sobrecarregadas com o peso de seus atos de barbaria.
Segundo
a doutrina dos Espíritos, os progressos ulteriores aproveitam
igualmente às gerações pretéritas, que voltam a viver em melhores
condições e podem assim aperfeiçoarse no foco da civilização.
4.
Civilização
790.
É um progresso a civilização ou, como o entendem alguns
filósofos, uma decadência da Humanidade?
“Progresso
incompleto. O homem não passa subitamente da infância à madureza.”
a)
- Será racional condenar-se a civilização?
“Condenai
antes os que dela abusam e não a obra de Deus.”
791.
Apurar-se-á algum dia a civilização, de modo a fazer que
desapareçam os males que haja produzido?
“Sim,
quando o moral estiver tão desenvolvido quanto a inteligência. O
fruto não pode surgir antes da flor.”
792.
Por que não efetua a civilização, imediatamente, todo o bem que
poderia produzir?
“Porque
os homens ainda não estão aptos nem dispostos a alcançá-lo.”
a)
- Não será também porque, criando novas necessidades, suscita
paixões novas?
“É,
e ainda porque não progridem simultaneamente todas as faculdades do
Espírito.
Tempo
é preciso para tudo. De uma civilização incompleta não podeis
esperar frutos perfeitos.”
793.
Por que indícios se pode reconhecer uma civilização completa?
“Reconhecê-la-eis
pelo desenvolvimento moral. Credes que estais muito adiantados,
porque tendes feito grandes descobertas e obtido maravilhosas
invenções; porque vos alojais e vestis melhor do que os selvagens.
Todavia, não tereis verdadeiramente o direito de dizer-vos
civilizados, senão quando de vossa sociedade houverdes banido os
vícios que a desonram e quando viverdes como irmãos, praticando a
caridade cristã. Até então, sereis apenas povos esclarecidos, que
hão percorrido a primeira fase da civilização.”
A
civilização, como todas as coisas, apresenta gradações diversas.
Uma civilização incompleta é um estado transitório, que gera
males especiais, desconhecidos do homem no estado primitivo. Nem por
isso, entretanto, constitui menos um progresso natural, necessário,
que traz consigo o remédio para o mal que causa. À medida que a
civilização se aperfeiçoa, faz cessar alguns dos males que gerou,
males que desaparecerão todos com o progresso moral.
De
duas nações que tenham chegado ao ápice da escala social, somente
pode considerar-se a mais civilizada, na legítima acepção do
termo, aquela onde exista menos egoísmo, menos cobiça e menos
orgulho; onde os hábitos sejam mais intelectuais e morais do que
materiais; onde a inteligência se puder desenvolver com maior
liberdade; onde haja mais bondade, boa-fé, benevolência e
generosidade recíprocas; onde menos enraizados se mostrem os
preconceitos de casta e de nascimento, por isso que tais preconceitos
são incompatíveis com o verdadeiro amor do próximo; onde as leis
nenhum privilégio consagrem e sejam as mesmas, assim para o último,
como para o primeiro; onde com menos parcialidade se exerça a
justiça; onde o fraco encontre sempre amparo contra o forte; onde a
vida do homem, suas crenças e opiniões sejam melhormente
respeitadas; onde exista menor número de desgraçados; enfim, onde
todo homem de boa-vontade esteja certo de lhe não faltar o
necessário.
- Progresso da legislação humana
794.
Poderia a sociedade reger-se unicamente pelas leis naturais, sem o
concurso das leis humanas?
“Poderia,
se todos as compreendessem bem. Se os homens as quisessem praticar,
elas bastariam. A sociedade, porém, tem suas exigências. São-lhe
necessárias leis especiais.”
795.
Qual a causa da instabilidade das leis humanas?
“Nas
épocas de barbaria, são os mais fortes, que fazem as leis e eles as
fizeram para si. À proporção que os homens foram compreendendo
melhor a justiça, indispensável se tornou a modificação delas.
Quanto mais se aproximam da vera justiça, tanto menos instáveis são
as leis humanas, isto é, tanto mais estáveis se vão tornando,
conforme vão sendo feitas para todos e se identificam com a lei
natural.”
A
civilização criou necessidades novas para o homem, necessidades
relativas à posição social que ele ocupe. Tem-se então que
regular, por meio de leis humanas, os direitos e deveres dessa
posição. Mas, influenciado pelas suas paixões, ele não raro há
criado direitos e deveres imaginários, que a lei natural condena e
que os povos riscam de seus códigos à medida que progridem. A lei
natural é imutável e a mês ma para todos; a lei humana é variável
e progressiva. Na infância das sociedades, só esta pode consagrar o
direito do mais forte.
796.
No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais não
constitui uma necessidade?
“Uma
sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente,
essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a
lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que,
então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”
797.
Como poderá o homem ser levado a reformar suas leis?
“Isso
ocorre naturalmente, pela força mesma das coisas e da influência
das pessoas que o guiam na senda do progresso. Muitas já ele
reformou e muitas outras reformará. Espera!”
6.
Influência do Espiritismo no progresso
798.
O Espiritismo se tornará crença comum, ou ficará sendo
partilhado, como crença, apenas por algumas pessoas?
“Certamente
que se tornará crença geral e marcará nova era na história da
humanidade,
porque está na Natureza e chegou o tempo em que ocupará lugar entre
os conhecimentos humanos. Terá, no entanto, que sustentar grandes
lutas, mais contra o interesse, do que contra a convicção,
porquanto não há como dissimular a existência de pessoas
interessadas em combatê-lo, umas por amor-próprio, outras por
causas inteiramente materiais. Porém, como virão a ficar insulados,
seus contraditores se sentirão forçados a pensar como os demais,
sob pena de se tornarem ridículos.”
As
idéias só com o tempo se transformam; nunca de súbito. De geração
em geração, elas se enfraquecem e acabam por desaparecer,
paulatinamente, com os que as professavam, os quais vêm a ser
substituídos por outros indi
víduos
imbuídos de novos princípios, como sucede com as idéias políticas.
Vede o paganismo. Não há hoje mais quem professe as idéias
religiosas dos tempos pagãos.
Todavia,
muitos séculos após o advento do Cristianismo, delas ainda restavam
vestígios, que somente a completa renovação das raças conseguiu
apagar. Assim será com o Espiritismo. Ele progride muito; mas,
durante duas ou três gerações, ainda haverá um fermento de
incredulidade, que unicamente o tempo aniquilará. Sua marcha, porém,
será mais célere que a do Cristianismo, porque o próprio
Cristianismo é quem lhe abre o caminho e serve de apoio. O
Cristianismo tinha que destruir; o Espiritismo só tem que edificar.
799.
De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?
“Destruindo
o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os
homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses.
Deixando a vida futura de estar velada pela dúvida, o homem
perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o
seu futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina
aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos.”
800.
Não será de temer que o Espiritismo não consiga triunfar da
negligência dos homens e do seu apego às coisas materiais?
“Conhece
bem pouco os homens quem imagine que uma causa qualquer os possa
transformar como que por encanto. As idéias só pouco a pouco se
modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações
passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos
hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e
progressivamente, se pode operar. Para cada geração uma parte do
véu se dissipa. O Espiritismo vem rasgá-lo de alto a baixo.
Entretanto, conseguisse ele unicamente corrigir num homem um único
defeito que fosse e já o haveria forçado a dar um passo. Ter-lhe-ia
feito, só com isso, grande bem, pois esse primeiro passo lhe
facilitará os outros.”
801.
Por que não ensinaram os Espíritos, em todos os tempos, o que
ensinam hoje?
“Não
ensinais às crianças o que ensinais aos adultos e não dais ao
recém-nascido um alimento que ele não possa digerir. Cada coisa tem
seu tempo. Eles ensinaram muitas coisas que os homens não
compreenderam ou adulteraram, mas que podem compreender agora.
Com
seus ensinos, embora incompletos, prepararam o terreno para receber a
semente que vai frutificar.”
802.
Visto que o Espiritismo tem que marcar um progresso da Humanidade,
por que não apressam os Espíritos esse progresso, por meio de
manifestações tão generalizadas e patentes, que a convicção
penetre até nos mais incrédulos?
“Desejaríeis
milagres; mas Deus os espalha a mancheias diante dos vossos passos e,
no entanto, ainda há homens que o negam. Conseguiu, porventura, o
próprio Cristo convencer os seus contemporâneos, mediante os
prodígios que operou? Não conheceis presentemente alguns que negam
os fatos mais patentes, ocorridos às suas vistas? Não há os que
dizem que não acreditariam, mesmo que vissem? Não; não é por meio
de prodígios que Deus quer encaminhar os homens. Em Sua bondade, Ele
lhes deixa o mérito de se convencerem pela razão.”
CAPÍTULO
IX
DA
LEI IGUALDADE
1.
Igualdade natural. - 2. Desigualdade das aptidões. - 3.
Desigualdades sociais. - 4. Desigualdade das riquezas. - 5. As provas
de riqueza e de miséria. - 6. Igualdade dos direitos do homem e da
mulher. 7. Igualdade perante o túmulo.
1.
Igualdade natural
803.
Perante Deus, são iguais todos os homens?
“Sim,
todos tendem para o mesmo fim e Deus fez Suas leis para todos. Dizeis
freqüentemente: “O Sol luz para todos” e enunciais assim uma
verdade maior e mais geral do que pensais.”
Todos
os homens estão submetidos às mesmas leis da Natureza. Todos nascem
igualmente fracos, acham-se sujeitos às mesmas dores e o corpo do
rico se destrói como o do pobre. Deus a nenhum homem concedeu
superioridade natural, nem pelo nascimento, nem pela morte: todos,
aos Seus olhos, são iguais.
2.
Desigualdade das aptidões
804.
Por que não outorgou Deus as mesmas aptidões a todos os homens?
“Deus
criou iguais todos os Espíritos, mas cada um destes vive há mais ou
menos tempo, e, conseguintemente, tem feito maior ou menor soma de
aquisições. A diferença entre eles está na diversidade dos graus
da experiência alcançada e da vontade com que obram, vontade que é
o livre-arbítrio. Daí o se aperfeiçoarem uns mais rapidamente do
que outros, o que lhes dá aptidões diversas.
Necessária
é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer
para a execução dos desígnios da Providência, no limite do
desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais. O que um não
faz, fá-lo outro. Assim é que cada qual tem seu papel útil a
desempenhar. Demais, sendo solidários entre si todos os mundos,
necessário se torna que
os
habitantes dos mundos superiores, que, na sua maioria, foram criados
antes do vosso, venham habitá-lo, para vos dar o exemplo.”
805.
Passando de um mundo superior a outro inferior, conserva o
Espírito,integralmente, às faculdades adquiridas?
“Sim,
já temos dito que o Espírito que progrediu não retrocede. Poderá
escolher, no estado de Espírito livre, um invólucro mais grosseiro,
ou posição mais precária do que as que já teve, porém tudo isso
para lhe servir de ensinamento e ajudá-lo a progredir.”
Assim,
a diversidade das aptidões entre os homens não deriva da natureza
íntima da sua criação, mas do grau de aperfeiçoamento a que
tenham chegado os Espíritos encarnados neles. Deus, portanto, não
criou faculdades desiguais; permitiu, porém, que os Espíritos em
graus diversos de desenvolvimento estivessem em contacto, para que os
mais adiantados pudessem auxiliar o progresso dos mais atrasados e
também para que os homens, necessitando uns dos outros,
compreendessem a lei de caridade que os deve unir.
3.
Desigualdades sociais
806.
É lei da Natureza a desigualdade das condições sociais?
“Não;
é obra do homem e não de Deus.”
a)
- Algum dia essa desigualdade desaparecerá?
“Eternas
somente as leis de Deus o são. Não vês que dia da dia ela
gradualmente se apaga? Desaparecerá quando o egoísmo e o orgulho
deixarem de predominar. Restará apenas a desigualdade do
merecimento. Dia virá em que os membros da grande família dos
filhos de Deus deixarão de considerar-se como de sangue mais ou
menos puro. Só o Espírito é mais ou menos puro e isso não depende
da posição social.”
807.
Que se deve pensar dos que abusam da superioridade de suas
posições sociais, para, em proveito próprio, oprimir os fracos?
“Merecem
anátema! Ai deles! Serão, a seu turno, oprimidos: renascerão
numa existência em que terão de sofrer tudo o que tiverem feito
sofrer aos outros.”
4.
Desigualdade das riquezas
808.
A desigualdade das riquezas não se originará da das faculdades,
em virtude da qual uns dispõem de mais meios de adquirir bens do que
outros?
“Sim
e não. Da velhacaria e do roubo, que dizeis?”
a)
- Mas, a riqueza herdada, essa não é fruto de paixões más.
“Que
sabes a esse respeito? Busca a fonte de tal riqueza e verás que nem
sempre é pura. Sabes, porventura, se não se originou de uma
espoliação ou de uma injustiça? Mesmo, porém, sem falar da
origem, que pode ser má, acreditas que a cobiça da riqueza, ainda
quando bem adquirida, os desejos secretos de possuí-la o mais
depressa possível, sejam sentimentos louváveis? Isso o que Deus
julga e eu te asseguro que o Seu juízo é mais
severo
que o dos homens.”
809.
Aos que, mais tarde, herdam uma riqueza inicialmente mal
adquirida, alguma responsabilidade cabe por esse fato?
“É
fora de dúvida que não são responsáveis pelo mal que outros hajam
feito, sobretudo se o ignoram, como é possível que aconteça. Mas,
fica sabendo que, muitas vezes, a riqueza só vem ter às mãos de um
homem, para lhe proporcionar ensejo de reparar uma injustiça. Feliz
dele, se assim o compreende! Se a fizer em nome daquele que cometeu a
injustiça, a ambos será a reparação levada em conta, porquanto,
não raro, é este último quem a provoca.”
810.
Sem quebra da legalidade, quem quer que seja pode dispor de seus
bens de modo mais ou menos eqüitativo. Aquele que assim proceder
será responsável, depois da morte, pelas disposições que haja
tomado?
“Toda
ação produz seus frutos; doces são os das boas ações, amargos
sempre os das outras. Sempre, entendei-o bem.”
811.
Será possível e já terá existido a igualdade absoluta das
riquezas?
“Não;
nem é possível. A isso se opõe a diversidade das faculdades e dos
caracteres.”
a)
- Há, no entanto, homens que julgam ser esse o remédio aos males
da sociedade.Que pensais a respeito?
“São
sistemáticos esses tais, ou ambiciosos cheios de inveja. Não
compreendem que a igualdade com que sonham seria a curto prazo
desfeita pela força das coisas. Combatei o egoísmo, que é a vossa
chaga social, e não corrais atrás de quimeras.”
812.
Por não ser possível a igualdade das riquezas, o mesmo se dará
com o bemestar?
“Não,
mas o bem-estar é relativo e todos poderiam dele gozar, se se
entendessem convenientemente, porque o verdadeiro bem-estar consiste
em cada um empregar o seu tempo como lhe apraza e não na execução
de trabalhos pelos quais nenhum gosto sente.
Como
cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por
fazer. Em tudo existe o equilíbrio; o homem é quem o perturba.”
a)
- Será possível que todos se entendam?
“Os
homens se entenderão quando praticarem a lei de justiça.”
813.
Há pessoas que, por culpa sua, caem na miséria. Nenhuma
responsabilidade caberá disso à sociedade?
“Mas,
certamente. Já dissemos que a sociedade é muitas vezes a principal
culpada
de
semelhante coisa. Demais, não tem ela que velar pela educação
moral dos seus
membros?
Quase sempre, é a má educação que lhes falseia o critério, ao
invés de sufocarlhes
as
tendências perniciosas.”
5.
As provas de riqueza e de miséria
814.
Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a outros, a
miséria?
“Para
experimentá-los de modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas
provas foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas,
entretanto, sucumbem com freqüência.”
815.
Qual das duas provas é mais terrível para o homem, a da desgraça
ou a da riqueza?
“São-no
tanto uma quanto outra. A miséria provoca as queixas contra a
Providência, a riqueza incita a todos os excessos.”
816.
Estando o rico sujeito a maiores tentações, também não dispõe,
por outro lado, de mais meios de fazer o bem?
“Mas,
é justamente o que nem sempre faz. Torna-se egoísta, orgulhoso e
insaciável.
Com
a riqueza, suas necessidades aumentam e ele nunca julga possuir o
bastante para si unicamente.”
A
alta posição do homem neste mundo e o ter autoridade sobre os seus
semelhantes são provas tão grandes e tão escorregadias como a
desgraça, porque, quanto mais rico e poderoso é ele, tanto mais
obrigações tem que cumprir e tanto mais abundantes são os
meios de que dispõe para fazer o bem e o mal. Deus experimenta o
pobre pela resignação e o rico pelo emprego que dá aos seus bens e
ao seu poder.
A
riqueza e o poder fazem nascer todas as paixões que nos prendem à
matéria e nos afastam da perfeição espiritual. Por isso foi que
Jesus disse: “Em verdade vos digo que mais fácil é passar um
camelo por um fundo de agulha do que entrar um rico no reino dos
céus.”
6.
Igualdade dos direitos do homem e da mulher
817.
São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos
direitos?
“Não
outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade
de progredir?”
818.
Donde provém a inferioridade moral da mulher em certos países?
“Do
predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É
resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a
fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o
direito.”
819.
Com que fim mais fraca fisicamente do que o homem é a mulher?
“Para
lhe determinar funções especiais. Ao homem, por ser o mais forte,
os
trabalhos
rudes; à mulher, os trabalhos leves; a ambos o dever de se ajudarem
mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor.”
820.
A fraqueza física da mulher não a coloca naturalmente sob a
dependência do homem?
“Deus
a uns deu a força, para protegerem o fraco e não para o
escravizarem.”
Deus
apropriou a organização de cada ser às funções que lhe cumpre
desempenhar.
Tendo
dado à mulher menor força física, deu-lhe ao mesmo tempo maior
sensibilidade, em relação com a delicadeza das funções maternais
e com a fraqueza dos seres confiados aos seus cuidados.
821.
As funções a que a mulher é destinada pela Natureza terão
importância tão grande quanto as deferidas ao homem?
“Sim,
maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções da vida.”
822.
Sendo iguais perante a lei de Deus, devem os homens ser iguais
também perante as leis humanas?
“O
primeiro princípio de justiça é este: Não façais aos outros o
que não quereríeis que vos fizessem.”
a)
- Assim sendo, uma legislação, para ser perfeitamente justa,
deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher?
“Dos
direitos, sim; das funções, não. Preciso é que cada um esteja no
lugar que lhe compete. Ocupe-se do exterior o homem e do interior a
mulher, cada um de acordo com a sua aptidão. A lei humana, para ser
eqüitativa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da
mulher. Todo privilégio a um ou a outro concedido é contrário à
justiça. A emancipação da mulher acompanha o progresso da
civilização. Sua escravização marcha de par com a barbaria.
Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto
que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto
nenhuma diferença há entre eles.
Devem,
por conseguinte, gozar dos mesmos direitos.”
Igualdade
perante o túmulo
823.
Donde nasce o desejo que o homem sente de perpetuar sua memória
por meio de monumentos fúnebres?
“Último
ato de orgulho.”
a)
- Mas a suntuosidade dos monumentos fúnebres não é antes
devida, as mais das vezes, aos parentes do defunto, que lhe querem
honrar a memória, do que ao próprio defunto?
“Orgulho
dos parentes, desejosos de se glorificarem a si mesmos. Oh! Sim, nem
sempre é pelo morto que se fazem todas essas demonstrações. Elas
são feitas por amorpróprio e para o mundo, bem como por ostentação
de riqueza. Supões, porventura, que a lembrança de um ser querido
dure menos no coração do pobre, que não lhe pode colocar sobre o
túmulo senão uma singela flor? Supões que o mármore salva do
esquecimento aquele que na Terra foi inútil?”
824.
Reprovais então, de modo absoluto, a pompa dos funerais?
“Não;
quando se tenha em vista honrar a memória de um homem de bem, é
justo e de bom exemplo.”
O
túmulo é o ponto de reunião de todos os homens. Aí terminam
inelutavelmente todas as distinções humanas. Em vão tenta o rico
perpetuar a sua memória, mandando erigir faustosos monumentos. O
tempo os destruirá, como lhe consumirá o corpo. Assim o quer a
Natureza. Menos perecível do que o seu túmulo será a lembrança de
suas ações boas e más.
A
pompa dos funerais não o limpará das suas torpezas, nem o fará
subir um degrau que seja na hierarquia espiritual.
CAPÍTULO
X
DA
LEI DE LIBERDADE
1.
Liberdade natural. - 2. Escravidão. - 3. Liberdade de pensar. - 4.
Liberdade de consciência. - 5. Livre-arbítrio. - 6. Fatalidade. -
7. Conhecimento do futuro. - 8. Resumo teórico do móvel das ações
do homem.
1.
Liberdade natural
825.
Haverá no mundo posições em que o homem possa jactar-se de
gozar de absoluta liberdade?
“Não,
porque todos precisais uns dos outros, assim os pequenos como os
grandes.”
826.
Em que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade?
“Nas
do eremita no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há
entre eles direitos recíprocos que lhes cumpre respeitar; não mais,
portanto, qualquer deles goza de liberdade absoluta.”
827.
A obrigação de respeitar os direitos alheios tira ao homem o de
pertencer-se a si mesmo?
“De
modo algum, porquanto este é um direito que lhe vem da Natureza.”
828.
Como se podem conciliar as opiniões liberais de certos homens com
o despotismo que costumam exercer no seu lar e sobre os seus
subordinados?
“Eles
têm a compreensão da lei natural, mas contrabalançada pelo orgulho
e pelo egoísmo. Quando não representam calculadamente uma comédia,
sustentando princípios liberais, compreendem como as coisas devem
ser, mas não as fazem assim.”
a)
- Ser-lhes-ão, na outra vida, levados em conta os princípios que
professaram neste mundo?
“Quanto
mais inteligência tem o homem para compreender um princípio, tanto
menos escusável é de o não aplicar a si mesmo. Em verdade vos digo
que o homem simples, porém sincero, está mais adiantado no caminho
de Deus, do que um que pretenda parecer o que não é.”
2.
Escravidão
829.
Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser
propriedades de outros homens?
“É
contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a
outro homem. A escravidão é um abuso da força. Desaparece com o
progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abusos.”
É
contrária à Natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois
que assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente.
830.
Quando a escravidão faz parte dos costumes de um povo, são
censuráveis os que dela aproveitam, embora só o façam
conformando-se com um uso que lhes parece natural?
“O
mal é sempre o mal e não há sofisma que faça se torne boa uma
ação má. A responsabilidade, porém, do mal é relativa aos meios
de que o homem disponha para compreendê-lo. Aquele que tira proveito
da lei da escravidão é sempre culpado de violação da lei da
Natureza. Mas, aí, como em tudo, a culpabilidade é relativa.
Tendo-se a escravidão introduzido nos costumes de certos povos,
possível se tornou que, de boa-fé, o homem se aproveitasse dela
como de uma coisa que lhe parecia natural. Entretanto, desde que,
mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do
Cristianismo, sua razão lhe mostrou que o escravo era um seu igual
perante Deus, nenhuma desculpa mais ele tem.”
831.
A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças
humanas sob a dependência das raças mais inteligentes?
“Sim,
mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais
pela escravização. Durante longo tempo, os homens consideram certas
raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos,
e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de
carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem.
Insensatos! Nada vêem senão a matéria. Mais ou menos puro não é
o sangue, porém o Espírito.”
832.
Há, no entanto, homens que tratam seus escravos com humanidade;
que não deixam lhes falte nada e acreditam que a liberdade os
exporia a maiores privações. Que dizeis disso?
“Digo
que esses compreendem melhor os seus interesses. Igual cuidado
dispensam aos seus bois e cavalos, para que obtenham bom preço no
mercado. Não são tão culpados como os que maltratam os escravos,
mas, nem por isso deixam de dispor deles como de uma mercadoria,
privando-os do direito de se pertencerem a si mesmos.”
3.
Liberdade de pensar
833.
Haverá no homem alguma coisa que escape a todo constrangimento e
pela qual goze ele de absoluta liberdade?
“No
pensamento goza o homem de ilimitada liberdade, pois que não há
como pôr-lhe peias. Pode-se-lhe deter o vôo, porém, não
aniquilá-lo.”
834.
É responsável o homem pelo seu pensamento?
“Perante
Deus, é. Somente a Deus sendo possível conhecê-lo, Ele o condena
ou absolve, segundo a Sua justiça.”
4.
Liberdade de consciência
835.
Será a liberdade de consciência uma conseqüência da de pensar?
“A
consciência é um pensamento íntimo, que pertence ao homem, como
todos os outros pensamentos.”
836.
Tem o homem direito de pôr embaraços à liberdade de
consciência?
“Falece-lhe
tanto esse direito, quanto com referência à liberdade de pensar,
por isso que só a Deus cabe o de julgar a consciência. Assim como
os homens, pelas suas leis, regulam as relações de homem para
homem, Deus, pelas leis da Natureza, regula as relações entre Ele e
o homem.”
837.
Que é o que resulta dos embaraços que se oponham à liberdade de
consciência?
“Constranger
os homens a procederem em desacordo com o seu modo de pensar,
fazê-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos
caracteres da verdadeira civilização e do progresso.”
838.
Será respeitável toda e qualquer crença, ainda quando
notoriamente falsa?
“Toda
crença é respeitável, quando sincera e conducente à prática do
bem.
Condenáveis
são as crenças que conduzam ao mal.”
839.
Será repreensível aquele que escandalize com a sua crença um
outro que não pensa como ele?
“Isso
é faltar com a caridade e atentar contra a liberdade de pensamento.”
840.
Será atentar contra a liberdade de consciência pôr óbices a
crenças capazes de causar perturbações à sociedade?
“Podem
reprimir-se os atos, mas a crença íntima é inacessível.”
Reprimir
os atos exteriores de uma crença, quando acarretam qualquer prejuízo
a terceiros, não é atentar contra a liberdade de consciência, pois
que essa repressão em nada tira à crença a liberdade, que ela
conserva integral.
841.
Para respeitar a liberdade de consciência, dever-se-á deixar que
se
propaguem
doutrinas perniciosas, ou poder-se-á, sem atentar contra aquela
liberdade,procurar trazer ao caminho da verdade os que se transviaram
obedecendo a falsos princípios?
“Certamente
que podeis e até deveis; mas, ensinai, a exemplo de Jesus,
servindo-vos da brandura e da persuasão e não da força, o
que seria pior do que a crença daquele a quem desejaríeis
convencer. Se alguma coisa se pode impor, é o bem e a fraternidade.
Mas não cremos que o melhor meio de fazê-los admitidos seja obrar
com violência. A convicção não se impõe.”
842.
Por que indícios se poderá reconhecer, entre todas as doutrinas
que alimentam a pretensão de ser a expressão única da verdade, a
que tem o direito de se apresentar como tal?
“Será
aquela que mais homens de bem e menos hipócritas fizer, isto é,
pela prática da lei de amor na sua maior pureza e na sua mais ampla
aplicação. Esse o sinal por que reconhecereis que uma doutrina é
boa, visto que toda doutrina que tiver por efeito semear a desunião
e estabelecer uma linha de separação entre os filhos de Deus não
pode deixar de ser falsa e perniciosa.”
5.
Livre-arbítrio
843.
Tem o homem o livre-arbítrio de seus atos?
“Pois
que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o
livre-arbítrio, o homem seria máquina.”
844.
Do livre-arbítrio goza o homem desde o seu nascimento?
“Há
liberdade de agir, desde que haja vontade de fazê-lo. Nas primeiras
fases da vida, quase nula é a liberdade, que se desenvolve e muda de
objeto com o desenvolvimento das faculdades. Estando seus pensamentos
em concordância com o que a sua idade reclama, a criança aplica o
seu livre-arbítrio àquilo que lhe é necessário.”
845.
Não constituem obstáculos ao exercício do livre-arbítrio as
predisposições instintivas que o homem já traz consigo ao nascer?
“As
predisposições instintivas são as do Espírito antes de encarnar.
Conforme seja este mais ou menos adiantado, elas podem arrastá-las à
prática de atos repreensíveis, no que será secundado pelos
Espíritos que simpatizam com essas disposições. Não há, porém,
arrastamento irresistível, uma vez que se tenha a vontade de
resistir. Lembrai-vos de que
querer
é poder.”
846.
Sobre os atos da vida nenhuma influência exerce o organismo? E,
se essa influência existe, não será exercida com prejuízo do
livre-arbítrio?
“É
inegável que sobre o Espírito exerce influência a matéria, que
pode embaraçar-lhe as manifestações. Daí vem que, nos mundos onde
os corpos são menos materiais do que na Terra, as faculdades se
desdobram mais livremente. Porém, o instrumento não dá a
faculdade. Além disso, cumpre se distingam as faculdades morais das
intelectuais. Tendo um homem o instinto do assassínio, seu próprio
Espírito é, indubitavelmente, quem possui esse instinto e quem lho
dá; não são seus órgãos que lho dão. Semelhante ao bruto, e
ainda pior do que este, se torna aquele que nulifica o seu
pensamento, para só se ocupar com a matéria, pois que não cuida
mais de se premunir contra o mal. Nisto é que incorre em falta,
porquanto assim procede por vontade sua.” (Vede n°s. 367 e
seguintes - “Influência do organismo”.)
847.
Da aberração das faculdades tira ao homem o livre-arbítrio?
“Já
não é senhor do seu pensamento aquele cuja inteligência se ache
turbada por uma causa qualquer e, desde então, já não tem
liberdade. Essa aberração constitui muitas vezes uma punição para
o Espírito que, porventura, tenha sido, noutra existência, fútil e
orgulhoso, ou tenha feito mau uso de suas faculdades. Pode esse
Espírito, em tal caso, renascer no corpo de um idiota, como o
déspota no de um escravo e o mau rico no de um mendigo. O Espírito,
porém, sofre por efeito desse constrangimento, de que tem perfeita
consciência. Está aí a ação da matéria.”
848.
Servirá de escusa aos atos reprováveis o ser devida à
embriaguez a aberração das faculdades intelectuais?
“Não,
porque foi voluntariamente que o ébrio se privou da sua razão, para
satisfazer a paixões brutais. Em vez de uma falta, comete duas.”
849.
Qual a faculdade predominante no homem em estado de selvageria: o
instinto, ou o livre-arbítrio?
“O
instinto, o que não o impede de agir com inteira liberdade, no
tocante a certas coisas. Mas, aplica, como a criança, essa liberdade
às suas necessidades e ela se amplia com a inteligência.
Conseguintemente, tu, que és mais esclarecido do que um selvagem,
também és mais responsável pelo que fazes do que um selvagem o é
pelos seus atos.”
850.
A posição social não constitui às vezes, para o homem,
obstáculo à inteira liberdade de seus atos?
“É
fora de dúvida que o mundo tem suas exigências, Deus é justo e
tudo leva em conta. Deixa-vos, entretanto, a responsabilidade de
nenhum esforço empregardes para vencer os obstáculos.”
6.
Fatalidade
851.
Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme ao sentido
que se dá a este vocábulo? Quer dizer: todos os acontecimentos são
predeterminados? E, neste caso,que vem a ser do livre-arbítrio?
“A
fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao
encarnar, desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, institui
para si uma espécie de destino, que é a conseqüência mesma da
posição em que vem a achar-se colocado. Falo das provas físicas,
pois, pelo que toca às provas morais e às tentações, o Espírito,
conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre
senhor de ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquejar, um bom Espírito
pode vir-lhe em auxílio, mas não pode influir sobre ele de maneira
a dominar-lhe a vontade. Um Espírito mau, isto é, inferior,
mostrando-lhe, exagerando aos seus olhos um perigo físico, o poderá
abalar e amedrontar. Nem por isso, entretanto, a vontade do Espírito
encarnado deixa de se conservar livre de quaisquer peias.”
852.
Há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade,
independente da maneira por que procedem. Não lhes estará no
destino o infortúnio?
“São,
talvez, provas que lhe caiba sofrer e que elas escolheram. Porém,
ainda aqui lançais à conta do destino o que as mais das vezes é
apenas conseqüência de vossas próprias
faltas.
Trata de ter pura a consciência em meio dos males que te afligem e
já bastante consolado te sentirás.”
As
idéias exatas ou falsas que fazemos das coisas nos levam a ser bem
ou mal sucedidos, de acordo com o nosso caráter e a nossa posição
social. Achamos mais simples e menos humilhante para o nosso
amor-próprio atribuir antes à sorte ou ao destino os insucessos que
experimentamos, do que à nossa própria falta. É certo que para
isso contribui algumas vezes a influência dos Espíritos, mas também
o é que podemos sempre forrar-nos a essa influência, repelindo as
idéias que eles nos sugerem, quando más.
853.
Algumas pessoas só escapam de um perigo mortal para cair em
outro. Parece que não podem escapar da morte. Não há nisso
fatalidade?
“Fatal,
no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é.
Chegado esse momento, de uma forma ou doutra, a ele não podeis
furtar-vos.”
a)
- Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, se a hora da
morte ainda não chegou, não morreremos?
“Não;
não perecerás e tens disso milhares de exemplos. Quando, porém,
soe a hora da tua partida, nada poderá impedir que partas. Deus sabe
de antemão de que gênero será a morte do homem e muitas vezes seu
Espírito também o sabe, por lhe ter sido isso revelado, quando
escolheu tal ou qual existência.”
854.
Do fato de ser infalível a hora da morte, poder-se-á deduzir que
sejam inúteis as precauções para evitá-la?
“Não,
visto que as precauções que tomais vos são sugeridas com o fito de
evitardes a morte que vos ameaça. São um dos meios empregados para
que ela não se dê.”
855.
Com que fim nos faz a Providência correr perigos que nenhuma
conseqüência devem ter?
“O
fato de ser a tua vida posta em perigo constitui um aviso que tu
mesmo desejaste, a fim de te desviares do mal e te tornares melhor.
Se escapas desse perigo, quando ainda sob a impressão do risco que
correste, de te melhorares, conforme seja mais ou menos forte sobre
ti a influência dos Espíritos bons. Sobrevindo o mau Espírito
(digo mau, subentendendo o mal que ainda existe nele), entras a
pensar que do mesmo modo escaparás
a
outros perigos e deixas que de novo tuas paixões se desencadeiem.
Por meio dos perigos que correis, Deus vos lembra a vossa fraqueza e
a fragilidade da vossa existência. Se examinardes a causa e a
natureza do perigo, verificareis que, quase sempre, suas
conseqüências teriam sido a punição de uma falta cometida ou da
negligência no cumprimento de um dever. Deus, por essa forma,
exorta o Espírito a cair em si e a se emendar.”
856.
Sabe o Espírito antecipadamente de que gênero será sua morte?
“Sabe
que o gênero de vida que escolheu o expõe mais a morrer desta do
que daquela maneira. Sabe igualmente quais a lutas que terá de
sustentar para evitá-lo e que, se Deus o permitir, não sucumbirá.”
857.
Há homens que afrontam os perigos dos combates, persuadidos, de
certo modo, de que a hora não lhes chegou. Haverá algum fundamento
para essa confiança?
“Muito
amiúde tem o homem o pressentimento do seu fim, como pode ter o de
que ainda não morrerá. Esse pressentimento lhe vem dos Espíritos
seus protetores, que assim o advertem para que esteja pronto a
partir, ou lhe fortalecem a coragem nos momentos em que mais dela
necessita. Pode vir-lhe também da intuição que tem da existência
que escolheu, ou da missão que aceitou e que sabe ter que cumprir.”
858.
Por que razão os que pressentem a morte a temem geralmente menos
do que os outros?
“Quem
teme a morte é o homem, não o Espírito. Aquele que a pressente
pensa mais como Espírito do que como homem. Compreende ser ela a sua
libertação e espera-a.”
859.
Com todos os acidentes, que nos sobrevêm no curso da vida, se dá
o mesmo que com a morte, que não pode ser evitada, quando tem que
ocorrer?
“São
de ordinário coisas muito insignificantes, de sorte que vos podeis
prevenir deles e fazer que os eviteis algumas vezes, dirigindo o
vosso pensamento, pois nos desagradam os sofrimentos materiais. Isso,
porém, nenhuma importância tem na vida que escolhestes. A
fatalidade, verdadeiramente, só existe quanto ao momento em que
deveis aparecer e desaparecer deste mundo.”
a)
- Haverá fatos que forçosamente devam dar-se e que os Espíritos
não possam conjurar, embora o queiram?
“Há,
mas que tu viste e pressentiste quando, no estado de Espírito,
fizeste a tua escolha. Não creias, entretanto, que tudo o que sucede
esteja escrito, como costumam dizer.
Um
acontecimento qualquer pode ser a conseqüência de um ato que
praticaste por tua livre vontade, de tal sorte que, se não o
houvesses praticado, o acontecimento não seria dado.
Imagina
que queimas o dedo. Isso nada mais é senão resultado da tua
imprudência e efeito da matéria. Só as grandes dores, os fatos
importantes e capazes de influir no moral, Deus os prevê, porque são
úteis à tua depuração e à tua instrução.”
860.
Pode o homem, pela sua vontade e por seus atos, fazer que se não
dêem acontecimentos que deveriam verificar-se e reciprocamente?
“Pode-o,
se essa aparente mudança na ordem dos fatos tiver cabimento na
seqüência da vida que ele escolheu. Acresce que, para fazer o bem,
como lhe cumpre, pois que isso constitui o objetivo único da vida,
facultado lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que possa concorrer
para a produção de um mal maior.”
861.
Ao escolher a sua existência, o Espírito daquele que comete um
assassínio sabia que viria a ser assassino?
“Não.
Escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá ensejo de matar um de
seus semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao crime
precederá quase sempre, de sua parte, a deliberação de praticá-lo.
Ora, aquele que delibera sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la,
ou não. Se soubesse previamente que, como homem, teria que cometer
um crime, o Espírito estaria a isso predestinado. Ficai, porém,
sabendo que a ninguém há predestinado ao crime e que todo crime,
como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do
livre-arbítrio.
“Demais,
sempre confundis duas coisas muito distintas: os sucessos materiais e
os atos da vida moral. A fatalidade, que por algumas vezes há, só
existe com relação àqueles sucessos materiais, cuja causa reside
fora de vós e que independem da vossa vontade.
Quanto
aos da vida moral esses emanam sempre do próprio homem que, por
conseguinte, tem sempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a
esses atos, nunca há fatalidade.”
862.
Pessoas existem que nunca logram bom êxito em coisa alguma, que
parecem perseguidas por um mau gênio em todos os seus
empreendimentos. Não se pode chamar a isso fatalidade?
“Será
uma fatalidade, se lhe quiseres dar esse nome, mas que decorre do
gênero da existência escolhida. É que essas pessoas quiseram ser
provadas por uma vida de decepções, a fim de exercitarem a
paciência e a resignação. Entretanto, não creias seja absoluta
essa fatalidade. Resulta muitas vezes do caminho falso que tais
pessoas tomam, em discordância com suas inteligências e aptidões.
Grandes probabilidades tem de se afogar
quem
pretender atravessar a nada um rio, sem saber nadar. O mesmo se dá
relativamente à maioria dos acontecimentos da vida. Quase sempre
obteria o homem bom êxito, se só tentasse o que estivesse em
relação com as suas faculdades. O que o perde são o seu
amorpróprio e a sua ambição, que o desviam da senda que lhe é
própria e o fazem considerar vocação o que não passa de desejo de
satisfazer a certas paixões. Fracassa por sua culpa.
Mas,
em vez de culpar-se a si mesmo, prefere queixar-se da sua estrela.
Um, por exemplo, que seria bom operário e ganharia honestamente a
vida, mete-se a ser mau poeta e morre de fome. Para todos haveria
lugar no mundo, desde que cada um soubesse colocar-se no lugar que
lhe compete.”
863.
Os costumes sociais não obrigam muitas vezes o homem a enveredar
por um caminho de preferência a outro e não se acha ele submetido à
direção da opinião geral,quanto à escolha de suas ocupações? O
que se chama respeito humano não constitui óbice ao exercício do
livre-arbítrio?
“São
os homens e não Deus quem faz os costumes sociais. Se eles a estes
se submetem, é porque lhes convêm. Tal submissão, portanto,
representa um ato de livrearbítrio, pois que, se o quisessem,
poderiam libertar-se de semelhante jugo. Por que, então, se queixam?
Falece-lhes razão para acusarem os costumes sociais. A culpa de tudo
devem lançá-la ao tolo amor-próprio de que vivem cheios e que os
faz preferirem morrer de fome a infringi-los. Ninguém lhes leva em
conta esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo que Deus
lhes levará em conta o sacrifício que fizerem de suas vaidades. Não
quer isto dizer que o homem deva afrontar sem necessidade aquela
opinião, como fazem alguns em que há mais originalidade do que
verdadeira filosofia. Tanto desatino há em procurar alguém ser
apontado a dedo, ou considerado animal curioso, quanto acerto em
descer voluntariamente e sem murmurar, desde que não possa manter-se
no alto da escala.”
864.
Assim como há pessoas a quem a sorte em tudo é contrária,
outras parecem favorecidas por ela, pois que tudo lhes sai bem. A que
atribuir isso?
“De
ordinário, é que essas pessoas sabem conduzir-se melhor nas suas
empresas.
Mas,
também pode ser um gênero de prova. O bom êxito as embriaga;
fiam-se no seu destino e muitas vezes pagam mais tarde esse bom
êxito, mediante revezes cruéis, que a prudência as teria feito
evitar.”
865.
Como se explica que a boa sorte favoreça a algumas pessoas em
circunstâncias
com as quais nada têm que ver a vontade, nem a inteligência: no
jogo, por exemplo?
“Alguns
Espíritos hão escolhido previamente certas espécies de prazer. A
fortuna que os favorece é uma tentação. Aquele que, como homem,
ganha; perde como Espírito. É uma prova para o seu orgulho e para a
sua cupidez.”
866.
Então, a faculdade que favorece presidir aos destinos materiais
de nossa vida também é resultante do nosso livre-arbítrio?
“Tu
mesmo escolheste a tua prova. Quanto mais rude ela for e melhor a
suportares, tanto mais te elevarás. Os que passam a vida na
abundância e na ventura humana são Espíritos pusilânimes, que
permanecem estacionários. Assim, o número dos desafortunados é
muito superior ao dos felizes deste mundo, atento que os Espíritos,
na sua maioria, procuram as provas que lhes sejam mais proveitosas.
Eles vêem perfeitamente bem a futilidade das vossas grandezas e
gozos. Acresce que a mais ditosa existência é sempre agitada,
sempre perturbada, quando mais não seja, pela ausência da dor.”
867.
Donde vem a expressão: Nascer sob uma boa estrela?
“Antiga
superstição, que prendia às estrelas os destinos dos homens.
Alegoria que algumas pessoas fazem a tolice de tomar ao pé da
letra.”
7.
Conhecimento do futuro
868.
Pode o futuro ser revelado ao homem?
“Em
princípio, o futuro lhe é oculto e só em casos raros e
excepcionais permite Deus que seja revelado.”
869.
Com que fim o futuro se conserva oculto ao homem?
“Se
o homem conhecesse o futuro, negligenciaria do presente e não
obraria com a liberdade com que o faz, porque o dominaria a idéia de
que, se uma coisa tem que acontecer, inútil será ocupar-se com ela,
ou então procuraria obstar a que acontecesse. Não quis Deus que
assim fosse, a fim de que cada um concorra para a realização das
coisas, até daquelas a que desejaria opor-se. Assim é que tu
mesmo preparas muitas vezes os acontecimentos que hão de sobrevir no
curso da tua existência.”
870.
Mas, se convém que o futuro permaneça oculto, por que permite
Deus que seja revelado algumas vezes?
“Permite-o,
quando o conhecimento prévio do futuro facilite a execução de uma
coisa, em vez de a estorvar, obrigando o homem a agir diversamente do
modo por que agiria, se lhe não fosse feita a revelação. Não
raro, também é uma prova. A perspectiva de um acontecimento pode
sugerir pensamentos mais ou menos bons. Se um homem vem a saber, por
exemplo, que vai receber uma herança, com que não conta, pode
dar-se que a revelação desse fato desperte nele o sentimento da
cobiça, pela perspectiva de se lhe tornarem possíveis maiores gozos
terrenos, pela ânsia de possuir mais depressa a herança, desejando
talvez, para que tal se dê, a morte daquele de quem herdará. Ou,
então, essa perspectiva lhe inspirará bons sentimentos e
pensamentos generosos. Se a predição não se cumpre, aí está
outra prova, consistente na maneira por que suportará a decepção.
Nem por isso, entretanto, lhe caberá menos o mérito ou o demérito
dos pensamentos bons ou maus que a crença na ocorrência daquele
fato lhe fez nascer no íntimo.”
871.
Pois que Deus tudo sabe, não ignora se um homem sucumbirá ou não
em determinada prova. Assim sendo, qual a necessidade dessa prova,
uma vez que nada acrescentará ao que Deus já sabe a respeito desse
homem?
“Isso
eqüivale a perguntar por que não criou Deus o homem perfeito e
acabado ; por que passa o homem pela infância, antes de chegar à
condição de adulto .
A
prova não tem por fim dar a Deus esclarecimentos sobre o homem, pois
que Deus sabe perfeitamente o que ele vale, mas dar ao homem toda a
responsabilidade de sua ação, uma vez que tem a liberdade de fazer
ou não fazer. Dotado da faculdade de escolher entre o bem e o mal, a
prova tem por efeito pô-lo em luta com as tentações do mal e
conferir-lhe todo o mérito da resistência. Ora, conquanto saiba de
antemão se ele se sairá bem ou não, Deus não o pode, em Sua
justiça, punir, nem recompensar, por um ato ainda não praticado.”
Assim
sucede entre os homens. Por muito capaz que seja um estudante, por
grande que seja a certeza que se tenha de que alcançará bom êxito,
ninguém lhe confere grau algum sem exame, isto é, sem prova. Do
mesmo modo, o juiz não condena um acusado, senão com fundamento num
ato consumado e não na previsão de que ele possa ou deva consumar
esse fato.
Quanto
mais se reflete nas conseqüências que teria para o homem o
conhecimento do futuro, melhor se vê quanto foi sábia a Providência
em lho ocultar. A certeza de um acontecimento venturoso o lançaria
na inação. A de um acontecimento infeliz o encheria de desânimo.
Em ambos os casos, suas forças ficariam paralisadas. Daí o não lhe
ser mostrado o futuro, senão como meta que lhe cumpre atingir
por seus esforços, mas ignorando os trâmites por que terá de
passar para alcançá-la. O conhecimento de todos os incidentes da
jornada lhe tolheria a iniciativa e o uso do livre-arbítrio. Ele se
deixaria resvalar pelo declive fatal dos acontecimentos sem exercer
suas faculdades. Quando o feliz êxito de uma
coisa
está assegurado, ninguém mais com ela se preocupa.
8.
Resumo teórico do móvel das ações Humanas
872.
A questão do livre-arbítrio se pode resumir assim: O homem não é
fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente
determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do
destino. Ele pode, por prova e por expiação, escolher uma
existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se
ache colocado, quer pelas circunstâncias que sobrevenham, mas será
sempre livre de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe
para ele, quando no estado de Espírito, ao fazer a escolha da
existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou
de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamente
submetido. Cabe à educação combater essas más tendências.
Fá-lo-á utilmente, quando se basear no estudo aprofundado da
natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa
natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a
inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene.
Desprendido
da matéria e no estado de erraticidade, o Espírito procede à
escolha de suas futuras existências corporais, de acordo com o grau
de perfeição a que haja chegado e é nisso, como temos dito, que
consiste sobretudo o seu livre-arbítrio. Esta liberdade, a
encarnação não a anula. Se ele cede à influência da matéria, é
que sucumbe nas provas que por si mesmo escolheu. Para ter quem o
ajude a vencê-las, concedido lhe é invocar a assistência de Deus e
dos bons Espíritos.
Sem
o livre-arbítrio, o homem não teria nem culpa por praticar o mal,
nem mérito em praticar o bem. E isto a tal ponto está reconhecido
que, no mundo, a censura ou o elogio são feitos à intenção, isto
é, à vontade. Ora, quem diz vontade diz liberdade. Nenhuma desculpa
poderá, portanto, o homem buscar, para os seus delitos, na sua
organização física, sem abdicar da razão e da sua condição de
ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora assim quanto ao mal,
assim não poderia deixar de ser relativamente ao bem. Mas, quando o
homem pratica o bem, tem grande cuidado de averbar o fato à sua
conta, como mérito, e não cogita de por ele gratificar os seus
órgãos, o que prova que, por instinto, não renuncia, mau grado à
opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua
espécie: a liberdade de pensar.
A
fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia
e irrevogável de todos os sucessos da vida, qualquer que seja a
importância deles. Se tal fosse a ordem das coisas, o homem seria
qual máquina sem vontade. De que lhe serviria a inteligência, desde
que houvesse de estar invariavelmente dominado, em todos os seus
atos, pela força do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira,
conteria a destruição de toda liberdade moral; já não haveria
para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem, nem mal,
crimes ou virtudes. Não seria possível que Deus, soberanamente
justo, castigasse suas criaturas por faltas cujo cometimento não
dependera delas, nem que as recompensasse por virtudes de que nenhum
mérito teriam. Demais, tal lei seria a negação da do progresso,
porquanto o homem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para
melhorar a sua posição, visto que não conseguiria ser mais nem
menos.
Contudo,
a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na posição que o homem
ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha, em conseqüência
do gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova, expiação
ou missão. Ele sofre fatalmente todas as vicissitudes
dessa existência e todas as tendências boas ou más, que lhe
são inerentes. Aí, porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade
depende ceder ou não a essas tendências. Os pormenores dos
acontecimentos, esses ficam subordinados às circunstâncias que ele
próprio cria pelos seus atos, sendo que nessas circunstâncias
podem os Espíritos influir pelos pensamentos que sugiram. (Há
fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se apresentam, por serem
estes conseqüência da escolha que o Espírito fez da sua existência
de homem. Pode deixar de haver fatalidade no resultado de tais
acontecimentos, visto ser possível ao homem, pela sua prudência,
modificar-lhes o curso. Nunca há fatalidade nos atos da vida
moral.)
No
que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto,
à inexorável lei da fatalidade, por isso que não pode escapar à
sentença que lhe marca o termo da existência, nem ao gênero de
morte que haja de cortar a esta o fio.
Segundo
a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos os seus
instintos que, então, proviriam, ou da sua organização física,
pela qual nenhuma responsabilidade lhe toca, ou da sua própria
natureza, caso em que lícito lhe fora procurar desculpar-se consigo
mesmo, dizendo não lhe pertencer a culpa de ser feito como é. Muito
mais moral se mostra, indiscutivelmente, a Doutrina Espírita. Ela
admite no homem o livre-arbítrio em toda a sua plenitude e, se lhe
diz que, praticando o mal, ele cede a uma sugestão estranha e má,
em nada lhe diminui a responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de
resistir, o que evidentemente lhe é muito mais fácil do que lutar
contra a sua própria natureza. Assim, de acordo com a Doutrina
Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre
cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindo-o ao
mal, como pode cerrá-los à voz material daquele que lhe fale
ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade, pedindo a Deus a
força necessária e reclamando, para tal fim, a assistência dos
bons
Espíritos.
Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a oração
dominical, quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir
à tentação, mas livra-nos do mal.”
Essa
teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência
de todo o ensino que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de
moralidade, mas também, acrescentaremos, eleva o homem aos seus
próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo obsessor,
como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser
simples máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da
sua vontade, para ser um ente racional, que ouve, julga e escolhe
livremente de dois conselhos um. Aditemos que, apesar disto, o homem
não se acha privado de iniciativa, não deixa de agir por impulso
próprio, pois que, em definitiva, ele é apenas um Espírito
encarnado que conserva, sob o envoltório corporal, as qualidades e
os defeitos que tinha como Espírito.
Conseguintemente,
as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do
nosso próprio Espírito, que ainda não conquistou a superioridade
moral que um dia alcançará, mas que, nem por isso, carece de
livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para se expungir de
suas imperfeições, mediante as provas por que passa, imperfeições
que, precisamente, o tornam mais fraco e mais acessível às
sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se aproveitam
para tentar fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa
luta sai vencedor ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem
pior, nem melhor. Será uma prova que lhe cumpre recomeçar, podendo
suceder que longo tempo gaste nessa alternativa.
Quanto
mais se depura, tanto mais diminuem os seus pontos fracos e tanto
menos acesso oferece aos que procurem atraí-lo para o mal. Na razão
de sua elevação, cresce-lhe a força moral, fazendo que dele se
afastem os maus Espíritos.
Todos
os Espíritos, mais ou menos bons, quando encarnados, constituem a
espécie humana e, como o nosso mundo é um dos menos adiantados,
nele se conta maior número de Espíritos maus do que de bons. Tal a
razão por que aí vemos perversidade. Façamos, pois, todos os
esforços para a este planeta não voltarmos, após a presente
estada, e para merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses
mundos privilegiados, onde não
nos
lembraremos da nossa passagem por aqui, senão como de um exílio
temporário.
CAPÍTULO
XI
DA
LEI DE JUSTIÇA, DE AMOR E DE CARIDADE
- Justiça e direitos naturais. - 2. Direito de propriedade. Roubo. - 3. Caridade e amor do próximo. - 4. Amor materno e filial.
- 1. Justiça e direitos naturais
873.
O sentimento da justiça está em a Natureza, ou é resultado de
idéias
adquiridas?
“Está
de tal modo em a Natureza, que vos revoltais à simples idéia de uma
injustiça.
É
fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas
não o dá. Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que,
freqüentemente, em homens simples e incultos se vos deparam noções
mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de
saber.”
874.
Sendo a justiça uma lei da Natureza, como se explica que os
homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o
que a outros parece injusto?
“É
porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como
sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os
homens vejam as coisas por um prisma falso.”
875.
Como se pode definir a justiça?
“A
justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.”
a)
- Que é o que determina esses direitos?
“Duas
coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis
apropriadas
a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos mutáveis
com o progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, aliás
imperfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média.
Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se vos afiguram
monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre,
pois, é acorde com a justiça o direito que os homens prescrevem.
Demais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando
é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos
unicamente da alçada do tribunal da consciência.”
876.
Posto de parte o direito que a lei humana consagra, qual a base da
justiça, segundo a lei natural?
“Disse
o Cristo: Queira cada um para os outros o que quereria para si
mesmo. No coração do homem imprimiu Deus a regra da verdadeira
justiça, fazendo que cada um deseje ver respeitados os seus
direitos. Na incerteza de como deva proceder com o seu semelhante, em
dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele
procedessem, em circunstância idêntica. Guia mais seguro do que a
própria consciência não lhe podia Deus haver dado.”
Efetivamente,
o critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os
outros o que para si mesmo quereria e não em querer para si o que
quereria para os outros, o que absolutamente não é a mesma coisa.
Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada
um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca
ninguém desejará para o seu semelhante senão o bem. Em todos os
tempos e sob o império de todas as crenças, sempre o homem se
esforçou para que prevalecesse o seu direito pessoal. A
sublimidade da religião cristã está em que ela tomou o direito
pessoal por base do direito do próximo.
877.
Da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe
obrigações
especiais?
“Certo
e a primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus
semelhante. Aquele que respeitar esses direitos procederá sempre com
justiça. Em o vosso mundo, porque a maioria dos homens não pratica
a lei de justiça, cada um usa de represálias. Essa a causa da
perturbação e da confusão em que vivem as sociedades humanas. A
vida social outorga direitos e impões deveres recíprocos.”
878.
Podendo o homem enganar-se quanto à extensão do seu direito, que
é o que lhe fará conhecer o limite desse direito?
“O
limite do direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu
semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente.”
a)
- Mas, se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu
semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Não
será isso a anarquia de todos os poderes?
“Os
direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de
condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não
fez uns de limo mais puro do que o de que se serviu para fazer os
outros, e todos, aos Seus olhos, são iguais. Esses direitos são
eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições.
Demais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá
sempre ter uma certa deferência para com os que o mereçam por suas
virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que se
julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas
deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a
autoridade for deferida à sabedoria.”
879.
Qual seria o caráter do homem que praticasse a justiça em toda a
sua pureza?
“O
do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porquanto praticaria também
o amor do próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira
justiça.”
2.
Direito de propriedade. Roubo
880.
Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem?
“O
de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de
seu
semelhante,
nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência
corporal.”
881.
O direito de viver dá ao homem o de acumular bens que lhe
permitam repousar quando não mais possa trabalhar?
“Dá,
mas ele deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de um
trabalho honesto, e não como egoísta. Há mesmo animais que lhe dão
o exemplo de previdência.”
882.
Tem o homem o direito de defender os bens que haja conseguido
juntar pelo seu trabalho?
“Não
disse Deus: “Não roubarás?” E Jesus não disse: “Dai a César
o que é de César?”
O
que, por meio do trabalho honesto, o homem junta constitui
legítima propriedade sua, que ele tem o direito de defender, porque
a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural, tão
sagrado quando o de trabalhar e de viver.
883.
É natural o desejo de possuir?
“Sim,
mas quando o homem deseja possuir para si somente e para sua
satisfação pessoal, o que há é egoísmo.”
a)
- Não será, entretanto, legítimo o desejo de possuir, uma vez
aquele que tem de que viver a ninguém é pesado?
“Há
homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém,
ou apenas para saciar suas paixões. Julgas que Deus vê isso com
bons olhos? Aquele que, ao contrário, junta pelo trabalho, tendo em
vista socorrer os seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade,
e Deus abençoa o seu trabalho.”
884.
Qual o caráter da legítima propriedade?
“Propriedade
legítima só é a que foi adquirida sem prejuízo de outrem.”
Proibindo-nos
que façamos aos outros o que não desejáramos que nos fizessem, a
lei de amor e de justiça nos proíbe, ipso facto, a aquisição
de bens por quaisquer meios que lhe sejam contrários.
885.
Será ilimitado o direito de propriedade?
“É
fora de dúvida que tudo o que legitimamente se adquire constitui uma
propriedade.
Mas, como havemos dito, a legislação dos homens, porque imperfeita,
consagra muitos direitos convencionais, que a lei de justiça
reprova. Essa a razão por que eles reformam suas leis, à medida que
o progresso se efetua e que melhor compreendem a justiça. O que num
século parece perfeito, afigura-se bárbaro no século seguinte.”
3.
Caridade e amor do próximo
886.
Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia
Jesus?
“Benevolência
para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros,
perdão das ofensas.”
O
amor e a caridade são o complemento da lei de justiça. pois amar o
próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que
desejáramos nos fosse feito. Tal o sentido destas palavras de Jesus:
Amai-vos uns aos outros como irmãos.
A
caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas
as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam
eles nossos inferiores, nossos iguais, ou nossos superiores. Ela nos
prescreve a indulgência, porque da indulgência precisamos nós
mesmos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados,
contrariamente ao que se costuma fazer. Apresente-se uma pessoa rica
e todas as atenções e deferências lhe são dispensadas. Se for
pobre, toda gente como que entende que não precisa preocupar-se com
ela. No entanto, quanto mais lastimosa seja a sua posição, tanto
maior cuidado devemos pôr em lhe não aumentarmos o infortúnio pela
humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar, aos seus
próprios olhos, aquele que lhe é inferior, diminuindo a distância
que os separa.
887.
Jesus também disse: Amai mesmo os vossos inimigos. Ora, o
amor aos inimigos não será contrário às nossas tendências
naturais e a inimizade não provirá de uma falta de simpatia entre
os Espíritos?
“Certo
ninguém pode votar aos seus inimigos um amor terno e apaixonado. Não
foi isso o que Jesus entendeu de dizer. Amar os inimigos é
perdoar-lhes e lhes retribuir o mal com o bem. O que assim procede se
torna superior aos seus inimigos, ao passo que abaixo deles se coloca
, se procura tomar vingança.”
888.
Que se deve pensar da esmola?
“Condenando-se
a pedir esmola, o homem se degrada física e moralmente:
embrutece-se.
Uma sociedade que se baseia na lei de Deus e na justiça deve prover
à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve
assegurar a existência dos que não podem trabalhar, sem lhes deixar
a vida à mercê do acaso e da boa-vontade de alguns.”
a)
- Dar-se-á reproveis a esmola?
“Não;
o que merece reprovação não é a esmola, mas a maneira por que
habitualmente
é dada. O homem de bem, que compreende a caridade de acordo com
Jesus, vai ao encontro do desgraçado, sem esperar que este lhe
estenda a mão.
“A
verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola; está tanto no
ato, como na maneira por que é praticado. Duplo valor tem um serviço
prestado com delicadeza. Se o for com altivez, pode ser que a
necessidade
obrigue
quem o recebe a aceitá-lo, mas o seu coração pouco se comoverá.
“Lembrai-vos
também de que, aos olhos de Deus, a ostentação tira o mérito ao
benefício. Disse Jesus: “Ignore a vossa mão esquerda o que a
direita der.” Por essa forma, ele vos ensinou a não tisnardes a
caridade com o orgulho.
“Deve-se
distinguir a esmola, propriamente dita, da beneficência. Nem sempre
o mais necessitado é o que pede. O temor de uma humilhação detém
o verdadeiro pobre, que muita vez sofre sem se queixar. A esse é que
o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação.
“Amai-vos
uns aos outros, eis toda a lei, lei divina, mediante a qual governa
Deus os mundos. O amor é a lei de atração para os seres vivos e
organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.
“Não
esqueçais nunca que o Espírito, qualquer que seja o grau de seu
adiantamento, sua situação como encarnado, ou na erraticidade, está
sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um
inferior, para com o qual tem que cumprir esses mesmos deveres. Sede,
pois, caridosos, praticando, não só a caridade que vos faz dar
friamente o óbolo que tirais do bolso ao que vo-lo ousa pedir, mas a
que vos leve ao encontro das misérias ocultas. Sede indulgentes com
os defeitos dos vossos semelhantes. Em vez de votardes desprezo à
ignorância e ao vício, instruí os ignorantes e moralizai os
viciados.
Sede
brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o
para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à
lei de Deus.”
SÃO
VICENTE DE PAULO
889.
Não há homens que se vêem condenados a mendigar por culpa sua?
“Sem
dúvida; mas, se uma boa educação moral lhes houvera ensinado a
praticar a lei de Deus, não teriam caído nos excessos causadores da
sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende a melhoria do vosso
planeta.”
4.
Amor materno e filial
890.
Será uma virtude o amor materno, ou um sentimento instintivo,
comum aos homens e aos animais?
“Uma
e outra coisa. A Natureza deu à mãe o amor a seus filhos no
interesse da conservação deles. No animal, porém, esse amor se
limita às necessidades materiais; cessa quando desnecessário se
tornam os cuidados. No homem, persiste pela vida inteira e comporta
um devotamento e uma abnegação que são virtudes. Sobrevive mesmo à
morte e acompanha o filho até no além-túmulo. Bem vedes que há
nele coisa diversa do que há no amor do animal.”
891.
Estando em a Natureza o amor materno, como é que há mães que
odeiam os filhos e, não raro, desde a infância destes?
“Às
vezes, é uma prova que o Espírito do filho escolheu, ou uma
expiação, se aconteceu ter sido mau pai, ou mãe perversa, ou mau
filho, noutra existência. Em todos os casos, a mãe má não pode
deixar de ser animada por um mau Espírito que procura criar
embaraços ao filho, a fim de que sucumba na prova que buscou. Mas,
essa violação das leis da Natureza não ficará impune e o Espírito
do filho será recompensado pelos
obstáculos
de que haja triunfado.”
892.
Quando os filhos causam desgostos aos pais, não têm estes
desculpa para o fato de lhes não dispensarem a ternura de que os
fariam objeto, em caso contrário?
“Não,
porque isso representa um encargo que lhes é confiado e a missão
deles consiste em se esforçarem por encaminhar os filhos para o bem
. Demais, esses desgostos são, amiúde, a conseqüência do mau
feitio que os pais deixaram que seus filhos tomassem desde o berço.
Colhem o que semearam.”
CAPÍTULO XII
DA PERFEIÇÃO MORAL
1. As virtudes e os vícios. - 2. Paixões. - 3. O egoísmo. - 4. Caracteres do homem de bem. -
5. Conhecimento de si mesmo.
As virtudes e os vícios
As Virtudes e os Vícios
893. Qual a mais meritória de todas as virtudes?
“Toda virtude tem seu mérito próprio, porque todas indicam progresso na senda do
bem. Há virtudes sempre que há resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores.
A sublimidade da virtude, porém, está no sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do
próximo, sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada
caridade.”
894. Há pessoas que fazem o bem espontaneamente, sem que precisem vencer
quaisquer sentimentos que lhes sejam opostos. Terão tanto mérito, quanto as que se vêem
na contingência de lutar contra a natureza que lhes é própria e a vencem?
“Só não têm que lutar aqueles em quem já há progresso realizado. Esses lutaram
outrora e triunfaram. Por isso é que os bons sentimentos nenhum esforço lhes custam e suas
ações lhes parecem simplíssimas. O bem se lhes tornou um hábito. Devidas lhes são as
honras que se costumam tributar a velhos guerreiros que conquistaram seus altos postos.
PARTE 3ª - CAPÍTULO XII
“Como ainda estais longe da perfeição, tais exemplos vos espantam pelo contraste
com o que tendes à vista e tanto mais os admirais, quanto mais raros são. Ficai sabendo,
porém, que, nos mundos mais adiantados do que o vosso, constitui a regra o que entre vós
representa a exceção. Em todos os pontos desses mundos, o sentimento do bem é
espontâneo, porque somente bons Espíritos os habitam. Lá, uma só intenção maligna seria
monstruosa exceção. Eis por que neles os homens são ditosos. O mesmo se dará na Terra,
quando a Humanidade se houver transformado, quando compreender e praticar a caridade
na sua verdadeira acepção.”
895. Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode
equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição?
“O interesse pessoal. Freqüentemente, as qualidades morais são como, num objeto
de cobre, a douradura que não resiste à pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades
reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de bem. Mas, essas qualidades, conquanto
assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas e às vezes basta que se fira a
corda do interesse pessoal para que o fundo fique a descoberto. O verdadeiro desinteresse é
coisa ainda tão rara na Terra que, quando se patenteia todos o admiram como se fora um
fenômeno.
“O apego às coisas materiais constitui sinal notório de inferioridade, porque, quanto
mais se aferrar aos bens deste mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino.
Pelo desinteresse, ao contrário, demonstra que encara de um ponto mais elevado o futuro.”
896. Há pessoas desinteressadas, mas sem discernimento, que prodigalizam seus
haveres sem utilidade real, por lhes não saberem dar emprego criterioso. Têm algum
merecimento essas pessoas?
“Têm o do desinteresse, porém não o do bem que poderiam fazer. O desinteresse é
uma virtude, mas a prodigalidade irrefletida constitui sempre, pelo menos, falta de juízo. A riqueza, assim como não é dada a uns para ser aferrolhada num cofre forte,
também não o é a outros para ser dispersada ao vento. Representa um depósito de que uns e
outros terão de prestar contas, porque terão de responder por todo o bem que podiam fazer e
não fizeram, por todas as lágrimas que podiam ter estancado com o dinheiro que deram aos
que dele não precisavam.”
897. Merecerá reprovação aquele que faz o bem, sem visar a qualquer recompensa
na Terra, mas esperando que lhe seja levado em conta na outra vida e que lá venha a ser
melhor a sua situação? E essa preocupação lhe prejudicará o progresso?
“O bem deve ser feito caritativamente, isto é, com desinteresse.”
a) - Contudo, todos alimentam o desejo muito natural de progredir, para forrar-se à
penosa condição desta vida.
Os próprios Espíritos nos ensinam a praticar o bem com esse
objetivo. Será, então, um mal pensarmos que, praticando o bem, podemos esperar coisa
melhor do que temos na Terra?
“Não, certamente; mas aquele que faz o bem, sem idéia preconcebida, pelo só prazer
de ser agradável a Deus e ao seu próximo que sofre, já se acha num certo grau de progresso,
que lhe permitirá alcançar a felicidade muito mais depressa do que seu irmão que, mais
positivo, faz o bem por cálculo e não impelido pelo ardor natural do seu coração.”
(894)
b) - Não haverá aqui uma distinção a estabelecer-se entre o bem que podemos fazer
ao nosso próximo e o cuidado que pomos em corrigir-nos dos nossos defeitos?
Concebemos que seja pouco meritório fazermos o bem com a idéia de que nos seja levado
em conta na outra vida; mas será igualmente indício de inferioridade emendarmo-nos,
vencermos as nossas paixões, corrigirmos o nosso caráter, com o propósito de nos
aproximarmos dos bons Espíritos e de nos elevarmos?
“Não, não. Quando dizemos - fazer o bem, queremos significar - ser caridoso.
Procede como egoísta todo aquele que calcula o que lhe possa cada uma de suas boas ações
render na vida futura, tanto quanto na vida terrena. Nenhum egoísmo, porém, há em querer
o homem melhorar-se, para se aproximar de Deus, pois que é o fim para o qual devem
todos tender.”
898. Sendo a vida corpórea apenas uma estada temporária neste mundo e devendo
o futuro constituir objeto da nossa principal preocupação, será útil nos esforcemos por
adquirir conhecimentos científicos que só digam respeito às coisas e às necessidades
materiais?
“Sem dúvida. Primeiramente, isso vos põe em condições de auxiliar os vossos
irmãos; depois, o vosso Espírito subirá mais depressa, se já houver progredido em
inteligência. Nos intervalos das encarnações, aprendereis numa hora o que na Terra vos
exigiria anos de aprendizado. Nenhum conhecimento é inútil; todos mais ou menos
contribuem para o progresso, porque o Espírito, para ser perfeito, tem que saber tudo, e
porque, cumprindo que o progresso se efetue em todos os sentidos, todas as idéias
adquiridas ajudam o desenvolvimento do Espírito.”
899. Qual o mais culpado de dois homens ricos que empregam exclusivamente em
gozos pessoais suas riquezas, tendo um nascido na opulência e desconhecido sempre a
necessidade, devendo o outro ao seu trabalho os bens que possui?
“Aquele que conheceu os sofrimentos, porque sabe o que é sofrer. A dor, a que
nenhum alívio procura dar, ele a conhece; porém, como freqüentemente sucede, já dela se
não lembra.”
900. Aquele que incessantemente acumula haveres, sem fazer o bem a quem quer
que seja, achará desculpa, que valha, na circunstância de acumular com o fito de maior
soma legar aos seus herdeiros?
“É um compromisso com a consciência má.”
901. Figuremos dois avarentos, um dos quais nega a si mesmo o necessário e morre
de miséria sobre o seu tesouro, ao passo que o segundo só o é para os outros, mostrando-se pródigo para consigo mesmo; enquanto recua ante o mais ligeiro sacrifício para prestar
um serviço ou fazer qualquer coisa útil, nunca julga demasiado o que dependa para
satisfazer aos seus gostos ou às suas paixões. Peça-se-lhe um obséquio e estará sempre em
dificuldade para fazê-lo; imagine, porém, realizar uma fantasia e terá sempre o bastante
para isso. Qual o mais culpado e qual o que se achará em pior situação no mundo dos
Espíritos?
“O que goza, porque é mais egoísta do que avarento. O outro já recebeu parte do seu
castigo.”
902. Será reprovável que cobicemos a riqueza, quando nos anime o desejo de fazer
o bem?
“Tal sentimento é, não há dúvida, louvável, quando puro. Mas, será sempre bastante
desinteressado esse desejo?
Não ocultará nenhum intuito de ordem pessoal? Não será de
fazer o bem a si mesmo, em primeiro lugar, que cogita aquele, em quem tal desejo se
manifesta?”
903. Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios?
“Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque será faltar
com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe
de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer que a indulgência para com os defeitos
de outrem é uma das virtudes contidas na caridade. Antes de censurardes as imperfeições
dos outros, vede se de vós não poderão dizer o mesmo. Tratai, pois, de possuir as
qualidades opostas aos defeitos que criticais no vosso semelhante. Esse o meio de vos
tornardes superiores a ele. Se lhe censurais a ser avaro, sede generosos; se o ser orgulhoso,
sede humildes e modestos; se o ser áspero, sede brandos; se o proceder com pequenez, sede grandes em todas as vossas ações. Numa
palavra, fazei por maneira que se não vos possam aplicar estas palavras de Jesus: Vê o
argueiro no olho do seu vizinho e não vê a trave no seu próprio.”
904. Incorrerá em culpa aquele que sonda as chagas da sociedade e as expõe em
público?
“Depende do sentimento que o mova. Se o escritor apenas visa produzir escândalo,
não faz mais do que proporcionar a si mesmo um gozo pessoal, apresentando quadros que
constituem antes mau do que bom exemplo. O Espírito aprecia isso, mas pode vir a ser
punido por essa espécie de prazer que encontra em revelar o mal.”
a) - Como, em tal caso, julgar da pureza das intenções e da sinceridade do escritor?
“Nem sempre há nisso utilidade. Se ele escrever boas coisas, aproveitai-as. Se
proceder mal, é uma questão de consciência que lhe diz respeito, exclusivamente. Demais,
se o escritor tem empenho em provar a sua sinceridade, apóie o que disser nos exemplos
que dê.”
905. Alguns autores hão publicado belíssimas obras de grande moral, que auxiliam
o progresso da Humanidade, das quais, porém, nenhum proveito tiraram eles. Ser-lhes-á
levado em conta, como Espíritos, o bem a que suas obras hajam dado lugar?
“A moral sem as ações é o mesmo que a semente sem o trabalho. De que vos serve a
semente, se não a fazeis dar frutos que vos alimentem?
Grave é a culpa desses homens,
porque dispunham de inteligência para compreender. Não praticando as máximas que
ofereciam aos outros, renunciaram a colher-lhes os frutos.”
906. Será passível de censura o homem, por ter consciência do bem que faz e por
confessá-lo a si mesmo?
“Pois que pode ter consciência do mal que pratica, do bem igualmente deve tê-la, a
fim de saber se andou bem ou mal. Pesando todos os seus atos na balança da lei de Deus e, sobretudo, na lei de
justiça, amor e caridade, é que poderá dizer a si mesmo se suas obras são boas ou más, que
as poderá aprovar ou desaprovar. Não se lhe pode, portanto, censurar que reconheça haver
triunfado dos maus pendores e que se sinta satisfeito, desde que de tal não se envaideça,
porque então cairia noutra falta.” (919)
Paixões
907. Será substancialmente mau o princípio originário das paixões, embora esteja
na Natureza?
“Não; a paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio
que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à
realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal.”
908. Como se poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para
se tornarem más?
“As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado e que se
torna perigoso desde que passe a governar.
Uma paixão se torna perigosa a partir do
momento em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um prejuízo qualquer
para vós mesmos, ou para outrem.”
As paixões são alavancas que decuplicam as forças do homem e o auxiliam na
execução dos desígnios da Providência.
Mas, se, em vez de as dirigir, deixa que elas o
dirijam, cai o homem nos excessos e a própria força que, manejada pelas suas mãos,
poderia produzir o bem, contra ele se volta e o esmaga.
Todas as paixões têm seu princípio num sentimento, ou numa necessidade natural.
O princípio das paixões não é, assim, um mal, pois que assenta numa das condições
providenciais da nossa existência.
A paixão propriamente dita é a exageração de uma
necessidade ou de um sentimento. Está no excesso e não na causa e este excesso se torna
um mal, quando tem como conseqüência um mal qualquer.
Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza
espiritual.
Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal denota
predominância do espírito sobre a matéria e o aproxima da perfeição.
909. Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?
“Sim, e, freqüentemente, fazendo esforços muito insignificantes. O que lhe falta é a
vontade. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços!”
910. Pode o homem achar nos Espíritos eficaz assistência para triunfar de suas
paixões?
“Se o pedir a Deus e ao seu bom gênio, com sinceridade, os bons Espíritos lhe virão
certamente em auxílio, porquanto é essa a missão deles.” (459)
911. Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis, que a vontade seja impotente para
dominá-las?
“Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios.
Querem, porém muito satisfeitas ficam que não seja como “querem”. Quando o homem crê
que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em conseqüência
da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura reprimir.
Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria.”
912. Qual o meio mais eficiente de combater-se o predomínio da natureza
corpórea?
“Praticar a abnegação.”
O egoísmo
913. Dentre os vícios, qual o que se pode considerar radical?
“Temo-lo dito muitas vezes: o egoísmo. Daí deriva todo mal. Estudai todos os vícios
e vereis que no fundo de todos há egoísmo. Por mais que lhes deis combate, não chegareis a extirpá-los, enquanto
não atacardes o mal pela raiz, enquanto não lhe houverdes destruído a causa. Tendam, pois,
todos os esforços para esse efeito, porquanto aí é que está a verdadeira chaga da sociedade.
Quem quiser, desde esta vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar o seu
coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o egoísmo incompatível com a justiça, o
amor e a caridade. Ele neutraliza todas as outras qualidades.”
914. Fundando-se o egoísmo no sentimento do interesse pessoal, bem difícil parece
extirpá-lo inteiramente do coração humano. Chegar-se-á a consegui-lo?
“À medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão
às coisas materiais. Depois, necessário é que se reformem as instituições humanas que o
entretêm e excitam. Isso depende da educação.”
915. Por ser inerente à espécie humana, o egoísmo não constituirá sempre um
obstáculo ao reinado do bem absoluto na Terra?
“É exato que no egoísmo tendes o vosso maior mal, porém ele se prende à
inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra e não à Humanidade mesma. Ora,
depurando-se por encarnações sucessivas, os Espíritos se despojam do egoísmo, como de
suas outras impurezas. Não existirá na Terra nenhum homem isento de egoísmo e praticante
da caridade? Há muito mais homens assim do que supondes. Apenas, não os conheceis,
porque a virtude foge à viva claridade do dia. Desde que haja um, por que não haverá dez?
Havendo dez, por que não haverá mil e assim por diante?
916. Longe de diminuir, o egoísmo cresce com a civilização, que, até, parece, o
excita e mantém. Como poderá a causa destruir o efeito?
“Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era preciso que o egoísmo
produzisse muito mal, para que compreensível se fizesse a necessidade de extirpá-lo. Os homens, quando se houverem
despojado do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, sem se fazerem mal algum,
auxiliando-se reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da solidariedade. Então, o
forte será o amparo e não o opressor do fraco e não mais serão vistos homens a quem falte o
indispensável, porque todos praticarão a lei de justiça. Esse o reinado do bem, que os
Espíritos estão incumbidos de preparar.” (784)
917. Qual o meio de destruir-se o egoísmo?
“De todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais difícil de desenraizar-se
porque deriva da influência da matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo de
sua origem, não pôde libertar-se e para cujo entretenimento tudo concorre: suas leis, sua
organização social, sua educação.
O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral
for predominante sobre a vida material e, sobretudo, com a compreensão, que o Espiritismo
vos faculta, do vosso estado futuro, real e não desfigurado por ficções alegóricas.
Quando,
bem compreendido, se houver identificado com os costumes e as crenças, o Espiritismo
transformará os hábitos, os usos, as relações sociais.
O egoísmo assenta na importância da
personalidade.
Ora, o Espiritismo, bem compreendido, repito, mostra as coisas de tão alto
que o sentimento da personalidade desaparece, de certo modo, diante da imensidade.
Destruindo essa importância, ou, pelo menos, reduzindo-a às suas legítimas proporções, ele
necessariamente combate o egoísmo.
“O choque, que o homem experimenta, do egoísmo os outros é o que muitas vezes o
faz egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Notando que os outros
pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais do que com os
outros. Sirva de base às instituições sociais, às relações legais de povo a povo e de homem a
homem o princípio da caridade e da fraternidade e cada um pensará menos na sua pessoa,
assim veja que outros nela pensam. Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e do contacto. Em face do atual extravasamento
de egoísmo, grande virtude é verdadeiramente necessária, para que alguém renuncie à sua
personalidade em proveito dos outros, que, de ordinário, absolutamente lhe não agradecem.
Principalmente para os que possuem essa virtude, é que o reino dos céus se acha aberto. A
esses, sobretudo, é que está reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo
que, no dia da justiça, será posto de lado e sofrerá pelo abandono, em que se há de ver, todo
aquele que em si somente houver pensado.” (785)
FÉNELON.
Louváveis esforços indubitavelmente se empregam para fazer que a Humanidade
progrida. Os bons sentimentos são animados, estimulados e honrados mais do que em
qualquer outra época. Entretanto, o egoísmo, verme roedor, continua a ser a chaga social. É
um mal real, que se alastra por todo o mundo e do qual cada homem é mais ou menos
vítima. Cumpre, pois, combatê-lo, como se combate uma enfermidade epidêmica. Para isso,
deve-se proceder como procedem os médicos: ir à origem do mal. Procurem-se em todas as
partes do organismo social, da família aos povos, da choupana ao palácio, todas as causas,
todas as influências que, ostensiva ou ocultamente, excitam, alimentam e desenvolvem o
sentimento do egoísmo. Conhecidas as causas, o remédio se apresentará por si mesmo. Só
restará então destruí-las, senão totalmente, de uma só vez, ao menos parcialmente, e o
veneno pouco a pouco será eliminado. Poderá ser longa a cura, porque numerosas são as
causas, mas não é impossível. Contudo, ela só se obterá se o mal for atacado em sua raiz,
isto é, pela educação, não por essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas pela
que tende a fazer homens de bem. A educação, convenientemente entendida, constitui a
chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se
conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se
aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda
observação. É grave erro pensar-se que, para exercê-la com proveito baste o conhecimento
da Ciência. Quem acompanhar, assim o filho do rico, como o do pobre, desde o instante do nascimento, o observar todas as influências perniciosas que sobre eles atuam, em
conseqüência da fraqueza, da incúria e da ignorância dos que os dirigem, observando
igualmente com quanta freqüência falham os meios empregados para moralizá-los, não
poderá espantar-se de encontrar pelo mundo tantas esquisitices. Faça-se com o moral o que
se faz com a inteligência e ver-se-á que, se há naturezas refratárias, muito maior do que se
julga é o número das que apenas reclamam boa cultura, para produzir bons frutos. (872)
O homem deseja ser feliz e natural é o sentimento que dá origem a esse desejo. Por
isso é que trabalha incessantemente para melhorar a sua posição na Terra, que pesquisa as
causas de seus males, para remediá-los. Quando compreender bem que no egoísmo reside
uma dessas causas, a que gera o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio, o ciúme,
que a cada momento o magoam, a que perturba todas as relações sociais, provoca as
dissensões, aniquila a confiança, a que o obriga a se manter constantemente na defensiva
contra o seu vizinho, enfim a que do amigo faz inimigo, ele compreenderá também que esse
vício é incompatível com a sua felicidade e, podemos mesmo acrescentar, com a sua
própria segurança. E quanto mais haja sofrido por efeito desse vício, mais sentirá a
necessidade de combatê-lo, como se combatem a peste, os animais nocivos e todos os
outros flagelos. O seu próprio interesse a isso o induzirá. (784)
O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade o é de todas as virtudes.
Destruir um e desenvolver a outra, tal deve ser o alvo de todos os esforços do homem, se
quiser assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto quanto no futuro.
Caracteres do homem de bem
918. Por que indícios se pode reconhecer em um homem o progresso real que lhe
elevará o Espírito na hierarquia espírita?
“O espírito prova a sua elevação, quando todos os atos de sua vida corporal
representam a prática da lei de Deus e quando antecipadamente compreende a vida
espiritual.”
Verdadeiramente, homem de bem é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade,
na sua maior pureza.
Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou,
perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se
ninguém tem motivos para dele se queixar, enfim se fez aos outros o que desejara que lhe
fizessem.
Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem
contar com qualquer retribuição, e sacrifica seus interesses à justiça.
É bondoso, humanitário e benevolente para com todos, porque vê irmãos em todos
os homens, sem distinção de raças, nem de crenças.
Se Deus lhe outorgou o poder e a riqueza, considera essas coisas como UM
DEPÓSITO, de que lhe cumpre usar para o bem.
Delas não se envaidece, por saber que
Deus, que lhas deu, também lhas pode retirar.
Se sob a sua dependência a ordem social colocou outros homens, trata-os com
bondade e complacência, porque são seus iguais perante Deus.
Usa da sua autoridade para
lhes levantar o moral e não para os esmagar com seu orgulho.
É indulgente para com as fraquezas alheias, porque sabe que também precisa da
indulgência dos outros e se lembra destas palavras do Cristo: Atire a primeira pedra aquele
que estiver sem pecado.
Não é vingativo.
A exemplo de Jesus, perdoa as ofensas, para só se lembrar dos
benefícios, pois não ignora que, como houver perdoado, assim perdoado lhe será.
Respeita, enfim, em seus semelhantes, todos os direitos que as leis da Natureza lhes
concedem, como quer que os mesmos direitos lhe sejam respeitados.
Conhecimento de si mesmo
919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e
de resistir à atração do mal?
“Um sábio da antigüidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”
a) - Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está
precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo.
Qual o meio de consegui-lo?
“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha
consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum
dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar.
Foi assim que cheguei a me
conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma.
Aquele que, todas as noites, evocasse
todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que
houvera feito, rogando a Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força
adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria.
Dirigi, pois, a vós
mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes
em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem,
censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar.
Perguntai ainda
mais:
“Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém,
ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?”
“Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e,
finalmente, contra vós mesmos.
As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa
consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.
“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual.
Mas,
direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo?
Não está aí a ilusão do amor-próprio para
atenuar as faltas e torná-las desculpáveis?
O avarento se considera apenas econômico e
previdente; o orgulhosos julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um
meio de verificação que não pode iludir-vos.
Quando estiverdes indecisos sobre o valor de
uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa.
Se a
censurais noutrem, não na poderia ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus
não usa de duas medidas na aplicação de Sua justiça.
Procurai também saber o que dela
pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto
esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a
fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo.
Perscrute,
conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de
melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas
daninhas; dê balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas
e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas.
Se
puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar
na outra vida.
“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais
multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna.
Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na
velhice?
Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz
suportar fadigas e privações temporárias?
Pois bem!
Que é esse descanso de alguns dias,
turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem
de bem?
Não valerá este outro a pena de alguns esforços?
Sei haver muitos que dizem ser
positivo o presente e incerto o futuro.
Ora, esta exatamente a idéia que estamos
encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse
futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma.
Por isso foi que primeiro
chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que
agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar.
Com este
objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.”
SANTO AGOSTINHO
Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente, seguindo
o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência,
veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos
a natureza e o móvel dos nossos atos.
A forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer máxima, que
muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por
um sim ou não, que não abrem lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos
argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de
bem ou de mal que existe em nós.
PARTE QUARTA
Das esperanças e consolações
CAPÍTULO I
DAS PENAS E GOZOS TERRESTRES
1. Felicidade e infelicidade relativas. - 2. Perda de entes queridos. - 3. Decepções.
Ingratidão. Afeições destruídas. - 4. Uniões antipáticas. - 5. Temor da morte. - 6. Desgosto
da vida. Suicídio.
Felicidade e infelicidade relativas
1. Felicidade e infelicidade relativas
920. Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra?
“Não, por isso que a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Dele, porém,
depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra.”
921. Concebe-se que o homem será feliz na Terra, quando a Humanidade estiver
transformada. Mas, enquanto isso se não verifica, poderá conseguir uma felicidade
relativa?
“O homem é quase sempre o obreiro da sua própria infelicidade. Praticando a lei de
Deus, a muitos males se forrará e proporcionará a si mesmo felicidade tão grande quanto o
comporte a sua existência grosseira.”
Aquele que se acha bem compenetrado de seu destino futuro não vê na vida corporal
mais do que uma estação temporária, uma como parada momentânea em péssima hospedaria. Facilmente se consola
de alguns aborrecimentos passageiros de uma viagem que o levará a tanto melhor posição,
quanto melhor tenha cuidado dos preparativos para empreendê-la.
Já nesta vida somos punidos pela infrações, que cometemos, das leis que regem a
existência corpórea, sofrendo os males conseqüentes dessas mesmas infrações e dos nossos
próprios excessos. Se, gradativamente, remontarmos à origem do que chamamos as nossas
desgraças terrenas, veremos que, na maioria dos casos, elas são a conseqüência de um
primeiro afastamento nosso do caminho reto. Desviando-nos deste, enveredamos por outro,
mau, e, de conseqüência em conseqüência, caímos na desgraça.
922. A felicidade terrestre é relativa à posição de cada um. O que basta para a
felicidade de um, constitui a desgraça de outro. Haverá, contudo, alguma soma de
felicidade comum a todos os homens?
“Com relação à vida material, é a posse do necessário. Com relação à vida moral, a
consciência tranqüila e a fé no futuro.”
923. O que para um é supérfluo não representará para outro, o necessário, e
reciprocamente, de acordo com as posições respectivas?
“Sim, conformemente às vossas idéias materiais, aos vossos preconceitos, à vossa
ambição e às vossas ridículas extravagâncias, a que o futuro fará justiça, quando
compreenderdes a verdade. Não há dúvida de que aquele que tinha cinqüenta mil libras de
renda, vendo-se reduzido a só ter dez mil, se considera muito desgraçado, por não mais
poder fazer a mesma figura, conservar o que chama a sua posição, ter cavalos, lacaios,
satisfazer a todas as paixões, etc. Acredita que lhe falta o necessário. Mas, francamente,
achas que seja digno de lástima, quando ao seu lado muitos há, morrendo de fome e frio,
sem um abrigo onde repousem a cabeça? O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha
sempre para baixo e não para cima, a não ser para elevar sua alma ao infinito.” (715)
924. Há males que independem da maneira de proceder do homem e que atingem
mesmo os mais justos. Nenhum meio terá ele de os evitar?
“Deve resignar-se e sofrê-los sem murmurar, se quer progredir. Sempre, porém, lhe
é dado haurir consolação na própria consciência, que lhe proporciona a esperança de melhor
futuro, se fizer o que é preciso para obtê-lo.”
925. Por que favorece Deus, com os dons da riqueza, a certos homens que não
parecem tê-las merecido?
“Isso significa um favor aos olhos dos que apenas vêem o presente. Mas, ficai
sabendo, a riqueza é, de ordinário, a prova mais perigosa do que a miséria.” (814 e
seguintes)
926. Criando novas necessidades, a civilização não constitui uma fonte de novas
aflições?
“Os males deste mundo estão na razão das necessidades factícias que vos criais. A
muitos desenganos se poupa nesta vida aquele que sabe restringir seus desejos e olha sem
inveja para o que esteja acima de si. O que menos necessidades tem, esse o mais rico.
“Invejais os gozos dos que vos parecem os felizes do mundo. Sabeis, porventura, o
que lhes está reservado? Se os seus gozos são todos pessoais, pertencem eles ao número dos
egoístas: o reverso então virá. Deveis, de preferência, lastimá-los. Deus algumas vezes
permite que o mau prospere, mas a sua felicidade não é de causar inveja, porque com
lágrimas amargas a pagará. Quando um justo é infeliz, isso representa uma prova que lhe
será levada em conta, se a suportar com coragem. Lembrai-vos destas palavras de Jesus:
Bem-aventurados os que sofrem, pois que serão consolados.”
927. Não há dúvida que, à felicidade, o supérfluo não é forçosamente indispensável,
porém o mesmo não se dá com o necessário. Ora, não será real a infelicidade daqueles a
quem falta o necessário?
“Verdadeiramente infeliz o homem só o é quando sofre a falta do necessário à vida e
à saúde do corpo. Todavia, pode acontecer que essa privação seja de sua culpa. Então, só
tem que se queixar de si mesmo. Se for ocasionada por outrem, a responsabilidade recairá
sobre aquele que lhe houver dado causa.”
928. Evidentemente, por meio da especialidade das aptidões naturais, Deus indica a
nossa vocação neste mundo. Muitos dos nossos males não advirão de não seguirmos essa
vocação?
“Assim é, de fato, e muitas vezes são os pais que, por orgulho ou avareza, desviam
seus filhos da senda que a Natureza lhes traçou, comprometendo-lhes a felicidade, por
efeito desse desvio. Responderão por ele.”
a) - Acharíeis então justo que o filho de um homem altamente colocado na
sociedade fabricasse tamancos, por exemplo, desde que para isso tivesse aptidão?
“Cumpre não cair no absurdo, nem exagerar coisa alguma: a civilização tem suas
exigências.
Por que haveria de fabricar tamancos o filho de um homem altamente colocado,
como dizes, se pode fazer outra coisa?
Poderá sempre tornar-se útil na medida de suas
faculdades, desde que não as aplique às avessas.
Assim, por exemplo, em vez de mau
advogado, talvez desse bom mecânico, etc.”
No afastarem-se os homens da sua esfera intelectual reside indubitavelmente uma
das mais freqüentes causas de decepção.
A inaptidão para a carreira abraçada constitui fonte
inesgotável de reveses.
Depois, o amor-próprio, sobrevindo a tudo isso, impede que o que
fracassou recorra a uma profissão mais humilde e lhe mostra o suicídio como remédio para
escapar ao que se lhe afigura humilhação. Se uma educação moral o houvesse colocado
acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais se teria deixado apanhar desprevenido.
929. Pessoas há, que, baldas de todos os recursos, embora no seu derredor reine a
abundância, só têm diante de si a perspectiva da morte. Que partido devem tomar? Devem deixar-se morrer de
fome?
“Nunca ninguém deve ter a idéia de deixar-se morrer de fome. O homem acharia
sempre meio de se alimentar, se o orgulho não se colocasse entre a necessidade e o
trabalho. Costuma-se dizer: “Não há ofício desprezível; o seu estado não é o que desonra o
homem.” Isso, porém, cada um diz para os outros e não para si.”
930. É evidente que, se não fossem os preconceitos sociais, pelos quais se deixa o
homem dominar, ele sempre acharia um trabalho qualquer, que lhe proporcionasse meio
de viver, embora deslocando-se da sua posição. Mas, entre os que não têm preconceitos ou
os põem de lado, não há pessoas que se vêem na impossibilidade de prover às suas
necessidades, em conseqüência de moléstias ou outras causas independentes da vontade
delas?
“Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de
fome.”
Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por culpa sua
pode faltar o necessário. Porém, suas próprias faltas são freqüentemente resultado do meio
onde se acha colocado. Quando praticar a lei de Deus, terá uma ordem social fundada na
justiça e na solidariedade e ele próprio também será melhor.” (793)
931. Por que são mais numerosas, na sociedade, as classes sofredoras do que as
felizes?
“Nenhuma é perfeitamente feliz e o que julgais ser a felicidade muitas vezes oculta
pungentes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao teu
pensamento, direi que as classes a que chamas sofredoras são mais numerosas, por ser a
Terra lugar de expiação. Quando a houver transformado em morada do bem e de Espíritos
bons, o homem deixará de ser infeliz aí e ela lhe será o paraíso terrestre.”
932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?
“Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos.
Quando estes o quiserem, preponderarão.”
933. Assim como, quase sempre, é o homem o causador de seus sofrimentos
materiais, também o será de seus sofrimentos morais?
“Mais ainda, porque os sofrimentos materiais algumas vezes independem da
vontade; mas, o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o
ciúme, todas as paixões, numa palavra, são torturas da alma.
“A inveja e o ciúme! Felizes os que desconhecem estes dois vermes roedores! Para
aquele que a inveja e o ciúme atacam, não há calma, nem repouso possíveis. À sua frente,
como fantasmas que lhe não dão tréguas e o perseguem até durante o sono, se levantam os
objetos de sua cobiça, do seu ódio, do seu despeito. O invejoso e o ciumento vivem ardendo
em contínua febre. Será essa uma situação desejável e não compreendeis que, com as suas
paixões, o homem cria para si mesmo suplícios voluntários, tornando-se-lhe a Terra
verdadeiro inferno?”
Muitas expressões pintam energicamente o efeito de certas paixões. Diz-se: ímpar
de orgulho, morrer de inveja, secar de ciúme ou de despeito, não comer nem beber de
ciúmes, etc. Este quadro é sumamente real. Acontece até não ter o ciúme objeto
determinado. Há pessoas ciumentas, por natureza, de tudo o que se eleva, de tudo o que sai
da craveira vulgar, embora nenhum interesse direto tenham, mas unicamente porque não
podem conseguir outro tanto. Ofusca-as tudo o que lhes parece estar acima do horizonte e,
se constituíssem maioria na sociedade, trabalhariam para reduzir tudo ao nível em que se
acham. É o ciúme aliado à mediocridade.
De ordinário, o homem só é infeliz pela importância que liga às coisas deste mundo.
Fazem-lhe a infelicidade a vaidade, a ambição e a cobiça desiludidas. Se se colocar fora do
círculo acanhado da vida material, se elevar seus pensamentos para o infinito, que é seu
destino, mesquinhas e pueris lhe parecerão as vicissitudes da Humanidade, como o são as tristezas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo, que resumia a sua
felicidade suprema.
Aquele que só vê felicidade na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros é
infeliz, desde que não os pode satisfazer, ao passo que aquele que nada pede ao supérfluo é
feliz com os que outros consideram calamidades.
Referimo-nos ao homem civilizado, porquanto, o selvagem, sendo mais limitadas as
suas necessidades, não tem os mesmos motivos de cobiça e de angústias. Diversa é a sua
maneira de ver as coisas. Como civilizado, o homem raciocina sobre a sua infelicidade e a
analisa. Por isso é que esta o fere. Mas, também, lhe é facultado raciocinar sobre os meios
de obter consolação e de analisá-los. Essa consolação ele a encontra no sentimento cristão,
que lhe dá a esperança de melhor futuro, e no Espiritismo que lhe dá a certeza desse
futuro.
2 - Perdas dos entes queridos
934. A perda dos entes que nos são caros não constitui para nós legítima causa de
dor, tanto mais legítima quanto é irreparável e independente da nossa vontade?
“Essa causa de dor atinge assim o rico, como o pobre: representa uma prova, ou
expiação, e comum é a lei. Tendes, porém, uma consolação em poderdes comunicar-vos
com os vossos amigos pelos meios que vos estão ao alcance, enquanto não dispondes de
outros mais diretos e mais acessíveis aos vossos sentidos.”
935. Que se deve pensar da opinião dos que consideram profanação as
comunicações com o além-túmulo?
“Não pode haver nisso profanação, quando haja recolhimento e quando a evocação
seja praticada respeitosa e convenientemente. A prova de que assim é tendes no fato de que
os Espíritos que vos consagram afeição acodem com prazer ao vosso chamado. Sentem-se
felizes por vos lembrardes deles e por se comunicarem convosco. Haveria profanação, se
isso fosse feito levianamente.”
A possibilidade de nos pormos em comunicação com os Espíritos é uma dulcíssima
consolação, pois que nos proporciona meio de conversarmos com os nossos parentes e amigos, que deixaram antes de nós a Terra. Pela evocação, aproximamo-los de nós, eles vêm
colocar-se ao nosso lado, nos ouvem e respondem. Cessa assim, por bem dizer, toda
separação entre eles e nós. Auxiliam-nos com seus conselhos, testemunham-nos o afeto que
nos guardam e a alegria que experimentam por nos lembrarmos deles. Para nós, grande
satisfação é sabê-los ditosos, informar-nos, por seu intermédio, dos pormenores da nova
existência a que passaram e adquirir a certeza de que um dia nos iremos a eles juntar.
936. Como é que as dores inconsoláveis dos que sobrevivem se refletem nos
Espíritos que as causam?
“O Espírito é sensível à lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra;
mas, uma dor incessante e desarrazoada o toca penosamente, porque, nessa dor excessiva,
ele vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo ao
adiantamento dos que o choram e talvez à sua reunião com estes.”
Estando o Espírito mais feliz no Espaço que na Terra, lamentar que ele tenha
deixado a vida corpórea é deplorar que seja feliz. Figuremos dois amigos que se achem
metidos na mesma prisão. Ambos alcançarão um dia a liberdade, mas um a obtém antes do
outro. Seria caridoso que o que continuou preso se entristecesse porque o seu amigo foi
libertado primeiro? Não haveria, de sua parte, mais egoísmo do que afeição em querer que
do seu cativeiro e do seu sofrer partilhasse o outro por igual tempo? O mesmo se dá com
dois seres que se amam na Terra. O que parte primeiro é o que primeiro se liberta e só nos
cabe felicitá-lo, aguardando com paciência o momento em que a nosso turno também o
seremos.
Façamos ainda, a este propósito, outra comparação. Tendes um amigo que, junto de
vós, se encontra em penosíssima situação. Sua saúde ou seus interesses exigem que vá para
outro país, onde estará melhor a todos os respeitos. Deixará temporariamente de se achar ao
vosso lado, mas com ele vos correspondereis sempre: a separação será apenas material.
Desgostar-vos-ia o seu afastamento, embora para o bem dele?
Pelas provas patentes, que ministra, da vida futura, da presença, em torno de nós,
daqueles a quem amamos, da continuidade da afeição e da solicitude que nos dispensavam;
pelas relações que nos faculta manter com eles, a Doutrina Espírita nos oferece suprema
consolação, por ocasião de uma das mais legítimas dores. Com o Espiritismo, não mais solidão, não mais abandono: o
homem, por muito insulado que esteja, tem sempre perto de si amigos com quem pode
comunicar-se.
Impacientemente suportamos as tribulações da vida. Tão intoleráveis nos parecem,
que não compreendemos possamos sofrê-las. Entretanto, se as tivermos suportado
corajosamente, se soubermos impor silêncio às nossas murmurações, felicitar-nos-emos,
quando fora desta prisão terrena, como o doente que sofre se felicita, quando curado, por se
haver submetido a um tratamento doloroso.
3 - Decepções. Ingratidão. Afeições destruídas
937. Para o homem de coração, as decepções oriundas da ingratidão e da
fragilidade dos laços da amizade não são também uma fonte de amarguras?
“São; porém, deveis lastimar os ingratos e os infiéis: serão muito mais infelizes do
que vós. A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta topará mais tarde com corações
insensíveis, como o seu próprio o foi. Lembrai-vos de todos os que hão feito mais bem do
que vós, que valeram muito mais do que vós e que tiveram por paga a ingratidão. Lembraivos de que o próprio Jesus foi, quando no mundo, injuriado e menosprezado, tratado de
velhaco. Seja o bem que houverdes feito a vossa recompensa na Terra e não atenteis no que
dizem os que hão recebido os vossos benefícios. A ingratidão é uma prova para a vossa
perseverança na prática do bem; ser-vos-á levada em conta e os que vos forem ingratos
serão tanto mais punidos, quanto maior lhes tenha sido a ingratidão.”
938. As decepções oriundas da ingratidão não serão de molde a endurecer o
coração e a fechá-lo à sensibilidade?
“Fora um erro, porquanto o homem de coração, como dizes, se sente sempre feliz
pelo bem que faz. Sabe que, se esse bem for esquecido nesta vida, será lembrado em outra e
que o ingrato se envergonhará e terá remorsos da sua ingratidão.”
a) - Mas, isso não impede que se lhe ulcere o coração. Ora, daí não poderá nascerlhe a idéia de que seria mais feliz, se fosse menos sensível?
“Pode, se preferir a felicidade do egoísta. Triste felicidade essa! Saiba, pois, que os
amigos ingratos que os abandonam não são dignos de sua amizade e que se enganou a
respeito deles. Assim sendo, não há de que lamentar o tê-los perdido. Mais tarde achará
outros, que saberão compreendê-lo melhor. Lastimai os que usam para convosco de um
procedimento que não tenhais merecido, pois bem triste se lhes apresentará o reverso da
medalha. Não vos aflijais, porém, com isso: será o meio de vos colocardes acima deles.”
A Natureza deu ao homem a necessidade de amar e de ser amado. Um dos maiores
gozos que lhe são concedidos na Terra é o de encontrar corações que com o seu
simpatizem. Dá-lhe ela, assim, as primícias da felicidade que o aguarda no mundo dos
Espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benignidade. Desse gozo está excluído o egoísta.
4 - Uniões antipáticas
939. Uma vez que os Espíritos simpáticos são induzidos a unir-se, como é que, entre
os encarnados, freqüentemente só de um lado há afeição e que o mais sincero amor se vê
acolhido com indiferença e, até, com repulsão? Como é, além disso, que a mais viva
afeição de dois seres pode mudar-se em antipatia e mesmo em ódio?
“Não compreendes então que isso constitui uma punição, se bem que passageira?
Depois, quantos não são os que acreditam amar perdidamente, porque apenas julgam pelas
aparências, e que, obrigados a viver com as pessoas amadas, não tardam a reconhecer que
só experimentaram um encantamento material! Não basta uma pessoa estar enamorada de
outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades. Vivendo realmente com ela é que
poderá apreciá-la. Tanto assim que, em muitas uniões, que a princípio parecem destinadas a
nunca ser simpáticas, acabam os que as constituíram, depois de se haverem estudado bem e
de bem se conhecerem, por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, porque assente na estima! Cumpre não se
esqueça de que é o Espírito quem ama e não o corpo, de sorte que, dissipada a ilusão
material, o Espírito vê a realidade.
“Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo com freqüência
tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efêmera
a do corpo. Daí vem que, muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a
odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.”
940. Não constitui igualmente fonte de dissabores, tanto mais amargos quanto
envenenam toda a existência, a falta de simpatia entre seres destinados a viver juntos?
“Amaríssimos, com efeito. Essa, porém, é uma das infelicidades de que sois, as mais
das vezes, a causa principal.
Em primeiro lugar, o erro é das vossas leis.
Julgas, porventura,
que Deus te constranja a permanecer junto dos que te desagradam?
Depois, nessas uniões,
ordinariamente buscais a satisfação do orgulho e da ambição, mais do que a ventura de uma
afeição mútua. Sofreis então as conseqüências dos vossos prejuízos.”
a) - Mas, nesse caso, não há quase sempre uma vítima inocente?
“Há e para ela é uma dura expiação. Mas, a responsabilidade da sua desgraça recairá
sobre os que lhe tiverem sido os causadores. Se a luz da verdade já lhe houver penetrado a
alma, em sua fé no futuro haurirá consolação. Todavia, à medida que os preconceitos se
enfraquecerem, as causas dessas desgraças íntimas também desaparecerão.”
5 - Temor da morte
941. Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade, Donde
lhes vêm esse temor, tendo elas diante de si o futuro?
“Falece-lhes fundamento para semelhante temor. Mas, que queres! Se procuram
persuadi-las, quando crianças, de que há um inferno e um paraíso e que mais certo é irem para o inferno, visto que também
lhes disseram que o que está na Natureza constitui pecado mortal para a alma! Sucede então
que, tornadas adultas, essas pessoas, se algum juízo têm, não podem admitir tal coisa e se
fazem atéias, ou materialistas. São assim levadas a crer que, além da vida presente, nada
mais há. Quanto aos que persistiram nas suas crenças da infância, esses temem aquele fogo
eterno que os queimará sem os consumir.
“Ao justo, nenhum temor inspira a morte, porque, com a fé, tem ele a certeza do
futuro. A esperança fá-lo contar com uma vida melhor; e a caridade, a cuja lei obedece, lhe
dá a segurança de que, no mundo para onde terá de ir, nenhum ser encontrará cujo olhar lhe
seja de temer.” (730)
O homem carnal, mais preso à vida corpórea do que à vida espiritual tem, na Terra,
penas e gozos materiais. Sua felicidade consiste na satisfação fugaz de todos os seus
desejos. Sua alma, constantemente preocupada e angustiada pelas vicissitudes da vida, se
conserva numa ansiedade e numa tortura perpétuas. A morte o assusta, porque ele duvida
do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças.
O homem moral, que se colocou acima das necessidades factícias criadas pelas
paixões, já neste mundo experimenta gozos que o homem material desconhece. A
moderação de seus desejos lhe dá ao Espírito calma e serenidade. Ditoso pelo bem que faz,
não há para ele decepções e as contrariedades lhe deslizam por sobre a alma, sem nenhuma
impressão dolorosa deixarem.
942. Pessoas não haverá que achem um tanto banais esses conselhos para ser-se
feliz na Terra; que neles vejam o que chamam lugares comuns, cediças verdades; e que
digam, que, afinal, o segredo para ser-se feliz consiste em saber cada um suportar a sua
desgraça?
“Há as que isso dizem e em grande número. Mas, muitas se parecem com certos
doentes a quem o médico prescreve a dieta; desejariam curar-se sem remédios e
continuando a apanhar indigestões.”
6 - Desgosto da vida. Suicídio
943. Donde nasce o desgosto da vida, que, sem motivos plausíveis, se apodera de
certos indivíduos?
“Efeito da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade.
“Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas
aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe
suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da
felicidade mais sólida e mais durável que o espera.”
944. Tem o homem o direito de dispor da sua vida?
“Não; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário importa numa
transgressão desta lei.”
a) - Não é sempre voluntário o suicídio?
“O louco que se mata não sabe o que faz.”
945. Que se deve pensar do suicídio que tem como causa o desgosto da vida?
“Insensatos!
Por que não trabalhavam?
A existência não lhes teria sido tão pesada.”
946. E do suicídio cujo fim é fugir, aquele que o comete, às misérias e às decepções
deste mundo?
“Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência!
Deus ajuda aos que sofrem e não aos que carecem de energia e de coragem. As tribulações
da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão
recompensados! Ai, porém, daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade,
chamam acaso, ou fortuna! O acaso, ou a fortuna, para me servir da linguagem deles,
podem, com efeito, favorecê-los por um momento, mas para lhes fazer sentir mais tarde,
cruelmente, a vacuidade dessas palavras.”
a) - Os que hajam conduzido o desgraçado a esse ato de desespero sofrerão as
conseqüências de tal proceder?
“Oh! Esses, ai deles! Responderão como por um assassínio.”
947. Pode ser considerado suicida aquele que, a braços com a maior penúria, se
deixa morrer de fome?
“É um suicídio, mas os que lhe foram causa, ou que teriam podido impedi-lo, são
mais culpados do que ele, a quem a indulgência espera. Todavia, não penseis que seja
totalmente absolvido, se lhe faltaram firmeza e perseverança e se não usou de toda a sua
inteligência para sair do atoleiro. Ai dele, sobretudo, se o seu desespero nasce do orgulho.
Quero dizer: se for quais homens em quem o orgulho anula os recursos da inteligência, que
corariam de dever a existência ao trabalho de suas mãos e que preferem morrer de fome a
renunciar ao que chamam sua posição social! Não haverá mil vezes mais grandeza e
dignidade em lutar contra a adversidade, em afrontar a crítica de um mundo fútil e egoísta,
que só tem boa-vontade para com aqueles a quem nada falta e que vos volta as costas assim
precisais dele? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é estultícia, porquanto ele a
isso nenhum apreço dá.”
948. É tão reprovável, como o que tem por causa o desespero, o suicídio daquele
que procura escapar à vergonha de uma ação má?
“O suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de uma, haverá duas. Quando se
teve a coragem de praticar o mal, é preciso ter-se a de lhe sofrer as conseqüências. Deus,
que julga, pode, conforme a causa, abrandar os rigores de Sua justiça.”
949. Será desculpável o suicídio, quando tenha por fim obstar a que a vergonha
caia sobre os filhos, ou sobre a família?
“O que assim procede não faz bem. Mas, como pensa que o faz, Deus lhe leva isso
em conta, pois que é uma expiação que ele se impõe a si mesmo. A intenção lhe atenua a falta; entretanto, nem por
isso deixa de haver falta. Demais; eliminai da vossa sociedade os abusos e os preconceitos e
deixará de haver desses suicídios.”
Aquele que tira de si mesmo a vida, para fugir à vergonha de uma ação má, prova
que dá mais apreço à estima dos homens do que à de Deus, visto que volta para a vida
espiritual carregado de suas iniqüidades, tendo-se privado dos meios de repará-los durante a
vida corpórea. Deus, geralmente, é menos inexorável do que os homens. Perdoa aos que
sinceramente se arrependem e atende à reparação. O suicídio nada repara.
950. Que pensar daquele que se mata, na esperança de chegar mais depressa a uma
vida melhor?
“Outra loucura! Que faça o bem e mais cedo estará de lá chegar, pois, matando-se,
retarda a sua entrada num mundo melhor e terá que pedir lhe seja permitido voltar, para
concluir a vida a que pôs termo sob o influxo de uma idéia falsa. Uma falta, seja qual for,
jamais abre a ninguém o santuário dos eleitos.”
951. Não é, às vezes, meritório o sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa
salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes?
“Isso é sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não
constitui suicídio. Mas, Deus se opõe a todo sacrifício inútil e não o pode ver de bom grado,
se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, não raro,
quem o faz guarda oculto um pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.”
Todo sacrifício que o homem faça à custa da sua própria felicidade é um ato
soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque resulta da prática da lei de caridade.
Ora, sendo a vida o bem terreno a que maior apreço dá o homem, não comete atentado o
que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes: cumpre um sacrifício. Mas, antes de o
cumprir, deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua morte.
952. Comete suicídio o homem que perece vítima de paixões que ele sabia lhe
haviam de apressar o fim, porém a que já não podia resistir, por havê-las o hábito mudado
em verdadeiras necessidades físicas?
“É um suicídio moral. Não percebeis que, nesse caso, o homem é duplamente
culpado? Há nele então falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de
Deus.”
a) - Será mais, ou menos, culpado do que o que tira a si mesmo a vida por
desespero?
“É mais culpado, porque tem tempo de refletir sobre o seu suicídio. Naquele que o
faz instantaneamente, há, muitas vezes, uma espécie de desvairamento, que alguma coisa
tem da loucura. O outro será muito mais punido, por isso que as penas são proporcionadas
sempre à consciência que o culpado tem das faltas que comete.”
953. Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada
se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua
morte?
“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a
existência. E quem poderá estar certo de que, mau grado às aparências, esse termo tenha
chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?”
a) - Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o suicídio seja condenável;
mas, estamos figurando o caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada
de alguns instantes.
“É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.”
b) - Quais, nesse caso, as conseqüências de tal ato?
“Uma expiação proporcionada, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as
circunstâncias.”
954. Será condenável uma imprudência que compromete a vida sem necessidade?
“Não há culpabilidade, em não havendo intenção, ou consciência perfeita da prática
do mal.”
955. Podem ser consideradas suicidas e sofrem as conseqüências de um suicídio as
mulheres que, em certos países, se queimam voluntariamente sobre os corpos dos maridos?
“Obedecem a um preconceito e, muitas vezes, mais à força do que por vontade.
Julgam cumprir um dever e esse não é o caráter do suicídio. Encontram desculpa na
nulidade moral que as caracteriza, em a sua maioria, e na ignorância em que se acham.
Esses usos bárbaros e estúpidos desaparecem com o advento da civilização.”
956. Alcançam o fim objetivado aqueles que, não podendo conformar-se com a
perda de pessoas que lhes eram caras, se matam na esperança de ir juntar-se-lhes?
“Muito diverso do que esperam é o resultado que colhem. Em vez de se reunirem ao
que era objeto de suas afeições, dele se afastam por longo tempo, pois não é possível que
Deus recompense um ato de covardia e o insulto que Lhe fazem com o duvidarem da Sua
providência. Pagarão esse instante de loucura com aflições maiores do que as que pensaram
abreviar e não terão, para compensá-las, a satisfação que esperavam.” (934 e seguintes)
957. Quais, em geral, com relação ao estado do Espírito, as conseqüências do
suicídio?
“Muito diversas são as conseqüências do suicídio. Não há penas determinadas e, em
todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma
conseqüência a que o suicida não pode escapar; é o desapontamento. Mas, a sorte não é a
mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente,
outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.”
A observação, realmente, mostra que os efeitos do suicídio não são idênticos.
Alguns há, porém, comuns a todos os casos de morte violenta e que são a conseqüência da interrupção brusca da vida. Há,
primeiro, a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o Espírito ao corpo, por
estar quase sempre esse laço na plenitude da sua força no momento em que é partido, ao
passo que, no caso de morte natural, ele se enfraquece gradualmente e muitas vezes se
desfaz antes que a vida se haja extinguido completamente. As conseqüências deste estado
de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se à ilusão em que,
durante mais ou menos tempo, o Espírito se conserva de que ainda pertence ao número dos
vivos. (155 e 165)
A afinidade que permanece entre o Espírito e o corpo produz nalguns suicidas, uma
espécie de repercussão do estado do corpo no Espírito, que, assim, a seu mau grado, sente
os efeitos da decomposição, donde lhe resulta uma sensação cheia de angústias e de horror,
estado esse que também pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu
interrupção. Não é geral este efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das
conseqüências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a
culpa em que incorreu. Assim é que certos Espíritos, que foram muito desgraçados na
Terra, disseram ter-se suicidado na existência precedente e submetido voluntariamente a
novas provas, para tentarem suportá-las com mais resignação. Em alguns, verifica-se uma
espécie de ligação à matéria, de que inutilmente procuram desembaraçar-se, a fim de
voarem para mundos melhores, cujo acesso, porém, se lhes conserva interdito. A maior
parte deles sofre o pesar de haver feito uma coisa inútil, pois que só decepções encontram.
A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis
da Natureza. Todas nos dizem, em princípio, que ninguém tem o direito de abreviar
voluntariamente a vida. Entretanto, por que não se tem esse direito? Por que não é livre o
homem de por termo aos seus sofrimentos? Ao Espiritismo estava reservado demonstrar,
pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é uma falta, somente por constituir
infração de uma lei moral, consideração de pouco peso para certos indivíduos, mas também
um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica, antes o contrário é o que se dá, como
no-lo ensinam, não a teoria, porém os fatos que ele nos põe sob as vistas.
CAPÍTULO II
DAS PENAS E GOZOS FUTUROS
1. Nada. Vida futura. - 2. Intuição das penas e gozos futuros. - 3. Intervenção de Deus nas
penas e recompensas. - 4. Natureza das penas e gozos futuros. - 5. Penas temporais. - 6.
Expiação e arrependimento. - 7. Duração das penas futuras. - 8. Paraíso, inferno e
purgatório.
1 - O Nada. Vida futura
958. Por que tem o homem, instintivamente, horror ao nada?
“Porque o nada não existe.”
959. Donde nasce, para o homem, o sentimento instintivo da vida futura?
“Já temos dito: antes de encarnar, o Espírito conhecia todas essas coisas e a alma
conserva vaga lembrança do que sabe e do que viu no estado espiritual.” (393)
Em todos os tempos, o homem se preocupou com o seu futuro para lá do túmulo e
isso é muito natural. Qualquer que seja a importância que ligue à vida presente, não pode
ele furtar-se a considerar quanto essa vida é curta e, sobretudo, precária, pois que a cada
instante está sujeita a interromper-se, nenhuma certeza lhe sendo permitida acerca do dia
seguinte. Que será dele, após o instante fatal? Questão grave esta, porquanto não se trata de
alguns anos apenas, mas da eternidade. Aquele que tem de passar longo tempo, em país
estrangeiro, se preocupa com a situação em que lá se achará. Como, então, não nos havia de
preocupar a em que nos veremos, deixando este mundo, uma vez que é para sempre?
A idéia do nada tem qualquer coisa que repugna à razão. O homem que mais
despreocupado seja durante a vida, em chegando o momento supremo, pergunta a si mesmo
o que vai ser dele e, sem o querer, espera.
Crer em Deus, sem admitir a vida futura, fora um contra-senso. O sentimento de
uma existência melhor reside no foro íntimo de todos os homens e não é possível que Deus
aí o tenha colocado em vão.
A vida futura implica a conservação da nossa individualidade, após a morte. Com
efeito, que nos importaria sobreviver ao corpo, se a nossa essência moral houvesse de
perder-se no oceano do infinito? As conseqüências, para nós, seriam as mesmas que se
tivéssemos de nos sumir no nada.
2 - Intuição das penas e gozos futuros
960. Donde se origina a crença, com que deparamos entre todos os povos, na
existência de penas e recompensas porvindouras?
“É sempre a mesma coisa: pressentimento da realidade, trazido ao homem pelo
Espírito nele encarnado. Porque, sabei-o bem, não é debalde que uma voz interior vos fala.
O vosso erro consiste em não lhe prestardes bastante atenção. Melhores vos tornaríeis, se
nisso pensásseis muito, e muitas vezes.”
961. Qual o sentimento que domina a maioria dos homens no momento da morte: a
dúvida, o temor, ou a esperança?
“A dúvida, nos cépticos empedernidos; o temor, nos culpados; a esperança, nos
homens de bem.”
962. Como pode haver cépticos, uma vez que a alma traz ao homem o sentimento
das coisas espirituais?
“Eles são em número muito menor do que se julga. Muitos se fazem de espíritos
fortes, durante a vida, somente por orgulho. No momento da morte, porém, deixam de ser
fanfarrões.”
A responsabilidade dos nossos atos é a conseqüência da realidade da vida futura.
Dizem-nos a razão e a justiça que, na partilha da felicidade a que todos aspiram, não podem
estar confundidos os bons e os maus. Não é possível que Deus queira que uns gozem, sem
trabalho, de bens que outros só alcançam com esforço e perseverança.
A idéia que, mediante a sabedoria de Suas leis, Deus nos dá de Sua justiça e de Sua
bondade não nos permite acreditar que o justo e o mau estejam na mesma categoria a Seus
olhos, nem duvidar de que recebam, algum dia, um a recompensa, o castigo o outro, pelo
bem ou pelo mal que tenham feito. Por isso é que o sentimento inato que temos da justiça
nos dá a intuição das penas e recompensas futuras.
3 - Intervenção de Deus nas penas e recompensas
963. Com cada homem, pessoalmente Deus se ocupa? Não é Ele muito grande e nós
muito pequeninos para que cada indivíduo em particular tenha, a Seus olhos, alguma
importância?
“Deus se ocupa com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Nada,
para Sua bondade, é destituído de valor.”
964. Mas, será necessário que Deus atente em cada um dos nossos atos, para nos
recompensar ou punir? Esses atos não são, na sua maioria, insignificantes para Ele?
“Deus tem Suas leis a regerem todas as vossas ações. Se as violais, vossa é a culpa.
Indubitavelmente, quando um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere
contra ele um julgamento, dizendo-lhe, por exemplo: Foste guloso, vou punir-te. Ele traçou
um limite; as enfermidades e muitas vezes a morte são a conseqüência dos excessos. Eis aí
a punição; é o resultado da infração da lei. Assim em tudo.”
Todas as nossas ações estão submetidas às leis de Deus. Nenhuma há, por mais
insignificante que nos pareça, que não possa ser uma violação daquelas leis. Se sofremos as conseqüências dessa violação, só nos devemos queixar de nós mesmos, que desse modo nos
fazemos os causadores da nossa felicidade, ou da nossa infelicidade futuras.
Esta verdade se torna evidente por meio do apólogo seguinte:
“Um pai deu a seu filho educação e instrução, isto é, os meios de se guiar. Cede-lhe
um campo para que o cultive e lhe diz: Aqui estão a regra que deves seguir e todos os
instrumentos necessários a tornares fértil este campo e assegurares a tua existência. Dei-te a
instrução, para compreenderes esta regra. Se a seguires, teu campo produzirá muito e te
proporcionará o repouso na velhice. Se a desprezares, nada produzirá e morrerás de fome.
Dito isso, deixa-o proceder livremente.”
Não é verdade que esse campo produzirá na razão dos cuidados que forem
dispensados à sua cultura e que toda negligência redundará em prejuízo da colheita? Na
velhice, portanto, o filho será ditoso, ou desgraçado, conforme haja seguido ou não a regra
que seu pai lhe traçou. Deus ainda é mais previdente, pois que nos adverte, a cada instante,
de que estamos fazendo bem ou mal. Envia-nos os Espíritos para nos inspirarem, porém
não os escutamos. Há mais esta diferença: Deus faculta sempre ao homem, concedendo-lhe
novas existências, recursos para reparar seus erros passados, enquanto ao filho de quem
falamos, se empregou mal o seu tempo, nenhum recurso resta.
4 - Natureza das penas e gozos futuros
965. Têm alguma coisa de material as penas e gozos da alma depois da morte?
“Não podem ser materiais, di-lo o bom-senso, pois que a alma não é matéria. Nada
têm de carnal essas penas e gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os
experimentais na Terra, porque o Espírito, uma vez liberto, é mais impressionável. Então, já
a matéria não lhe embota as sensações.” (237 a 257)
966. Por que das penas e gozos da vida futura faz o homem, às vezes, tão grosseira
e absurda idéia?
“Inteligência que ainda se não desenvolveu bastante. Compreende a criança as
coisas como o adulto? Isso, ao demais, depende também do que se lhe ensinou: aí é que há necessidade de uma reforma.
“Muitíssimo incompleta é a vossa linguagem, para exprimir o que está fora de vós.
Teve-se então que recorrer a comparações e tomaste como realidade as imagens e figuras
que serviram para essas comparações. À medida, porém, que o homem se instrui, melhor
vai compreendendo o que a sua linguagem não pode exprimir.”
967. Em que consiste a felicidade dos bons Espíritos?
“Em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem inveja,
nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor
que os une lhes é fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os
sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a
felicidade dos Espíritos é proporcional à elevação de cada um. Somente os puros Espíritos
gozam, é exato, da felicidade suprema, mas nem todos os outros são infelizes. Entre os
maus e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado
moral. Os que já estão bastante adiantados compreendem a ventura dos que os precederam e
aspiram a alcançá-la. Mas, esta aspiração lhes constitui uma causa de emulação, não de
ciúme. Sabem que deles depende o consegui-la e para a conseguirem trabalham, porém com
a calma da consciência tranqüila e ditosos se consideram por não terem que sofrer o que
sofrem os maus.”
968. Citais, entre as condições da felicidade dos bons Espíritos, a ausência das
necessidades materiais. Mas, a satisfação dessas necessidades não representa para o
homem uma fonte de gozos?
“Sim, gozo do animal. Quando não podes satisfazer a essas necessidades, passas por
uma tortura.”
969. Que se deve entender quando é dito que os Espíritos puros se acham reunidos
no seio de Deus e ocupados em Lhe entoar louvores?
“É uma alegoria indicativa da inteligência que eles têm das perfeições de Deus,
porque o vêem e compreendem, mas que, como muitas outras, não se deve tomar ao pé da
letra. Tudo em a Natureza, desde o grão de areia, canta, isto é, proclama o poder, a
sabedoria e a bondade de Deus. Não creias, todavia, que os Espíritos bem-aventurados
estejam em contemplação por toda a eternidade. Seria uma bem-aventurança estúpida e
monótona. Fora, além disso, a felicidade do egoísta, porquanto a existência deles seria uma
inutilidade sem-termo. Estão isentos das tribulações da vida corpórea: já é um gozo.
Depois, como dissemos, conhecem e sabem todas as coisas; dão útil emprego à inteligência
que adquiriram, auxiliando os progressos dos outros Espíritos. Essa a sua ocupação, que ao
mesmo tempo é um gozo.”
970. Em que consistem os sofrimentos dos Espíritos inferiores?
“São tão variados como as causas que os determinam e proporcionados ao grau de
inferioridade, como os gozos o são ao de superioridade. Podem resumir-se assim: Invejarem
o que lhes falta para ser felizes e não obterem; verem a felicidade e não na poderem
alcançar; pesar, ciúme, raiva, desespero, motivados pelo que os impede de ser ditosos;
remorsos, ansiedade moral indefinível. Desejam todos os gozos e não podem satisfazer: eis
o que os tortura.”
971. É sempre boa a influência que os Espíritos exercem uns sobre os outros?
“Sempre boa, está claro, da parte dos bons Espíritos. Os Espíritos perversos, esses
procuram desviar da senda do bem e do arrependimento os que lhes parecem suscetíveis de
se deixarem levar e que são, muitas vezes, os que eles mesmos arrastaram ao mal durante a
vida terrena.”
a) - Assim, a morte não nos livra da tentação?
“Não, mas a ação dos maus Espíritos é sempre menor sobre os outros Espíritos do
que sobre os homens, porque lhes falta o auxílio das paixões materiais.” (996)
972. Como procedem os maus Espíritos para tentar os outros Espíritos, não
podendo jogar com as paixões?
“As paixões não existem materialmente, mas existem no pensamento dos Espíritos
atrasados. Os maus dão pasto a esses pensamentos, conduzindo suas vítimas aos lugares
onde se lhes ofereça o espetáculo daquelas paixões e de tudo o que as possa excitar.”
a) - Mas, de que servem essas paixões, se já não têm objeto real?
“Nisso precisamente é que lhes está o suplício: o avarento vê ouro que lhe não é
dado possuir; o devasso, orgias em que não pode tomar parte; o orgulhoso, honras que lhe
causam inveja e de que não pode gozar.”
973. Quais os sofrimentos maiores a que os Espíritos maus se vêem sujeitos?
“Não há descrição possível das torturas morais que constituem a punição de certos
crimes. Mesmo o que as sofre teria dificuldade em vos dar delas uma idéia.
Indubitavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensarem que estão condenados sem
remissão.”
Das penas e gozos da alma após a morte forma o homem idéia mais ou menos
elevada, conforme o estado de sua inteligência. Quanto mais ele se desenvolve, tanto mais
essa idéia se apura e se escoima da matéria; compreende as coisas de um ponto de vista
mais racional, deixando de tomar ao pé da letra as imagens de uma linguagem figurada.
Ensinando-nos que a alma é um ser todo espiritual, a razão, mais esclarecida, nos diz, por
isso mesmo, que ela não pode ser atingida pelas impressões que apenas sobre a matéria
atuam. Não se segue, porém, daí que esteja isenta de sofrimentos, nem que não receba o
castigo de suas faltas. (237)
As comunicações espíritas tiveram como resultado, mostrar o estado futuro da alma,
não mais em teoria, porém na realidade. Põem-nos diante dos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo. Ao mesmo tempo, entretanto, no-las mostram como conseqüências
perfeitamente lógicas da vida terrestre e, embora despojadas do aparato fantástico que a
imaginação dos homens criou, não são menos pessoais para os que fizeram mau uso de suas
faculdades. Infinita é a variedade dessas conseqüências. Mas, em tese geral, pode-se dizer:
cada um é punido por aquilo em que pecou. Assim é que uns o são pela visão incessante do
mal que fizeram; outros, pelo pesar, pelo temor, pela vergonha, pela dúvida, pelo
insulamento, pelas trevas, pela separação dos entes que lhes são caros, etc.
974. Donde procede a doutrina do fogo eterno?
“Imagem, semelhante a tantas outras, tomada como realidade.”
a) - Mas, o temor desse fogo não produzirá bom resultado?
“Vede se serve de freio, mesmo entre os que o ensinam. Se ensinardes coisas que
mais tarde a razão venha a repelir, causareis uma impressão que não será duradoura, nem
salutar.”
Impotente para, na sua linguagem, definir a natureza daqueles sofrimentos, o
homem não encontrou comparação mais enérgica do que a do fogo, pois, para ele, o fogo é
o tipo do mais cruel suplício e o símbolo da ação mais violenta. Por isso é que a crença no
fogo eterno data da mais remota antigüidade, tendo-a os povos modernos herdado dos mais
antigos. Por isso também é que o homem diz, em sua linguagem figurada: o fogo das
paixões; abrasar de amor, de ciúme, etc.
975. Os Espíritos inferiores compreendem a felicidade do justo?
“Sim, e isso lhes é um suplício, porque compreendem que estão dela privados por
sua culpa. Daí resulta que o Espírito, liberto da matéria, aspira à nova vida corporal, pois
que cada existência, se for bem empregada, abrevia um tanto a duração desse suplício. É
então que procede à escolha das provas por meio das quais possa expiar suas faltas. Porque,
ficai sabendo, o Espírito sofre por todo o mal que praticou, ou de que foi causa voluntária, por todo o bem que houvera podido
fazer e não fez e por todo o mal que decorra de não haver feito o bem.
“Para o Espírito errante, já não há véus. Ele se acha como tendo saído de um
nevoeiro e vê o que o distancia da felicidade. Mais sofre então, porque compreende quanto
foi culpado. Não tem mais ilusões: vê as coisas na sua realidade.”
Na erraticidade, o Espírito descortina, de um lado, todas as suas existências
passadas; de outro, o futuro que lhe está prometido e percebe o que lhe falta para atingi-lo.
É qual viajor que chega ao cume de uma montanha: vê o caminho que percorreu e o que lhe
resta percorrer, a fim de chegar ao fim da sua jornada.
976. O espetáculo dos sofrimentos dos Espíritos inferiores não constitui, para os
bons, uma causa de aflição e, nesse caso, que fica sendo a felicidade deles, se é assim
turbada?
“Não constitui motivo de aflição, pois que sabem que o mal terá fim. Auxiliam os
outros a se melhorarem e lhes estendem as mãos. Essa a ocupação deles, ocupação que lhes
proporciona gozo quando são bem sucedidos.”
a) - Isto se concebe da parte de Espíritos estranhos ou indiferentes. Mas o
espetáculo das tristezas e dos sofrimentos daqueles a quem amaram na Terra não lhes
perturba a felicidade?
“Se não vissem esses sofrimentos, é que eles vos seriam estranhos depois da morte.
Ora, a religião vos diz que as almas vos vêem. Mas, eles consideram de outro ponto de vista
os vossos sofrimentos. Sabem que estes são úteis ao vosso progresso, se os suportardes com
resignação. Afligem-se, portanto, muito mais com a falta de ânimo que vos retarda, do que
com os sofrimentos considerados em si mesmos, todos passageiros.”
977. Não podendo os Espíritos ocultar reciprocamente seus pensamentos e sendo
conhecidos todos os atos da vida, dever-se-á deduzir que o culpado está perpetuamente em presença de sua vítima?
“Não pode ser de outro modo, di-lo o bom-senso.”
a) - Serão um castigo para o culpado essa divulgação de todos os nossos atos
reprováveis e a presença constante dos que deles foram vítimas?
“Maior do que se pensa, mas tão-somente até que o culpado tenha expiado suas
faltas, quer como Espírito, quer como homem, em novas existências corpóreas.”
Quando nos achamos no mundo dos Espíritos, estando patente todo o nosso
passado, o bem e o mal que houvermos feito serão igualmente conhecidos. Em vão, aquele
que haja praticado o mal tentará escapar ao olhar de suas vítimas: a presença inevitável
destas lhe será um castigo e um remorso incessante, até que haja expiado seus erros, ao
passo que o homem de bem por toda parte só encontra olhares amigos e benevolentes.
Para o mau, não há maior tormento, na Terra, do que a presença de suas vítimas,
razão pela qual as evita continuamente. Que será quando, dissipada a ilusão das paixões,
compreender o mal que fez, vir patenteados os seus atos mais secretos, desmascarada a sua
hipocrisia e não puder subtrair-se à visão delas? Enquanto a alma do homem perverso é
presa da vergonha, do pesar e do remorso, a do justo goza perfeita serenidade.
978. A lembrança das faltas que a alma, quando imperfeita, tenha cometido, não
lhe turba a felicidade, mesmo depois de se haver purificado?
“Não, porque resgatou suas faltas e saiu vitoriosa das provas a que se submetera
para esse fim.”
979. Não serão, para a alma, causa de penosa apreensão, que lhe altera a
felicidade, as provas por que ainda tenha de passar para acabar a sua purificação?
“Para a alma ainda maculada, são. Daí vem que ela não pode gozar de felicidade
perfeita, senão quando esteja completamente pura. Para aquela, porém, que já se elevou,
nada tem de penoso o pensar nas provas que ainda haja de sofrer.”
Goza da felicidade a alma que chegou a um certo grau de pureza. Domina-a um
sentimento de grata satisfação. Sente-se feliz por tudo o que vê, por tudo o que a cerca.
Levanta-se-lhe o véu que encobria os mistérios e as maravilhas da Criação e as perfeições
divinas em todo o esplendor lhe aparecem.
980. O laço de simpatia que une os Espíritos da mesma ordem constitui para eles
uma fonte de felicidade?
“Os Espíritos entre os quais há recíproca simpatia para o bem encontram na sua
união um dos maiores gozos, visto que não receiam vê-la turbada pelo egoísmo. Formam,
no mundo inteiramente espiritual, famílias pela identidade de sentimentos, consistindo nisto
a felicidade espiritual, do mesmo modo que no vosso mundo vos grupais em categorias e
experimentais certo prazer quando vos achais reunidos. Na afeição pura e sincera que cada
um vota aos outros e de que é por sua vez objeto, têm eles um manancial de felicidade,
porquanto lá não há falsos amigos, nem hipócritas.”
Das primícias dessa felicidade goza o homem na Terra, quando se lhe deparam
almas com as quais pode confundir-se numa união pura e santa. Em uma vida mais
purificada, inefável e ilimitado será esse gozo, pois aí ele só encontrará almas simpáticas,
que o egoísmo não tornará frias. Porque, em a Natureza, tudo é amor: o egoísmo é que o
mata.
981. Com relação ao estado futuro do Espírito, haverá diferença entre um que, em
vida, teme a morte e outro que a encara com indiferença e mesmo com alegria?
“Muito grande pode ser a diferença. Entretanto, apaga-se com freqüência em face
das causas determinantes desse temor ou desse desejo. Quer a tema, quer a deseje, pode o
homem ser propelido por sentimentos muito diversos e são estes sentimentos que influem
no estado do Espírito. É evidente, por exemplo, que naquele que deseja a morte, unicamente
porque vê nela o termo de suas tribulações, há uma espécie de queixa contra a Providência e
contra as provas que lhe cumpre suportar.”
982. Será necessário que professemos o Espiritismo e creiamos nas manifestações
espíritas, para termos assegurada a nossa sorte na vida futura?
“Se assim fosse, seguir-se-ia que estariam deserdados todos os que não crêem, ou
que não tiveram ensejo de esclarecer-se, o que seria absurdo. Só o bem assegura a sorte
futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.”
(165-799)
A crença no Espiritismo ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as idéias sobre
certos pontos do futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque
faculta nos inteiremos do que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que nos guia.
O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação; afasta-o
dos atos que possam retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela
ser conseguida.
5 - Penas temporais
983. Não experimenta sofrimentos materiais o Espírito que expia suas faltas em
nova existência? Será então exato dizer-se que, depois da morte, só há para a alma
sofrimentos morais?
“É bem verdade que, quando a alma está reencarnada, as tribulações da vida são-lhe
um sofrimento; mas, só o corpo sofre materialmente.
“Falando de alguém que morreu, costumais dizer que deixou de sofrer. Nem sempre
isto exprime a realidade. Como Espírito, está isento de dores físicas; porém, tais sejam as
faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a dores morais mais agudas e pode vir a ser
ainda mais desgraçado em nova existência. O mau rico terá que pedir esmola e se verá a
braços com todas as privações oriundas da miséria; o orgulhoso, com todas as humilhações;
o que abusa de sua autoridade e trata com desprezo e dureza os seus subordinados se verá
forçado a obedecer a um superior mais ríspido do que ele o foi. Todas as penas e tribulações
da vida são expiação das faltas de outra existência, quando não a conseqüência das da vida atual. Logo que daqui houverdes saído, compreendê-lo-eis. (273, 393 e 399)
“O homem que se considera feliz na Terra, porque pode satisfazer às suas paixões, é
o que menos esforços emprega para se melhorar. Muitas vezes começa a sua expiação já
nessa mesma vida de efêmera felicidade, mas certamente expiará noutra existência tão
material quanto aquela.”
984. As vicissitudes da vida são sempre a punição das faltas atuais?
“Não; já dissemos: são provas impostas por Deus, ou que vós mesmos escolhestes
como Espíritos, antes de encarnardes, para expiação das faltas cometidas em outra
existência, porque jamais fica impune a infração das leis de Deus e, sobretudo, da lei de
justiça. Se não for punida nesta existência, sê-lo-á necessariamente noutra. Eis porque um,
que vos parece justo, muitas vezes sofre. É a punição do seu passado.” (393)
985. Constitui recompensa a reencarnação da alma em um mundo menos
grosseiro?
“É a conseqüência de sua depuração, porquanto, à medida que se vão depurando, os
Espíritos passam a encarnar em mundos cada vez mais perfeitos, até que se tenham
despojado totalmente da matéria e lavado de todas as impurezas, para eternamente gozarem
da felicidade dos Espíritos puros, no seio de Deus.”
Nos mundos onde a existência é menos material do que neste, menos grosseiras são
as necessidades e menos agudos os sofrimentos físicos. Lá, os homens desconhecem as
paixões más, que, nos mundos inferiores, os fazem inimigos uns dos outros. Nenhum
motivo tendo de ódio, ou de ciúme, vivem em paz, porque praticam a lei de justiça, amor e
caridade. Não conhecem os aborrecimentos e cuidados que nascem da inveja, do orgulho e
do egoísmo, causas do tormento da nossa existência terrestre. (172-182)
986. Pode o Espírito, que progrediu em sua existência terrena, reencarnar alguma
vez no mesmo mundo?
“Sim; desde que não tenha logrado concluir a sua missão, pode ele próprio pedir lhe
seja dado completá-la em nova existência. Mas, então, já não está sujeito a uma expiação.”
(173)
987. Que sucede ao homem que, não fazendo o mal, também nada faz para libertarse da influência da matéria?
“Pois que nenhum passo dá para a perfeição, tem que recomeçar uma existência de
natureza idêntica à precedente. Fica estacionário, podendo assim prolongar os sofrimentos
da expiação.”
988. Há pessoas cuja vida se escoa em perfeita calma; que nada precisando fazer
por si mesmas, se conservam isentas de cuidados. Provará essa existência ditosa que elas
nada têm que expiar de existência anterior?
“Conheces muitas dessas pessoas? Enganas-te, se pensas que as há em grande
número. Não raro, a calma é apenas aparente. Talvez elas tenham escolhido tal existência,
mas, quando a deixam, percebem que não lhes serviu para progredirem. Então, como o
preguiçoso, lamentam o tempo perdido. Sabei que o Espírito não pode adquirir
conhecimentos e elevar-se senão exercendo a sua atividade. Se adormece na indolência, não
se adianta. Assemelha-se a um que (segundo os vossos usos) precisa trabalhar e que vai
passear ou deitar-se, com a intenção de nada fazer. Sabei também que cada um terá que dar
contas da inutilidade voluntária da sua existência, inutilidade sempre fatal à felicidade
futura. Para cada um, o total dessa felicidade futura corresponde à soma do bem que tenha
feito, estando o da infelicidade na proporção do mal que haja praticado e daqueles a quem
haja desgraçado.”
989. Pessoas há que, se bem não sejam positivamente más, tornam infelizes, pelos
seus caracteres, todos os que as cercam. Que conseqüências lhes advirão disso?
“Inquestionavelmente, essas pessoas não são boas. Expiarão suas faltas, tendo
sempre diante da vista aqueles a quem infelicitaram, valendo-lhes isso por uma
exprobração. Depois, noutra existência, sofrerão o que fizeram sofrer.”
6 - Expiação e arrependimento
990. O arrependimento se dá no estado corporal ou no estado espiritual?
“No estado espiritual; mas, também pode ocorrer no estado corporal, quando bem
compreendeis a diferença entre o bem e o mal.’
991. Qual a conseqüência do arrependimento no estado espiritual?
“Desejar o arrependido uma nova encarnação para se purificar. O Espírito
compreende as imperfeições que o privam de ser feliz e por isso aspira a uma nova
existência em que possa expiar suas faltas.” (332-975)
992. Que conseqüência produz o arrependimento no estado corporal?
“Fazer que, já na vida atual, o Espírito progrida, se tiver tempo de reparar suas
faltas. Quando a consciência o exprobra e lhe mostra uma imperfeição, o homem pode
sempre melhorar-se.”
993. Não há homens que só têm o instinto do mal e são inacessíveis ao
arrependimento?
“Já te disse que todo Espírito tem que progredir incessantemente. Aquele que, nesta
vida, só tem o instinto do mal, terá noutra o do bem e é para isso que renasce muitas vezes,
pois preciso é que todos progridam e atinjam a meta. A diferença está somente em que uns
gastam mais tempo do que outros, porque assim o querem. Aquele, que só tem o instinto do
bem, já se purificou, visto que talvez tenha tido o do mal em anterior existência.” (804)
994. O homem perverso, que não reconheceu suas faltas durante a vida, sempre as
reconhece depois da morte?
“Sempre as reconhece e, então, mais sofre, porque sente em si todo o mal que
praticou, ou de que foi voluntariamente causa. Contudo, o arrependimento nem sempre é
imediato. Há Espíritos que se obstinam em permanecer no mau caminho, não obstante os
sofrimentos por que passam. Porém, cedo ou tarde, reconhecerão errada a senda que
tomaram e o arrependimento virá. Para esclarecê-los trabalham os bons Espíritos e também
vós podeis trabalhar.”
995. Haverá Espíritos que, sem serem maus, se conservem indiferentes `a sua
sorte?
“Há Espíritos que de coisa alguma útil se ocupam. Estão na expectativa. Mas, nesse
caso, sofrem proporcionalmente. Devendo em tudo haver progresso, neles o progresso se
manifesta pela dor.”
a) - Não desejam esses Espíritos abreviar seus sofrimentos?
“Desejam-no, sem dúvida, mas falta-lhes energia bastante para quererem o que os
pode aliviar. Quantos indivíduos se contam, entre vós, que preferem morrer de miséria a
trabalhar?”
996. Pois que os Espíritos vêem o mal que lhes resulta de suas imperfeições, como
se explica que haja os que agravam suas situações e prolongam o estado de inferioridade
em que se encontram, fazendo o mal como Espíritos, afastando do bom caminho os
homens?
“Assim procedem os de tardio arrependimento. Pode também acontecer que, depois
de se haver arrependido, o Espírito se deixe arrastar de novo para o caminho do mal, por
outros Espíritos ainda mais atrasados.” (971)
997. Vêem-se Espíritos, de notória inferioridade, acessíveis aos bons sentimentos e
sensíveis às preces que por eles se fazem. Como se explica que outros Espíritos, que devêramos supor mais esclarecidos, revelam um endurecimento e um cinismo, dos
quais coisa alguma consegue triunfar?
“A prece só tem efeito sobre o Espírito que se arrepende. Com relação aos que,
impelidos pelo orgulho, se revoltam contra Deus e persistem nos seus desvarios, chegando
mesmo a exagerá-los, como o fazem alguns desgraçados Espíritos, a prece nada pode e nada
poderá, senão no dia em que um clarão de arrependimento se produza neles.” (664)
Não se deve perder de vista que o Espírito não se transforma subitamente, após a
morte do corpo. Se viveu vida condenável, é porque era imperfeito. Ora, a morte não o
torna imediatamente perfeito. Pode, pois, persistir em seus erros, em suas falsas opiniões,
em seus preconceitos, até que se haja esclarecido pelo estudo, pela reflexão e pelo
sofrimento.
998. A expiação se cumpre no estado corporal ou no estado espiritual?
“A expiação se cumpre durante a existência corporal, mediante as provas a que o
Espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao
estado de inferioridade do Espírito.”
999. Basta o arrependimento durante a vida para que as faltas do Espírito se
apaguem e ele ache graça diante de Deus?
“O arrependimento concorre para a melhoria do Espírito, mas ele tem que expiar o
seu passado.”
a) - Se, diante disto, um criminoso dissesse que, cumprindo-lhe, em todo caso,
expiar o seu passado, nenhuma necessidade tem de se arrepender, que é o que daí lhe
resultaria?
“Tornar-se mais longa e mais penosa a sua expiação, desde que ele se torne
obstinado no mal.”
1000. Já desde esta vida poderemos ir resgatando as nossas faltas?
“Sim, reparando-as. Mas, não creiais que as resgateis mediante algumas privações
pueris, ou distribuindo em esmolas o que possuirdes, depois que morrerdes, quando de nada
mais precisais. Deus não dá valor a um arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas
custa o esforço de bater no peito. A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando
um serviço, apaga mais faltas do que o suplício da carne suportado durante anos, com
objetivo exclusivamente pessoal. (726)
“Só por meio do bem se repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta, se não
atinge o homem nem no seu orgulho, nem no seus interesses materiais.
“De que serve, para sua justificação, que restitua, depois de morrer, os bens mal
adquiridos, quando se lhe tornaram inúteis e deles tirou todo o proveito?
“De que lhe serve privar-se de alguns gozos fúteis, de algumas superfluidades, se
permanece integral o dano que causou a outrem?
“De que lhe serve, finalmente, humilhar-se diante de Deus, se, perante os homens,
conserva o seu orgulho?” (720-721)
1001. Nenhum mérito haverá em assegurarmos, para depois de nossa morte,
emprego útil aos bens que possuímos?
“Nenhum mérito não é o termo. Isso sempre é melhor do que nada. A desgraça,
porém, é que aquele, que só depois de morto dá, é quase sempre mais egoísta do que
generoso. Quer ter o fruto do bem, sem o trabalho de praticá-lo. Duplo proveito tira aquele
que, em vida se priva de alguma coisa; o mérito do sacrifício e o prazer de ver felizes os
que lhe devem a felicidade. Mas, lá está o egoísmo a dizer-lhe: O que dás tiras aos teus
gozos; e, como o egoísmo fala mais alto do que o desinteresse e a caridade, o homem
guarda o que possui, pretextando suas necessidades pessoais e as exigências da sua posição!
Ah! Lastimai aquele que desconhece o prazer de dar; acha-se verdadeiramente privado de
um dos mais puros e suaves gozos. Submetendo-o à prova da riqueza, tão escorregadia e perigosa para o seu futuro, houve Deus por bem conceder-lhe, como
compensação, a ventura da generosidade, de já neste mundo pode gozar.” (814)
1002. Que deve fazer aquele que, em artigo de morte, reconhece suas faltas, quando
já não tem tempo de as reparar? Basta-lhe nesse caso arrepender-se?
“O arrependimento lhe apressa a reabilitação, mas não o absolve. Diante dele não se
desdobra o futuro, que jamais se lhe tranca?”
7 - Duração das penas futuras
1003. É arbitrária ou sujeita a uma lei qualquer a duração dos sofrimentos do
culpado, na vida futura?
“Deus nunca obra caprichosamente e tudo, no Universo, se rege por leis, em que a
Sua sabedoria e a Sua bondade se revelam.”
1004. Em que se baseia a duração dos sofrimentos do culpado?
“No tempo necessário a que se melhore. Sendo o estado de sofrimento ou de
felicidade proporcionado ao grau de purificação do Espírito, a duração e a natureza de seus
sofrimentos dependem do tempo que ele gaste em melhorar-se. À medida que progride e
que os sentimentos se lhe depuram, seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.”
SÃO LUÍS.
1005. Ao Espírito sofredor, o tempo se afigura tão ou menos longo do que quando
estava vivo?
“Parece-lhe mais longo: para ele não existe o sono. Só para os Espíritos que já
chegaram a certo grau de purificação, o tempo, por assim dizer, se apaga diante do infinito.”
(240)
PARTE 4ª - CAPÍTULO II
1006. Poderão durar eternamente os sofrimentos do Espírito?
“Poderiam, se ele pudesse ser eternamente mau, isto é, se jamais se arrependesse e
melhorasse, sofreria eternamente. Mas, Deus não criou seres tendo por destino
permanecerem votados perpetuamente ao mal. Apenas os criou a todos simples e
ignorantes, tendo todos, no entanto, que progredir em tempo mais ou menos longo,
conforme decorrer da vontade de cada um. Mais ou menos tardia pode ser a vontade, do
mesmo modo que há crianças mais ou menos precoces, porém, cedo ou tarde, ela aparece,
por efeito da irresistível necessidade que o Espírito sente de sair da inferioridade e de se
tornar feliz. Eminentemente sábia e magnânima é, pois, a lei que rege a duração das penas,
porquanto subordina essa duração aos esforços do Espírito. Jamais o priva do seu livrearbítrio: se deste faz ele mau uso, sofre as conseqüências.”
SÃO LUÍS.
1007. Haverá Espíritos que nunca se arrependem?
“Há-os de arrependimento muito tardio; porém, pretender-se que nunca se
melhorarão fora negar a lei do progresso e dizer que a criança não pode tornar-se homem.”
SÃO LUÍS.
1008. Depende sempre da vontade do Espírito a duração das penas? Algumas não
haverá que lhe sejam impostas por tempo determinado?
Sim, ao Espírito podem ser impostas penas por determinado tempo; mas, Deus, que
só quer o bem de Suas criaturas, acolhe sempre o arrependimento e infrutífero jamais fica o
desejo que o Espírito manifeste de se melhorar.”
SÃO LUÍS.
1009. Assim, as penas impostas jamais o são por toda a eternidade?
“Interrogai o vosso bom-senso, a vossa razão e perguntai-lhes se uma condenação
perpétua, motivada por alguns momentos de erro, não seria a negação da bondade de Deus.
Que é, com efeito, a duração da vida, ainda quando de cem anos, em face da eternidade?
Eternidade! Compreendeis bem esta palavra? Sofrimentos, torturas sem-fim, sem
esperanças, por causa de algumas faltas! O vosso juízo não repele semelhante idéia? Que os
antigos tenham considerado o Senhor do Universo um Deus terrível, cioso e vingativo,
concebe-se. Na ignorância em que se achavam, atribuíam à divindade as paixões dos
homens. Esse, todavia, não é o Deus dos cristãos, que classifica como virtudes primordiais
o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das ofensas. Poderia Ele carecer das
qualidades, cuja posse prescreve, como um dever, às Suas criaturas? Não haverá
contradição em se Lhe atribuir a bondade infinita e a vingança também infinita? Dizeis que,
acima de tudo, Ele é justo e que o homem não Lhe compreende a justiça. Mas, a justiça não
exclui a bondade e Ele não seria bom, se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria
das suas criaturas. Teria o direito de fazer da justiça uma obrigação para Seus filhos, se lhes
não desse meio de compreendê-la? Aliás, no fazer que a duração das penas dependa dos
esforços do culpado não está toda a sublimidade da justiça unida à bondade? Aí é que se
encontra a verdade desta sentença: “A cada um segundo as suas obras.”
SANTO AGOSTINHO.
“Aplicai-vos, por todos os meios ao vosso alcance, em combater, em aniquilar a
idéia da eternidade das penas, idéia blasfematória da justiça e da bondade de Deus, gérmen
fecundo da incredulidade, do materialismo e da indiferença que invadiram as massas
humanas, desde que as inteligências começaram a desenvolver-se. O Espírito, prestes a
esclarecer-se, ou mesmo apenas desbastado, logo lhe apreendeu a monstruosa injustiça. Sua
razão a repele e, então, raro é que não englobe no mesmo repúdio a pena que o revolta e o Deus a quem a atribui. Daí os males sem conta que hão
desabado sobre vós e aos quais vimos trazer remédio. Tanto mais fácil será a tarefa que vos
apontamos, quanto é certo que todas as autoridades em quem se apóiam os defensores de tal
crença evitaram todas pronunciar-se formalmente a respeito. Nem os concílios, nem os Pais
da Igreja resolveram essa grave questão. Muito embora, segundo os Evangelistas e tomadas
ao pé da letra as palavras emblemáticas do Cristo, ele tenha ameaçado os culpados com um
fogo que se não extingue, com um fogo eterno, absolutamente nada se encontra nas suas
palavras capaz de provar que os haja condenado eternamente.
“Pobres ovelhas desgarradas, aprendei a ver aproximar-se de vós o bom Pastor, que,
longe de vos banir para todo o sempre de sua presença, vem pessoalmente ao vosso
encontro, para vos reconduzir ao aprisco. Filhos pródigos, deixai o vosso voluntário exílio;
encaminhai vossos passos para a morada paterna. O Pai vos estende os braços e está sempre
pronto a festejar o vosso regresso ao seio da família.”
LAMENNAIS.
“Guerras de palavras! Guerras de palavras! Ainda não basta o sangue que tendes
feito correr! Será ainda preciso que se reacendam as fogueiras? Discutem sobre palavras:
eternidade das penas, eternidade dos castigos. Ignorais então que o que hoje entendeis por
eternidade não é o que os antigos entendiam e designavam por esse termo? Consulte o
teólogo as fontes e lá descobrirá, como todos vós, que o texto hebreu não atribuía esta
significação ao vocábulo que os gregos, os latinos e os modernos traduziram por penas semfim, irremissíveis. Eternidade dos castigos corresponde à eternidade do mal. Sim, enquanto
existir o mal entre os homens, os castigos subsistirão. Importa que os textos sagrados se
interpretem no sentido relativo. A eternidade das penas é, pois, relativa e não absoluta.
Chegue o dia em que todos os homens, pelo arrependimento, se revistam da túnica da inocência e desde esse dia deixará de haver
gemidos e ranger de dentes. Limitada tendes, é certo, a vossa razão humana, porém, tal
como a tendes, ela é uma dádiva de Deus e, com auxílio dessa razão, nenhum homem de
boa-fé haverá que de outra forma compreenda a eternidade dos castigos. Pois que! Fora
necessário admitir-se por eterno o mal. Somente Deus é eterno e não poderia ter criado o
mal eterno; do contrário, forçoso seria tirar-se-Lhe o mais magnífico dos Seus atributos: o
soberano poder, porquanto não é soberanamente poderoso aquele que cria um elemento
destruidor de suas obras. Humanidade! Humanidade! Não mergulhes mais os teus tristes
olhares nas profundezas da Terra, procurando aí os castigos. Chora, espera, expia e
refugia-te na idéia de um Deus intrinsecamente bom, absolutamente poderoso,
essencialmente justo.”
“Gravitar para a unidade divina, eis o fim da Humanidade. Para atingi-lo, três
coisas são necessárias: a Justiça, o Amor e a Ciência. Três coisas lhe são opostas e
contrárias: a ignorância, o ódio e a injustiça. Pois bem! Digo-vos, em verdade, que mentis
a estes princípios fundamentais, comprometendo a idéia de Deus, com o Lhe exagerardes
a severidade. Duplamente a comprometeis, deixando que no Espírito da criatura penetre a
suposição de que há nela mais clemência, mais virtude, amor e verdadeira justiça, do que
atribuis ao Ser infinito. Destruís mesmo a idéia do inferno, tornando-o ridículo e
inadmissível às vossas crenças, como o é aos vossos corações o horrendo espetáculo das
execuções, das fogueiras e das torturas da Idade Média! Pois que! Quando banida se acha
para sempre das legislações humanas a era das cegas represálias, é que esperais mantê-la
no ideal? Oh! Crede-me, crede-me, irmãos em Deus e em Jesus-Cristo, crede-me: ou vos
resignais a deixar que pereçam nas vossas mãos todos os vossos dogmas, de preferência a
que se modifiquem, ou, então, vivificai-os, abrindo-os aos benfazejos eflúvios que os Bons, neste momento, derramam neles. A idéia do inferno, com as
suas fornalhas ardentes, com as suas caldeiras a ferver, pôde ser tolerada, isto é, perdoável
num século de ferro; porém, no século dezenove, não passa de vão fantasma, próprio,
quando muito, para amedrontar criancinhas e em que estas, crescendo um pouco, logo
deixam de crer. Se persistirdes nessa mitologia aterradora, engendrareis a incredulidade,
mãe de toda a desorganização social. Tremo, entrevendo toda uma ordem social abalada e a
ruir sobre os seus fundamentos, por falta de sanção penal. Homens de fé ardente e viva,
vanguardeiros do dia da luz, mãos à obra, não para manter fábulas que envelheceram e se
desacreditaram, mas para reavivar, revivificar a verdadeira sanção penal, sob formas
condizentes com os vossos costumes, os vossos sentimentos e as luzes da vossa época.
“Quem é, com efeito, o culpado? É aquele que, por um desvio, por um falso
movimento da alma, se afasta do objetivo da criação, que consiste no culto harmonioso do
belo, do bem, idealizados pelo arquétipo humano, pelo Homem-Deus, por Jesus-Cristo.
“Que é o castigo? A conseqüência natural, derivada desse falso movimento; uma
certa soma de dores necessária a desgostá-lo da sua deformidade, pela experimentação do
sofrimento. O castigo é o aguilhão que estimula a alma, pela amargura, a se dobrar sobre si
mesma e a buscar o porto de salvação. O castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção.
Querê-lo eterno, por uma falta não eterna, é negar-lhe toda a razão de ser.
“Oh! Em verdade vos digo, cessai, cessai de pôr em paralelo, na sua eternidade, o
Bem, essência do Criador, com o Mal, essência da criatura. Fora criar uma penalidade
injustificável. Afirmai, ao contrário, o abrandamento gradual dos castigos e das penas pelas
transgressões e consagrareis a unidade divina, tendo unidos o sentimento e a razão.”
PAULO, apóstolo.
Com o atrativo de recompensas e temor de castigos, procura-se estimular o homem
para o bem e desviá-lo do mal. Se esses castigos, porém, lhe são apresentados de forma que
a sua razão se recuse a admiti-los, nenhuma influência terão sobre ele. Longe disso,
rejeitará tudo: a forma e o fundo. Se, ao contrário, lhe apresentarem o futuro de maneira
lógica, ele não o repelirá. O Espiritismo lhe dá essa explicação.
A doutrina da eternidade das penas, em sentido absoluto, faz do Ente Supremo um
Deus implacável. Seria lógico dizer-se, de um soberano, que é muito bom, muito
magnânimo, muito indulgente, que só quer a felicidade dos que o cercam, mas que ao
mesmo tempo é cioso, vingativo, de inflexível rigor e que pune com o castigo extremo as
três quartas partes dos seus súditos, por uma ofensa, ou uma infração de suas leis, mesmo
quando praticada pelos que não as conheciam? Não haveria aí contradição? Ora, pode Deus
ser menos bom do que o seria um homem?
Outra contradição. Pois que Deus tudo sabe, sabia, ao criar uma alma, se esta viria a
falir ou não. Ela, pois, desde a sua formação, foi destinada à desgraça eterna. Será isto
possível, racional? Com a doutrina das penas relativas, tudo se justifica. Deus sabia, sem
dúvida, que ela faliria, mas lhe deu meios de se instruir pela sua própria experiência,
mediante suas próprias faltas. É necessário, que expie seus erros, para melhor se firmar no
bem, mas a porta da esperança não se lhe fecha para sempre e Deus faz que, dos esforços
que ela empregue para o conseguir, dependa a sua redenção. Isto toda gente pode
compreender e a mais meticulosa lógica pode admitir. Menos cépticos haveria, se deste
ponto de vista fossem apresentadas as penas futuras.
Na linguagem vulgar, a palavra eterno é muitas vezes empregada figuradamente,
para designar uma coisa de longa duração, cujo termo não se prevê, embora se saiba muito
bem que esse termo existe. Dizemos, por exemplo, os gelos eternos das altas montanhas,
dos pólos, embora saibamos, de um lado, que o mundo físico pode ter fim e, de outro lado,
que o estado dessas regiões pode mudar pelo deslocamento normal do eixo da Terra, ou por
um cataclismo. Assim, neste caso, o vocábulo - eterno não quer dizer perpétuo ao infinito.
Quando sofremos de uma enfermidade duradoura, dizemos que o nosso mal é eterno. Que
há, pois, de admirar em que Espíritos que sofrem há anos, há séculos, há milênios mesmo,
assim também se exprimam? Não esqueçamos, principalmente, que, não lhes permitindo a
sua inferioridade divisar o ponto extremo do caminho, crêem que terão de sofrer sempre, o que
lhes é uma punição.
Demais, a doutrina do fogo material, das fornalhas e das torturas, tomadas ao
Tártaro do paganismo, está hoje completamente abandonada pela alta teologia e só nas
escolas esses aterradores quadros alegóricos ainda são apresentados como verdades
positivas, por alguns homens mais zelosos do que instruídos, que assim cometem grave
erro, porquanto as imaginações juvenis, libertando-se dos terrores, poderão ir aumentar o
número dos incrédulos. A Teologia reconhece hoje que a palavra fogo é usada
figuradamente e que se deve entender como significando fogo moral (974). Os que têm
acompanhado, como nós, as peripécias da vida e dos sofrimentos de além-túmulo, através
das comunicações espíritas, hão podido convencer-se de que, por nada terem de material,
eles não são menos pungentes. Mesmo relativamente à duração, alguns teólogos começam a
admiti-la no sentido restritivo acima indicado e pensam que, com efeito, a palavra eterno se
pode referir às penas em si mesmas, como conseqüência de uma lei imutável, e não à sua
aplicação a cada indivíduo. No dia em que a Religião admitir esta interpretação, assim
como algumas outras também decorrentes do progresso das luzes, muitas ovelhas
desgarradas reunirá.
Ressurreição da carne
1010. O dogma da ressurreição da carne será a consagração da reencarnação
ensinada pelos Espíritos?
“Como quereríeis que fosse de outro modo? Conforme sucede com tantas outras,
estas palavras só parecem despropositadas, no entender de algumas pessoas, porque as
tomam ao pé da letra. Levam, por isso, à incredulidade. Dai-lhes uma interpretação lógica e
os que chamais livres pensadores as admitirão sem dificuldades, precisamente pela razão de
que refletem. Porque, não vos enganeis, esses livres pensadores o que mais pedem e
desejam é crer. Têm, como os outros, ou, talvez, mais que os outros, a sede do futuro, mas
não podem admitir o que a ciência desmente. A doutrina da pluralidade das existências é
consentânea com a justiça de Deus; só ela explica o que, sem ela, é inexplicável. Como havíeis de pretender que o seu princípio não estivesse na
própria religião?”
- Assim, pelo dogma da ressurreição da carne, a própria Igreja ensina a doutrina
da reencarnação?
“É evidente, Demais essa doutrina decorre de muitas coisas que têm passado
despercebidas e que dentro em pouco se compreenderão neste sentido. Reconhecer-se-á em
breve que o Espiritismo ressalta a cada passo do texto mesmo das Escrituras sagradas. Os
Espíritos, portanto, não vêm subverter a religião, como alguns o pretendem. Vêm, ao
contrário, confirmá-la, sancioná-la por provas irrecusáveis. Como, porém, são chegados os
tempos de não mais empregarem linguagem figurada, eles se exprimem sem alegorias e dão
às coisas sentido claro e preciso, que não possa estar sujeito a qualquer interpretação falsa.
Eis por que, daqui a algum tempo, muito maior será do que é hoje o número de pessoas
sinceramente religiosas e crentes.”
SÃO LUÍS.
Efetivamente, a Ciência demonstra a impossibilidade da ressurreição, segundo a idéia
vulgar. Se os despojos do corpo humano se conservassem homogêneos, embora dispersos e
reduzidos a pó, ainda se conceberia que pudessem reunir-se em dado momento. As coisas,
porém, não se passam assim. O corpo é formado de elementos diversos: o oxigênio,
hidrogênio, azoto, carbono, etc. Pela decomposição, esses elementos se dispersam, mas
para servir à formação de novos corpos, de tal sorte que uma mesma molécula, de carbono,
por exemplo, terá entrado na composição de muitos milhares de corpos diferentes (falamos
unicamente dos corpos humanos, sem ter em conta os dos animais); que um indivíduo tem
talvez em seu corpo moléculas que já pertenceram a homens das primitivas idades do
mundo; que essas mesmas moléculas orgânicas que absorveis nos alimentos provêm,
possivelmente, do corpo de tal outro indivíduo que conhecestes e assim por diante.
Existindo em quantidade definida a matéria e sendo indefinidas as suas combinações, como
poderia cada um daqueles corpos reconstituir-se com os mesmos elementos? Há aí
impossibilidade material. Racionalmente, pois, não se pode admitir a ressurreição da carne,
senão como uma figura simbólica do fenômeno da reencarnação. E, então, nada mais há que aberre da razão, que esteja em contradição com os dados da Ciência.
É exato que, segundo o dogma, essa ressurreição só no fim dos tempos se dará, ao
passo que, segundo a doutrina Espírita, ocorre todos os dias. Mas, nesse quadro do
julgamento final, não haverá uma grande e bela imagem a ocultar, sob o véu da alegoria,
uma dessas verdades imutáveis, em presença das quais deixará de haver cépticos, desde que
lhes seja restituída a verdadeira significação? Dignem-se de meditar a teoria espírita sobre o
futuro das almas e sobre a sorte que lhes cabe, por efeito das diferentes provas que lhes
cumpre sofrer, e verão que, exceção feita da simultaneidade, o juízo que as condena ou
absolve não é uma ficção, como pensam os incrédulos. Notemos mais que aquela teoria é a
conseqüência natural da pluralidade dos mundos, hoje perfeitamente admitida, enquanto
que, segundo a doutrina do juízo final, a Terra passa por ser o único mundo habitado.
8 - Paraíso, inferno e purgatório
1012. Haverá no Universo lugares circunscritos para as penas e gozos dos
Espíritos segundo seus merecimentos? (Nota Especial n°1 (à 34ª edição, em 1974), a que faz remissão a pág. 51: A definição dada
na resposta à questão n° 1 de “O Livro dos Espíritos” - cause première - vem sendo
tradicionalmente registrada nas traduções publicadas pela FEB, ou sob sua licença e
responsabilidade, em língua portuguesa, como causa primária, embora haja quem prefira grafá-la
como causa primeira, solução alternativa para mero caso de semântica. Além da de Guillon
Ribeiro, foram examinadas as traduções das edições publicadas em 1904 e 1889, bem assim a de
Fortúnio - pseudônimo de Joaquim Carlos Travassos - (B. L. Garnier, Editor, Rio, 1875), que é a da
1ª edição em língua portuguesa lançada no Brasil (vide “Reformador” de 1952, págs. 98/99, e de
1973, págs. 230 e segs.), todas norteadas por idêntico critério quanto ao detalhe citado. Com os
melhores dicionaristas, no caso, está Domingos de Azevedo, autor do “Grande Dicionário FrancêsPortuguês”, Livraria Bertrand, Lisboa, 1952, 2° volume, pág. 1160: “premier, ière (...) | | Fig. La
cause première, a causa primária, Deus.”)
“Já respondemos a esta pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de
perfeição dos Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua
desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe
especialmente destinado a uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais ou
menos felizes ou desgraçados, conforme é mais ou menos adiantado o mundo em que
habitam.”
- De acordo, então, com o que vindes de dizer, o inferno e o paraíso não existem,
tais como o homem os imagina?
“São simples alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e inditosos. Entretanto,
conforme também há dissemos, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por simpatia;
mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.”
A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação
do homem existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja
essência infinita não lhe é possível compreender.
1013. Que se deve entender por purgatório?
“Dores físicas e morais: o tempo da expiação. Quase sempre, na Terra é que fazeis o
vosso purgatório e que Deus vos obriga a expiar as vossas faltas.”
O que o homem chama purgatório é igualmente uma alegoria, devendo-se entender
como tal, não um lugar determinado, porém, o estado dos Espíritos imperfeitos que se
acham em expiação até alcançarem a purificação completa, que os levará à categoria dos
Espíritos bem-aventurados. Operando-se essa purificação por meio das diversas
encarnações, o purgatório consiste nas provas da vida corporal.
1014. Como se explica que Espíritos, cuja superioridade se revela na linguagem de
que usam, tenham respondido a pessoas muito sérias, a respeito do inferno e do
purgatório, de conformidade com as idéias correntes?
“É que falam uma linguagem que possa ser compreendida pelas pessoas que os
interrogam. Quando estas se mostram imbuídas de certas idéias, eles evitam chocá-las
muito bruscamente, a fim de lhes não ferir as convicções. Se um Espírito dissesse a um
muçulmano, sem precauções oratórias, que Maomet não foi profeta, seria muito mal
acolhido.”
- Concebe-se que assim procedam os Espíritos que nos querem instruir. Como,
porém, se explica que, interrogados acerca da situação em que se achavam, alguns
Espíritos tenham respondido que sofriam as torturas do inferno ou do purgatório?
“Quando são inferiores e ainda não completamente desmaterializados, os Espíritos
conservam uma parte de suas idéias terrenas e, para dar suas impressões, se servem dos
termos que lhes são familiares. Acham-se num meio que só imperfeitamente lhes permite
sondar o futuro. Essa a causa de alguns Espíritos errantes, ou recém-desencarnados, falarem como o
fariam se estivessem encarnados. Inferno pode traduzir por uma vida de provações,
extremamente dolorosa, com a incerteza de haver outra melhor; purgatório, por uma vida
também de provações, mas com a consciência de melhor futuro. Quando experimentas uma
grande dor, não costumas dizer que sofres como um danado? Tudo isso são apenas palavras
e sempre ditas em sentido figurado.”
1015. Que se deve entender por - uma alma a penar?
“Uma alma errante e sofredora, incerta de seu futuro e à qual podeis proporcionar o
alívio, que muitas vezes solicita, vindo comunicar-se convosco.” (664)
1016. Em que sentido se deve entender a palavra céu?
“Julgas que seja um lugar, como os campos Elíseos dos antigos, onde todos os bons
Espíritos estão promiscuamente aglomerados, sem outra preocupação que a de gozar, pela
eternidade toda, de uma felicidade passiva? Não; é o espaço universal; são os planetas, as
estrelas e todos os mundos superiores, onde os Espíritos gozam plenamente de suas
faculdades, sem as tribulações da vida material, nem as angústias peculiares à
inferioridade.”
1017. Alguns Espíritos disseram estar habitando o quarto, o quinto céus, etc. Que
querem dizer com isso?
“Perguntando-lhes que céu habitam, é que formais idéia de muitos céus dispostos
como os andares de uma casa. Eles, então, respondem de acordo com a vossa linguagem.
Mas, por estas palavras - quarto e quinto céus - exprimem diferentes graus de purificação e,
por conseguinte, de felicidade. É exatamente como quando se pergunta a um Espírito se
está no inferno. Se for desgraçado, dirá - sim, porque, para ele, inferno é sinônimo de sofrimento. Sabe, porém, muito bem que não é uma fornalha. Um pagão diria estar no
Tártaro.”
O mesmo ocorre com outras expressões análogas, tais como: cidade das flores,
cidade dos eleitos, primeira, segunda ou terceira esfera, etc., que apenas são alegorias
usadas por alguns Espíritos, quer como figuras, quer, algumas vezes, por ignorância da
realidade das coisas, e até das mais simples noções científicas.
De acordo com a idéia restrita que se fazia outrora dos lugares das penas e das
recompensas e, sobretudo, de acordo com a opinião de que a Terra era o centro do
Universo, de que o firmamento formava uma abóbada e que havia uma região das estrelas,
o céu era situado no alto e o inferno em baixo. Daí as expressões: subir ao céu, estar no
mais alto dos céus, ser precipitado nos infernos. Hoje, que a Ciência demonstrou ser a Terra
apenas, entre tantos milhões de outros, uns dos menores mundos, sem importância especial;
que traçou a história da sua formação e lhe descreveu a constituição; que provou ser infinito
o espaço, não haver alto nem baixo no Universo, teve-se que renunciar a situar o céu acima
das nuvens e o inferno nos lugares inferiores. Quanto ao purgatório, nenhum lugar lhe fora
designado. Estava reservado ao Espiritismo dar de tudo isso a explicação mais racional,
mais grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora para a humanidade. Pode-se assim
dizer que trazemos em nós mesmos o nosso inferno e o nosso paraíso. O purgatório,
achamo-lo na encarnação, nas vidas corporais ou físicas.
1018. Em que sentido se devem entender estas palavras do Cristo: Meu reino não é
deste mundo?
“Respondendo assim, o Cristo falava em sentido figurado. Queria dizer que o seu
reinado se exerce unicamente sobre os corações puros e desinteressados. Ele está onde quer
que domine o amor do bem. Ávidos, porém, das coisas deste mundo e apegados aos bens da
Terra, os homens com ele não estão.”
1019. Poderá jamais implantar-se na Terra o reinado do bem?
“O bem reinará na Terra quando, entre os Espíritos que a vêm habitar, os bons
predominarem, porque, então, farão que aí reinem o amor e a justiça, fonte do bem e da felicidade. Por meio do progresso
moral e praticando as leis de Deus é que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e
dela afastará os maus. Estes, porém, não a deixarão, senão quando daí estejam banidos o
orgulho e o egoísmo.
“Predita foi a transformação da Humanidade e vos avizinhais do momento em que
se dará, momento cuja chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso. Essa
transformação se verificará por meio da encarnação de Espíritos melhores, que constituirão
na Terra uma geração nova. Então, os Espíritos dos maus, que a morte vai ceifando dia a
dia, e todos os que tentem deter a marcha das coisas serão daí excluídos, pois que viriam a
estar deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos
novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio
adiantamento, ao mesmo tempo que trabalharão pelo de seus irmãos mais atrasados. Neste
banimento de Espíritos da Terra transformada, não percebeis a sublime alegoria do Paraíso
perdido e, na vinda do homem para a Terra em semelhantes condições, trazendo em si o
gérmen de suas paixões e os vestígios da sua inferioridade primitiva, não descobris a não
menos sublime alegoria do pecado original? Considerado deste ponto de vista, o pecado
original se prende à natureza ainda imperfeita do homem que, assim, só é responsável por si
mesmo, pelas suas próprias faltas e não pelas de seus pais.
“Todos vós, homens de fé e de boa-vontade, trabalhai, portanto, com ânimo e zelo
na grande obra da regeneração, que colhereis pelo cêntuplo o grão que houverdes semeado.
Ai dos que fecham os olhos à luz! Preparam para si mesmos longos séculos de trevas e
decepções. Ai dos que fazem dos bens deste mundo a fonte de todas as suas alegrias! Terão
que sofrer privações muito mais numerosas do que os gozos de que desfrutaram! Ai,
sobretudo, dos egoístas! Não acharão quem os ajude a carregar o fardo de suas misérias.”
SÃO LUÍS.
CONCLUSÃO
I
Quem, de magnetismo terrestre, apenas conhecesse o brinquedo dos patinhos
imantados que, sob a ação do imã, se movimentam em todas as direções numa bacia com
água, dificilmente poderia compreender que ali está o segredo do mecanismo do Universo e
da marcha dos mundos. O mesmo se dá com quem, do Espiritismo, apenas conhece o
movimento das mesas, em o qual só vê um divertimento, um passatempo, sem compreender
que esse fenômeno tão simples e vulgar, que a antigüidade e até povos semi-selvagens
conheceram, possa ter ligação com as mais graves questões da ordem social. Efetivamente,
para o observador superficial, que relação pode ter com a moral e o futuro da Humanidade
uma mesa que se move? Quem quer, porém, que reflita se lembrará de que de uma simples
panela a ferver e cuja tampa se erguia continuamente, fato que também ocorre desde toda a
antigüidade, saiu o possante motor com que o homem transpõe o espaço e suprime as
distâncias.
Pois bem! Sabei, vós que não credes senão no que pertence ao mundo material, que
dessa mesa, que gira e vos faz sorrir desdenhosamente, saiu uma ciência, assim como a
solução dos problemas que nenhuma filosofia pudera ainda resolver. Apelo para todos os
adversários de boa-fé e os adjuro a que digam se se deram ao trabalho de estudar o que
criticam. Porque, em boa lógica, a crítica só tem valor quando o crítico é conhecedor
daquilo de que fala. Zombar de uma coisa que se não conhece, que se não sondou com o
escalpelo do observador consciencioso, não é criticar, é dar prova de leviandade e triste mostra de falta de critério. Certamente que, se houvéssemos apresentado esta filosofia
como obra de um cérebro humano, menos desdenhoso tratamento encontraria e teria
merecido as honras do exame dos que pretendem dirigir a opinião. Vem ela, porém, dos
Espíritos. Que absurdo! Mal lhe dispensam um simples olhar. Julgam-na pelo título, como
o macaco da fábula julgava da noz pela casca.
Fazei, se quiserdes, abstração da sua origem. Suponde que este livro é obra de um
homem e dizei, do íntimo e em consciência, se, depois de o terdes lido seriamente, achais
nele matéria para zombaria.
II
O Espiritismo é o mais terrível antagonista do materialismo. Não é, pois, de admirar
que tenha por adversários os materialistas. Mas, como o materialismo é uma doutrina cujos
adeptos mal ousam confessar que o são (prova de que não se consideram muito fortes e têm
a dominá-los a consciência), eles se acobertam com o manto da razão e da ciência. E, coisa
estranha, os mais cépticos chegam a falar em nome da religião, que não conhecem e não
compreendem melhor que ao Espiritismo. Por ponto de mira tomam o maravilhoso e o
sobrenatural, que não admitem. Ora, dizem, pois que o Espiritismo se funda no
maravilhoso, não pode deixar de ser uma suposição ridícula. Não refletem que,
condenando, sem restrições, o maravilhoso e o sobrenatural, também condenam a religião.
Com efeito, a religião se funda na revelação e nos milagres. Ora, que é a revelação,
senão um conjunto de comunicações extraterrenas? Todos os autores sagrados, desde
Moisés, têm falado dessa espécie de comunicações. Que são os milagres, senão fatos
maravilhosos e sobrenaturais, por excelência, visto que, no sentido litúrgico, constituem
derrogações das leis da Natureza? Logo, rejeitando o maravilhoso e o sobrenatural, eles
rejeitam as bases mesmas da religião. Não é deste ponto de vista, porém, que devemos
encarar a questão.
Ao Espiritismo não compete examinar se há ou não milagres, isto é, se em certos
casos houve Deus por bem derrogar as leis eternas que regem o Universo. Permite, a este
respeito, inteira liberdade de crença. Diz e prova que os fenômenos em que se baseia, de
sobrenaturais só têm a aparência. E parecem tais a algumas pessoas, apenas porque são
insólitos e diferentes dos fatos conhecidos. Não são, contudo, mais sobrenaturais do que
todos os fenômenos, cuja explicação a Ciência hoje dá e que parecem maravilhosos noutra
época. Todos os fenômenos espíritas, sem exceção, resultam de leis gerais. Revelam-nos
uma das forças da Natureza, força desconhecida, ou, por melhor dizer, incompreendida até
agora, mas que a observação demonstra estar na ordem das coisas.
Assim, pois, o Espiritismo se apóia menos no maravilhoso e no sobrenatural do que
a própria religião. Conseguintemente, os que o atacam por esse lado mostram que o não
conhecem e, ainda quando fossem os maiores sábios, lhes diríamos: se a vossa ciência, que
vos instruiu em tantas coisas, não vos ensinou que o domínio da Natureza é infinito, sois
apenas meio sábios.
III
Dizeis que desejais curar o vosso século de uma mania que ameaça invadir o
mundo. Preferiríeis que o mundo fosse invadido pela incredulidade que procurais propagar?
A que se deve atribuir o relaxamento dos laços de família e a maior parte das desordens que
minam a sociedade, senão à ausência de toda crença? Demonstrando a existência e a
imortalidade da alma, o Espiritismo reaviva a fé no futuro, levanta os ânimos abatidos, faz
suportar com resignação as vicissitudes da vida. Ousaríeis chamar a isto um mal? Duas
doutrinas se defrontam: uma, que nega o futuro; outra, que lhe proclama e prova a
existência; uma, que nada explica, outra, que explica tudo e que, por isso mesmo, se dirige
à razão; uma, que é a sanção do egoísmo; outra, que oferece base à justiça, à caridade e ao
amor do próximo. A primeira somente mostra o presente e aniquila toda esperança; a
segunda consola e desvenda o vasto campo do futuro. Qual a mais preciosa?
Algumas pessoas, dentre as mais cépticas, se fazem apóstolos da fraternidade e do
progresso. Mas, a fraternidade pressupõe desinteresse, abnegação da personalidade. Com
que direito impondes um sacrifício àquele a quem dizeis que, com a morte, tudo se lhe
acabará; que amanhã, talvez, ele não será mais do que uma velha máquina desmantelada e
atirada ao monturo? Que razões terá ele para impor a si mesmo uma privação qualquer?
Não será mais natural que trate de viver o melhor possível, durante os breves instantes que
lhe concedeis? Daí o desejo de possuir muito para melhor gozar. Do desejo nasce a inveja
dos que possuem mais e, dessa inveja à vontade de apoderar-se do que a estes pertence, o
passo é curto. Que é que o detém? A lei? A lei, porém, não abrange todos os casos. Direis
que a consciência, o sentimento do dever. Mas, em que baseias o sentimento do dever? Terá
razão de ser esse sentimento, de par com a crença de que tudo se acaba com a vida? Onde
essa crença exista, uma só máxima é racional: cada um por si, não passando de vãs palavras
as idéias de fraternidade, de consciência, de dever, de humanidade, mesmo de progresso.
Oh! Vós que proclamais semelhantes doutrinas, não sabeis quão grande é o mal que
fazeis à sociedade, nem de quantos crimes assumis a responsabilidade! Para o céptico, tal
coisa não existe. Só à matéria rende ele homenagem.
IV
O progresso da Humanidade tem seu princípio na aplicação da lei de justiça, de
amor e de caridade, lei que se funda na certeza do futuro. Tirai-lhe essa certeza e lhe tirareis
a pedra fundamental. Dessa lei derivam todas as outras, porque ela encerra todas as
condições da felicidade do homem. Só ela pode curar as chagas dasociedade. Comparando as idades e os povos, pode ele avaliar quanto a sua condição
melhora, à medida que essa lei vai sendo mais bem compreendida e praticada. Ora, se,
aplicando-a parcial e incompletamente, aufere o homem tanto bem, que não conseguirá
quando fizer dela a base de todas as suas instituições sociais! Será isso possível? Certo,
porquanto, desde que ele já deu dez passos, possível lhe é dar vinte e assim por diante.
Do futuro se pode, pois, julgar pelo passado. Já vemos que pouco a pouco se
extinguem as antipatias de povo para povo. Diante da civilização, diminuem as barreiras
que os separavam. De um extremo a outro do mundo, eles se estendem as mãos. Maior
justiça preside à elaboração das leis internacionais. As guerras se tornam cada vez mais
raras e não excluem os sentimentos de humanidade. Nas relações, a uniformidade se vai
estabelecendo. Apagam-se as distinções de raças e de castas e os que professam crenças
diversas impõem silêncio aos prejuízos de seita, para se confundirem na adoração de um
único Deus. Falamos dos povos que marcham à testa da civilização. (789-793)
A todos estes respeitos, no entanto, longe ainda estamos da perfeição e muitas ruínas
antigas, ainda se têm que abater, até que não restem mais vestígios da barbaria. Poderão
acaso essas ruínas sustentar-se contra a força irresistível do progresso, contra essa força
viva que é, em si mesma, uma lei da Natureza? Sendo a geração atual mais adiantada do
que a anterior, por que não o será mais do que a presente a que lhe há de suceder? Sê-lo-á,
pela força das coisas. Primeiro, porque, com as gerações, todos os dias se extinguem alguns
campeões dos velhos abusos, o que permite à sociedade formar-se de elementos novos,
livres dos velhos preconceitos. Em segundo lugar, porque, desejando o progresso, o homem
estuda os obstáculos e se aplica a removê-los.
Desde que é incontestável o movimento progressivo, não há que duvidar do
progresso vindouro. O homem quer ser feliz e é natural esse desejo. Ora, buscando
progredir, o que ele procura é aumentar a soma da sua felicidade, sem o que o progresso careceria de objeto. Em que consistiria para ele o progresso,
se lhe não devesse melhorar a posição?
Quando, porém, conseguir a soma de gozos que o progresso intelectual lhe pode
proporcionar, verificará que não está completa a sua felicidade. Reconhecerá ser esta
impossível, sem a segurança nas relações sociais, segurança que somente no progresso
moral lhe será dado achar. Logo, pela força mesma das coisas, ele próprio dirigirá o
progresso para essa senda e o Espiritismo lhe oferecerá a mais poderosa alavanca para
alcançar tal objetivo.
V
Os que dizem que as crenças espíritas ameaçam invadir o mundo, proclamam, ipso
facto, a força do Espiritismo, porque jamais poderia tornar-se universal uma idéia sem
fundamento e destituída de lógica. Assim, se o Espiritismo se implanta por toda parte, se,
principalmente nas classes cultas, recruta adeptos, como todos facilmente reconhecerão, é
que tem um fundo de verdade. Baldados, contra essa tendência, serão todos os esforços dos
seus detratores e a prova é que o próprio ridículo, de que procuram cobri-lo, longe de lhe
amortecer o ímpeto, parece ter-lhe dado novo vigor, resultado que plenamente justifica o
que repetidas vezes os Espíritos hão dito: “Não vos inquieteis com a oposição; tudo o que
contra vós fizerem se tornará o vosso favor e os vossos maiores adversários, sem o
quererem, servirão à vossa causa. Contra a vontade de Deus não poderá prevalecer a mávontade dos homens.”
Por meio do Espiritismo, a Humanidade tem que entrar numa nova fase, a do
progresso moral que lhe é conseqüência inevitável. Não mais, pois, vos espanteis da rapidez
com que as idéias espíritas se propagam. A causa dessa celeridade reside na satisfação que
trazem a todos os que as aprofundam e que nelas vêem alguma coisa mais do que fútil
passatempo.. Ora, como cada um o que acima de tudo quer é a sua felicidade, nada há de surpreendente em que cada um se apegue
a uma idéia que faz ditosos os que a esposam.
Três períodos distintos apresenta o desenvolvimento dessas idéias: primeiro, o da
curiosidade, que a singularidade dos fenômenos produzidos desperta; segundo, o do
raciocínio e da filosofia; terceiro, o da aplicação e das conseqüências. O período da
curiosidade passou; a curiosidade dura pouco. Uma vez satisfeita, muda de objeto. O
mesmo não acontece com o que desafia a meditação séria e o raciocínio. Começou o
segundo período, o terceiro virá inevitavelmente.
O Espiritismo progrediu principalmente depois que foi sendo mais bem
compreendido na sua essência íntima, depois que lhe perceberam o alcance, porque tange a
corda mais sensível do homem: a da sua felicidade, mesmo neste mundo. Aí a causa da sua
propagação, o segredo da força que o fará triunfar. Enquanto a sua influência não atinge as
massas, ele vai felicitando os que o compreendem. Mesmo os que nenhum fenômeno têm
testemunhado, dizem: à parte esses fenômenos, há a filosofia, que me explica o que
NENHUMA OUTRA me havia explicado. Nela encontro, por meio unicamente do
raciocínio, uma solução racional para os problemas que no mais alto grau interessam ao
meu futuro. Ela me dá calma, firmeza, confiança; livra-me do tormento da incerteza. Ao
lado de tudo isto, secundária se torna a questão dos fatos materiais.
Quereis, vós todos que o atacais, um meio de combatê-lo com êxito? Aqui o tendes.
Substituí-o por alguma coisa melhor; indicai solução MAIS FILOSÓFICA para todas as
questões que ele resolveu; dai ao homem OUTRA CERTEZA que o faça mais feliz, porém
compreendei bem o alcance desta palavra certeza, porquanto o homem não aceita, como
certo, senão o que lhe parece lógico. Não vos contenteis com dizer: isto não é assim;
demasiado fácil é semelhante afirmativa. Provai, não por negação, mas por fatos, que isto
não é real, nunca o foi e NÃO PODE ser. Se não é, dizei o que o é, em seu lugar. Provai,
final mente, que as conseqüências do Espiritismo não são tornar melhor o homem e, portanto,
mais feliz, pela prática da mais pura moral evangélica, moral a que se tecem muitos
louvores, mas que muito pouco se pratica. Quando houverdes feito isso, tereis o direito de o
atacar.
O Espiritismo é forte porque assenta sobre as próprias bases da religião; Deus, a
alma, as penas e as recompensas futuras; sobretudo, porque mostra que essas penas e
recompensas são corolários naturais da vida terrestre e, ainda, porque, no quadro que
apresenta do futuro, nada há que a razão mais exigente possa recusar.
Que compensação ofereceis aos sofrimentos deste mundo, vós cuja doutrina consiste
unicamente na negação do futuro? Enquanto vos apoiais na incredulidade, ele se apóia na
confiança em Deus; ao passo que convida os homens à felicidade, à esperança, à verdadeira
fraternidade, vós lhes ofereceis o nada por perspectiva e o egoísmo por consolação. Ele
tudo explica, vós nada explicais. Ele prova pelos fatos, vós nada provais. Como quereis que
se hesite entre as duas doutrinas?
VI
Falsíssima idéia formaria do Espiritismo quem julgasse que a sua força lhe vem da
prática das manifestações materiais e que, portanto, obstando-se a tais manifestações, se lhe
terá minado a base. Sua força está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão, ao bomsenso. na antigüidade, era objeto de estudos misteriosos, que cuidadosamente se ocultavam
do vulgo. Hoje, para ninguém tem segredos. Fala uma linguagem clara, sem ambigüidades.
Nada há nele de místico, nada de alegorias susceptíveis de falsas interpretações. Quer ser
por todos compreendido, porque chegados são os tempos de fazer-se que os homens
conheçam a verdade. Longe de se opor à difusão da luz, deseja-a para todo o mundo. Não
reclama crença cega; quer que o homem saiba por que crê. Apoiando-se na razão, será
sempre mais forte do que os que se apóiam no nada.
Os obstáculos que tentassem oferecer à liberdade das manifestações poderiam pôrlhe fim? Não, porque produziriam o efeito de todas as perseguições: o de excitar a
curiosidade e o desejo de conhecer o que foi proibido. De outro lado, se as manifestações
espíritas fossem privilégio de um único homem, sem dúvida que, segregado esse homem, as
manifestações cessariam. Infelizmente para os seus adversários, elas estão ao alcance de
toda gente e todos a elas recorrem, desde o mais pequenino até o mais graduado, desde o
palácio até a mansarda. Poderão proibir que sejam obtidas em público. Sabe-se, porém,
precisamente que em público não é onde melhor se dão e sim na intimidade. Ora, podendo
todos ser médiuns, quem poderá impedir que uma família, no seu lar; um indivíduo, no
silêncio de seu gabinete; o prisioneiro, no seu cubículo, entrem em comunicação com os
Espíritos, a despeito dos esbirros e mesmo na presença deles? Se as proibirem num país,
poderão obstar a que se verifiquem nos países vizinhos, no mundo inteiro, uma vez que nos
dois hemisférios não há lugar onde não existam médiuns? Para se encarcerarem todos os
médiuns, preciso fora que se encarcerasse a metade do gênero humano. Chegassem mesmo,
o que não seria mais fácil, a queimar todos os livros espíritas e no dia seguinte estariam
reproduzidos, porque inatacável é a fonte donde dimanam e porque ninguém pode
encarcerar ou queimar os Espíritos, seus verdadeiros autores.
O Espiritismo não é obra de um homem. Ninguém pode inculcar-se como seu
criador, pois tão antigo é ele quanto a criação. Encontramo-lo por toda parte, em todas as
religiões, principalmente na religião Católica e aí com mais autoridade do que em todas as
outras, porquanto nela se nos depara o princípio de tudo que há nele: os Espíritos em todos
os graus de elevação, suas relações ocultas e ostensivas com os homens, os anjos guardiães,
a reencarnação, a emancipação da alma durante a vida, a dupla vista, todos os gêneros de
manifestações, as aparições e até as aparições tangíveis. Quanto aos demônios, esses não
são senão os maus Espíritos e, salvo a crença de que aqueles foram destinados a permanecer perpetuamente no mal, ao
passo que a senda do progresso se conserva aberta aos segundos, não há entre uns e outros
mais do que simples diferença de nomes.
Que faz a moderna ciência espírita? Reúne em corpo de doutrina o que estava
esparso: explica, com os termos próprios, o que só era dito em linguagem alegórica; poda o
que a superstição e a ignorância engendraram, para só deixar o que é real e positivo. Esse o
seu papel! O de fundadora não lhe pertence. Mostra o que existe, coordena, porém não cria,
por isso que suas bases são de todos os tempos e de todos os lugares. Quem, pois, ousaria
considerar-se bastante forte para abafá-la com sarcasmos, ou, ainda, com perseguições? Se
a proscreverem de um lado, renascerá noutras partes, no próprio terreno donde a tenham
banido, porque ela está em a Natureza e ao homem não é dado aniquilar uma força da
Natureza, nem opor veto aos decretos de Deus.
Que interesse, aos demais, haveria em obstar-se a propagação das idéias espíritas? É
exato que elas se erguem contra os abusos que nascem do orgulho e do egoísmo. Mas, se é
certo que desses abusos há quem aproveite, à coletividade humana eles prejudicam. A
coletividade, portanto, será favorável a tais idéias, contando-se-lhes por adversários sérios
apenas os interessados em manter aqueles abusos. As idéias espíritas, ao contrário, são um
penhor de ordem e tranqüilidade, porque, pela sua influência, os homens se tornam
melhores uns para com os outros, menos ávidos das coisas materiais e mais resignados aos
decretos da Providência.
VII
O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: o das manifestações, o dos
princípios e da filosofia que delas decorrem e o da aplicação desses princípios. Daí, três
classes, ou, antes, três graus de adeptos: 1° os que crêem nas manifestações e se limitam a
compro vá-las; para esses, o Espiritismo é uma ciência experimental; 2° os que lhe percebem as
conseqüências morais; 3° os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral. Qualquer
que seja o ponto de vista, científico ou moral, sob que considerem esses estranhos
fenômenos, todos compreendem constituírem eles uma ordem, inteiramente nova, de idéias
que surge e da qual não pode deixar de resultar uma profunda modificação no estado da
Humanidade e compreendem que essa modificação não pode deixar de operar-se no sentido
do bem.
Quanto aos adversários, também podemos classificá-los em três categorias. 1ª - A
dos que negam sistematicamente tudo o que é novo, ou deles não venha, e que falam sem
conhecimento de causa. A esta classe pertencem todos os que não admitem senão o que
possa ter o testemunho dos sentidos. Nada viram, nada querem ver e ainda menos
aprofundar. Ficariam mesmo aborrecidos se vissem as coisas muito claramente, porque
forçoso lhes seria convir em que não têm razão. Para eles, o Espiritismo é uma quimera,
uma loucura, uma utopia, não existe: está dito tudo. São os incrédulos de caso pensado. Ao
lado desses, podem colocar-se os que não se dignam de dar aos fatos a mínima atenção,
sequer por desencargo de consciência, a fim de poderem dizer: Quis ver e nada vi. Não
compreendem que seja preciso mais de meia hora para alguém se inteirar de uma ciência. 2ª
- A dos que, sabendo muito bem o que pensar da realidade dos fatos, os combatem, todavia,
por motivos de interesse pessoal. Para estes, o Espiritismo existe, mas lhes receiam as
conseqüências. Atacam-no como a um inimigo. 3ª - A dos que acham na moral espírita
censura por demais severa aos seus atos ou às suas tendências. Tomado ao sério, o
Espiritismo os embaraçaria; não o rejeitam, nem o aprovam: preferem fechar os olhos. Os
primeiros são movidos pelo orgulho e pela presunção; os segundos, pela ambição; os
terceiros, pelo egoísmo. Concebe-se que, nenhuma solidez tendo, essas causas de oposição
venham a desaparecer com o tempo, pois em vão procuraríamos uma quarta classe de antagonistas, a dos que em patentes provas
contrárias se apoiassem demonstrando estudo laborioso e porfiado da questão. Todos
apenas opõem a negação, nenhum aduz demonstração, séria e irrefutável.
Fora presumir da natureza humana supor que ela possa transformar-se de súbito, por
efeito das idéias espíritas. A ação que estas exercem não é certamente idêntica, nem do
mesmo grau, em todos os que as professam. Mas, o resultado dessa ação, qualquer que seja,
ainda que extremamente fraco, representa sempre uma melhora. Será, quando menos, o de
dar a prova da existência de um mundo extracorpóreo, o que implica a negação das
doutrinas materialistas. Isto deriva da só observação dos fatos, porém, para os que
compreendem o Espiritismo filosófico e nele vêem outra coisa, que não somente fenômenos
mais ou menos curiosos, diversos são os seus efeitos.
O primeiro e mais geral consiste e desenvolver o sentimento religioso até naquele
que, sem ser materialista, olha com absoluta indiferença para as questões espirituais. Daí
lhe advém o desprezo pela morte. Não dizemos o desejo de morrer; longe disso, porquanto
o espírita defenderá sua vida como qualquer outro, mas uma indiferença que o leva a
aceitar, sem queixa, nem pesar, uma morte inevitável, como coisa mais de alegrar do que de
temer, pela certeza que tem do estado que se lhe segue.
O segundo efeito, quase tão geral quanto o primeiro, é a resignação nas vicissitudes
da vida. O Espiritismo dá a ver as coisas de tão alto, que, perdendo a vida terrena três
quartas partes da sua importância, o homem não se aflige tanto com as tribulações que a
acompanham. Daí, mais coragem nas aflições, mais moderação nos desejos. Daí, também, o
banimento da idéia de abreviar os dias da existência, por isso que a ciência espírita ensina
que, pelo suicídio, sempre se perde o que se queria ganhar. A certeza de um futuro, que
temos a faculdade de tornar feliz, a possibilidade de estabelecermos relações com os entes
que nos são caros, oferecem ao espírita suprema consolação. O horizonte se lhe dilata ao infinito, graças ao espetáculo, a que assiste
incessantemente, da vida de além-túmulo, cujas misteriosas profundezas lhe é facultado
sondar.
O terceiro efeito é o estimular no homem a indulgência para com os defeitos alheios.
Todavia, cumpre dizê-lo, o princípio egoísta e tudo que dele decorre são o que há de mais
tenaz no homem e, por conseguinte, de mais difícil de desarraigar. Toda gente faz
voluntariamente sacrifícios, contanto que nada custem e de nada privem. Para a maioria dos
homens, o dinheiro tem ainda irresistível atrativo e bem poucos compreendem a palavra
supérfluo, quando de suas pessoas se trata. Por isso mesmo, a abnegação da personalidade
constitui sinal de grandíssimo progresso.
VIII
Perguntam algumas pessoas: Ensinam os Espíritos qualquer moral nova, qualquer
coisa superior ao que disse o Cristo? Se a moral deles não é senão a do Evangelho, de que
serve o Espiritismo? Este raciocínio se assemelha notavelmente ao do califa Omar, com
relação à biblioteca de Alexandria: “Se ela não contém, dizia ele, mais do que o que está no
Alcorão, é inútil. Logo deve ser queimada. Se contém coisa diversa, é nociva. Logo,
também deve ser queimada.”
Não, o Espiritismo não traz moral diferente da de Jesus. Mas, perguntamos, por
nossa vez: Antes que viesse o Cristo, não tinham os homens a lei dada por Deus a Moisés?
A doutrina do Cristo não se acha contida no Decálogo? Dir-se-á, por isso, que a moral de
Jesus era inútil? Perguntaremos, ainda, aos que negam utilidade à moral espírita: Por que
tão pouco praticada é a do Cristo? E por que, exatamente os que com justiça lhe proclamam
a sublimidade, são os primeiros a violar-lhe o preceito capital: o da caridade universal? Os
Espíritos vêm não só confirmá-la, mas também mostrar-nos a sua utilidade prática. Tornam
inteligíveis e patentes verdades que haviam sido ensinadas sob a forma alegórica. E, justamente com a moral, trazem-nos a
definição dos mais abstratos problemas da psicologia.
Jesus veio mostrar aos homens o caminho do verdadeiro bem. Por que, tendo-o
enviado para fazer lembrada Sua lei que estava esquecida, não havia Deus de enviar hoje os
Espíritos, a fim de a lembrarem novamente aos homens, e com maior precisão, quando eles
a olvidam, para tudo sacrificar ao orgulho e à cobiça? Quem ousaria pôr limites ao poder de
Deus e traçar-Lhe normas? Quem nos diz que, como o afirmam os Espíritos, não estão
chegando os tempos preditos e que não chegamos aos em que verdades mal compreendidas,
ou falsamente interpretadas, devam ser ostensivamente reveladas ao gênero humano, para
lhe apressar o adiantamento? Não haverá alguma coisa de providencial nessas
manifestações que se produzem simultaneamente em todos os pontos do globo?
Não é um único homem, um profeta quem nos vem advertir. A luz surge por toda
parte. É todo um mundo novo que se desdobra às nossas vistas. Assim como a invenção do
microscópio nos revelou o mundo dos infinitamente pequenos, de que não suspeitávamos;
assim como o telescópio nos revelou milhões de mundos de cuja existência também não
suspeitávamos, as comunicações espíritas nos revelam o mundo invisível que nos cerca, nos
acotovela constantemente e que, à nossa revelia, toma parte em tudo o que fazemos.
Decorrido que seja mais algum tempo, a existência desse mundo, que nos espera, se
tornará tão incontestável como a do mundo microscópico e dos globos disseminados pelo
espaço. Nada, então, valerá o nos terem feito conhecer um mundo todo; o nos haverem
iniciado nos mistérios da vida de além-túmulo? É exato que essas descobertas, se se lhes
pode dar este nome, contrariam algum tanto certas idéias aceitas. Mas, não é real que todas
as grandes descobertas científicas hão igualmente modificado, subvertido até, as mais
correntes idéias? E o nosso amor-próprio não teve que se curvar diante da evidência? O mesmo acontecerá com relação ao Espiritismo, que, em breve, gozará do direito de
cidade entre os conhecimentos humanos.
As comunicações com os seres de além-túmulo deram em resultado fazer-nos
compreender a vida futura, fazer-nos vê-la, iniciar-nos no conhecimento das penas e gozos
que nos estão reservados, de acordo com os nossos méritos e, desse modo, encaminhar para
o espiritualismo os que no homem somente viam a matéria, a máquina organizada. Razão,
portanto, tivemos para dizer que o Espiritismo, com os fatos, matou o materialismo. Fosse
este único resultado por ele produzido e já muita gratidão lhe deveria a ordem social. ele,
porém, faz mais: mostra os inevitáveis efeitos do mal e, conseguintemente, a necessidade
do bem. Muito maior do que se pensa é, e cresce todos os dias, o número daqueles em que
ele há melhorado os sentimentos, neutralizado as más tendências e desviado do mal. É que
para esses o futuro deixou de ser coisa imprecisa, simples esperança, por se haver tornado
uma verdade que se compreende e explica, quando se vêem e ouvem os que partiram
lamentar-se ou felicitar-se pelo que fizeram na Terra. Quem disso é testemunha entra a
refletir e sente a necessidade de a si mesmo se conhecer, julgar e emendar.
IX
Os adversários do Espiritismo não se esqueceram de armar-se contra ele de algumas
divergências de opiniões sobre certos pontos de doutrina. Não é de admirar que, no início
de uma ciência, quando ainda são incompletas as observações e cada um a considera do seu
ponto de vista, apareçam sistemas contraditórios. Mas, já três quartos desses sistemas
caíram diante de um estudo mais aprofundado, a começar pelo que atribuía todas as
comunicações ao Espírito do mal, como se a Deus fora impossível enviar bons Espíritos aos
homens: doutrina absurda, porque os fatos a desmentem; ímpia, porque importa na negação
do poder e da bondade do Criador.
Os Espíritos sempre disseram que nos não inquietássemos com essas divergências e
que a unidade se estabeleceria. Ora, a unidade já se fez quanto à maioria dos pontos e as
divergências tendem cada vez mais a desaparecer. Tendo-se-lhes perguntado: Enquanto se
não faz a unidade, sobre que pode o homem, imparcial e desinteressado, basear-se para
formar juízo? Eles responderam:
“Nuvem alguma obscurece a luz verdadeiramente pura; o diamante sem jaça é o que
tem mais valor: julgai, pois, dos Espíritos pela pureza de seus ensinos. Não olvideis que,
entre eles, há os que ainda se não despojaram das idéias que levaram da vida terrena. Sabei
distingui-los pela linguagem de que usam. Julgai-os pelo conjunto do que vos dizem. Vede
se há encadeamento lógico nas suas idéias; se nestas nada revela ignorância, orgulho ou
malevolência; em suma, se suas palavras trazem todas o cunho de sabedoria que a
verdadeira superioridade manifesta. Se o vosso mundo fosse inacessível ao erro, seria
perfeito, e longe disso se acha ele. Ainda estais aprendendo a distinguir do erro a verdade.
Faltam-vos as lições da experiência para exercitar o vosso juízo e fazer-vos avançar. A
unidade se produzirá do lado em que o bem jamais esteve de mistura com o mal; desse lado
é que os homens se coligarão pela força mesma das coisas, porquanto reconhecerão que aí é
que está a verdade.
“Aliás, que importam algumas dissidências, mais de forma que de fundo! Notai que
os princípios fundamentais são os mesmos por toda parte e vos hão de unir num
pensamento comum: o amor de Deus e a prática do bem. Quaisquer que se suponham ser o
modo de progressão ou as condições normais da existência futura, o objetivo final é um só:
fazer o bem. Ora, não há duas maneiras de fazê-lo.”
Se é certo que, entre os adeptos do Espiritismo, se contam os que divergem de
opinião sobre alguns pontos da teoria, menos certo não é que todos estão de acordo quanto
aos pontos fundamentais. Há, portanto, unidade, excluídos apenas os que, em número muito
reduzido, ainda não admitem a intervenção dos Espíritos nas manifestações; os que as atribuem a causas puramente físicas, o que é contrário a este axioma:
Todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente; ou ainda a um reflexo do nosso
próprio pensamento, o que os fatos desmentem. Os outros pontos são secundários e em
nada comprometem as bases fundamentais. Pode, pois haver escolas que procurem
esclarecer-se acerca das partes ainda controvertidas da ciência; não deve haver seitas rivais
umas das outras. Antagonismo só poderia existir entre os que querem o bem e os que
quisessem ou praticassem o mal. Ora, não há espírita sincero e compenetrado das grandes
máximas morais ensinadas pelos Espíritos que possa querer o mal, nem desejar mal ao seu
próximo, sem distinção de opiniões. Se errônea for alguma destas, cedo ou tarde a luz para
ela brilhará, se a buscar de boa-fé e sem prevenções. Enquanto isso não se dá, um laço
comum existe que as deve unir a todos num só pensamento; uma só meta para todas. Pouco,
por conseguinte, importa qual seja o caminho, uma vez que conduza a essa meta. Nenhuma
deve impor-se por meio do constrangimento material ou moral e em caminho falso estaria
unicamente aquela que lançasse anátema sobre outra, porque então procederia
evidentemente sob a influência de maus Espíritos.
O argumento supremo deve ser a razão. A moderação garantirá melhor a vitória da
verdade do que as diatribes envenenadas pela inveja e pelo ciúme. Os bons Espíritos só
pregam a união e o amor ao próximo, e nunca um pensamento malévolo ou contrário à
caridade pode provir de fonte pura. Ouçamos sobre este assunto, e para terminar, os
conselhos do Espírito Santo Agostinho:
“Por bem largo tempo, os homens se têm estraçalhado e anatematizado mutuamente
em nome de um Deus de paz e misericórdia, ofendendo-O com semelhante sacrilégio. O
Espiritismo é o laço que um dia os unirá, porque lhes mostrará onde está a verdade, onde o
erro. Durante muito tempo, porém, ainda haverá escribas e fariseus que O negarão, como
negaram o Cristo. Quereis saber sob a influência de que Espíritos estão as diversas seitas
que entre si fizeram partilha do mundo? Julgai-o pelas suas obras e pelos seus princípios.
Jamais os bons Espíritos foram os instigadores do mal; jamais aconselharam ou
legitimaram o assassínio e a violência; jamais estimularam os ódios dos partidos, nem a
sede das riquezas e das honras, nem a avidez dos bens da Terra. Os que são bons,
humanitários e benevolentes para com todos, esses os Seus prediletos e prediletos de Jesus,
porque seguem a estrada que este lhes indicou para chegarem até Ele.”
SANTO AGOSTINHO.
Nota Especial n°2 (à 34ª edição, em 1974), referida à pág. 472: Em edições anteriores a
esta, as questões n°s 1012 a 1019 figuraram sob os n°s 1011 a 1018, respectivamente, sem ter sido
atribuído número à questão imediatamente seguinte à de n° 1010, mantendo-se, não obstante, o
texto em sua incolumidade original. O lapso, nasceu, no passado, de compreensível equívoco, pois
na seqüência da numeração das questões o Codificador salteou o n° 1011 na 2ª edição francesa,
definitiva, de março de 1860. Todavia, o texto foi mantido assim, mesmo nas quatorze edições que
se seguiram até a desencarnação de Allan Kardec.